Sentimento Ímpar

Passeei por entre as ruelas
Da cidade prometida, suja e poluída.
Sob o olhar da lua cheia
Vagueei por essas ruelas
Amando a minha e todas elas.
Pernoitei noites sem fim
Agarrado à escuridão
Pensando o que seria de mim
Nesta vida de escravidão.
Respirei o ar solto e poluído,
Atropelado pelos outros descontentes,
Me deixando o corpo corroído.
Falei para as paredes caiadas,
Repletas de rabiscos e mal tratadas,
Com ou sem dono jaz abandonadas.
Constatei com o meu próprio olhar
A pobreza infinita e desmascarada
Que permanece por debaixo do luar
Sem que ninguém possa fazer nada.
Percorri passeios estreitos
Que mais pareciam parapeitos
Escorregadios e imperfeitos.
Vi estátuas serem apedrejadas
Por mãos de marginais impunes
E, aparentemente, só por mim condenadas.
Encontrei um sem abrigo
Vagueando ao sabor do vento
Como uma folha de papel,
Com o rosto cheio das marcas do tempo
E que só tinha no dedo um anel.
Um tempo que não o perdoa
E uma vida que o faz sofrer
Continuando à toa
Sem ter onde dormir nem comer.
Vagueia pelas ruas da cidade
Sem saber onde se vai aquecer
Só tendo mesmo a liberdade
E mesmo assim todos o querem prender!
Não tem roupa para se aquecer,
Dorme por debaixo de um cartão,
Nem sequer tem um livro para ler
Mas não deixa de ter coração!
Coração para continuar a viver
É a única coisa que lhe resta
Porque todos vão continuar a dizer:
“Aquele que vive na rua não presta!”.
Só porque anda sujo e roto
Ninguém quer saber a sua história
Preferindo atirá-lo para o esgoto
A oferecer-lhe alguma misericórdia.
Só lhe resta esperar a morte
Como quem espera por um amigo,
Pois é aquele que nunca teve sorte
E por isso lhe chamam “sem abrigo”.