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UMA SALA DE CONCILIAÇÃO

aquela sala mal iluminada e fria do fórum remeteu-me à infância, onde todos os porões, as sombras, os frios e a umidade dos finais de tarde deixavam-me, inexplicavelmente, em situação de profunda angústia. Nunca soube muito bem o porque da taquicardia, do medo, da vontade de fazer xixi, mas era o que se passava comigo. Sempre detestei finais de tarde e porões.

Fosse por um motivo qualquer ou ainda, sem nenhum razão aparente, sentimentos desagradáveis invadiam-me nos finais dos dias e uma desconfortável sensação de mal-estar tomava conta de mim sem que eu nada pudesse fazer para amenizá-la.

Difícil, as vezes insuportável para os padrões de dificuldades de uma menina interiorana, ainda bem novinha. Minha mãe classificava-me como uma criança “aflita”, e é bem provável que fosse mesmo uma certa forma de aflição mas que hoje, certamente, receberia uma terminologia mais adequada. Talvez pânico, síndrome de ansiedade, não sei.

Aquela mesma sensação de desconforto invadia-me agora e eu sentia na boca um gosto ruim, um sabor amargo, um travo. O fórum! O motivo que nos levava ( a R. e a mim ) até o juiz era a última tentativa de uma reconciliação que pudesse reverter o nosso desejo de separação. Sim, um desejo nosso, porque R. também sabia, ainda que ignorasse a proporção dos fatos, que nossa vida em comum vinha se tornando morna de uns bons tempos para cá. Morna e triste.

Ele me via infeliz e nada fazia para mudar o estado das coisas; eu, por minha vez, via nele um homem cada vez mais distante, mais isolado de mim, às vezes implicante, às vezes indiferente, mas também nada fiz para reverter a situação – sempre achando que a fase ruim fosse passar, que eu retomaria minha alegria nas manhãs de domingo mesmo que fosse para, sozinha, passear até à feira de antiguidades, assistir um concerto no parque, comer homus na barraca do Salim Turco, pegar um cineminha, invariavelmente só!

R. chegou um pouco atrasado, solene em seu terno bem cortado, perfumado, sem tirar, sequer por um momento, os óculos armani. Frio, seco e distante – como eu esperava encontrá-lo. Seis meses já haviam se passado sem que nos víssemos. Nem pelas nossas filhas eu havia tido notícias dele e, acredito, nem ele de mim. Nessas horas imagino que os filhos se posicionam com base no “nem contra nem a favor muito antes pelo contrário” . Pelo menos conosco tem sido assim...não falam, não comentam, não perguntam; nada de leva-e-trás, até por que nem R. nem eu estimulamos atitudes assim.

Embora nunca tivesse passado pela minha cabeça, colocar um ponto final em nosso relacionamento feliz (ainda que morno), acabar com vinte e cinco anos de sangue, suor e lágrimas tinha o peso do mundo! Responsabilidade imensa dificultada pela presença das meninas.Tudo que nos fora possível fazer para poupá-las de qualquer sofrimento, preocupação ou infelicidade, fizéramos. Mas não fora suficiente para tirar do meu peito a sensação de que me faltava o ar, sobrava-me o vazio; me faltavam alegrias verdadeiras, apesar dos bons momentos que ainda vivíamos e sobravam-me curiosidades e desejos de mudança.

Na verdade, fui me esvaziando, perdendo aos poucos o brilho nos olhos; fui gradativamente afastando-me das pessoas de quem mais gostava : não queria visitar meus pais, não telefonava para os meus irmãos, não mais visitei minha irmã mais velha, abandonei completamente nossas antigas reuniões de amigas - um happy hour cheio de gargalhadas, às quartas feiras, nos finais de tarde; fui ficando cada dia mais só.

Lia pouco e mergulhava nos livros técnicos exigidos pelo meu doutorado, parado desde que tudo começara à espera de dias menos turbulentos em que eu pudesse retomar minhas pesquisas e concluir minha tese.

Deixei de lado o violão, não queria mais cantar; fui perdendo a graça das pequenas coisas e o dia-a-dia se mostrava cada vez mais árduo e pesado. Larguei a academia, parei com as caminhadas, fui poucas vezes ao cinema e pensei comigo mesma que infelicidade deveria ser aquilo tudo, junto, misturado !

Entramos na pequena sala 11, pouco iluminada, com uma mesa circular, seis cadeiras: nos sentamos todos, a advogada, R., eu e a agente conciliadora. Tudo foi rápido, objetivo, prático pois nada tínhamos a questionar. Tudo já havia sido discutido pela internet, e-mails indo, voltando, correções, ajustes – ou seja, no final das contas não havia muito para se modificar. Nós dois numa merda só, enfrentando, cada um de seu lado, a pior crise financeira de nossas vidas.
Existe alguma possibilidade de reconciliação do casal ?
Não, não há.
Alguma observação quanto ao conteúdo do acordo firmado entre as partes?
Não.
Não

Eu não conseguia sentir nenhuma reação física, nenhuma lágrima, nada de taquicardia, suores, frios na barriga, nada! Por trás dos óculos eu olhava para aquele homem à minha frente; aquele homem por quem eu havia nutrido por anos a fio um grande e verdadeiro amor. Juntos, havíamos trilhado uma longa estrada, passamos por tantas dificuldades, choramos tantas vezes juntos, um abraçado ao outro; acumulamos perdas, ganhamos muitas vezes, tivemos imensas alegrias, muitas vitórias, sucessos !

Sentia por R. uma ternura imensa, quase incontrolável, ainda que ele quisesse me passar uma imagem de durão, de forte, daquele que não está-nem-aí ! Talvez estivesse odiando-me naquele momento, jogando sobre meus ombros todo o peso de sua dor aparente.

Sentia vontade de acolhê-lo, como a uma criança, de falar sobre a nossa separação, me explicar pela milésima vez, numa tentativa inútil de talvez isentar-me de culpa; tinha vontade de sair dali, tomar um café, conversar um pouco, talvez nos fizesse bem; queria que ele soubesse que, desde o início minha preocupação maior foi a de não magoá-lo, mais do que seria previsível em casos assim, como o nosso. Mas não houve jeito...

Era preciso que ele entendesse : eu não procurei, mas o amor me achou, eu não busquei nada, mas uma nova paixão me arrebatou e eu não pude resistir, contra tudo e contra todos eu decidi, pela primeira vez em minha vida, ser a caça, não a caçadora. Eu optei, escolhi, quis, defini, eu bati o martelo!

Ainda sentada na cadeira da sala de conciliação eu podia sentir o perfume de R. Quantas vezes havia me dependurado naquele pescoço, mordendo-o devagar e sentindo o cheiro bom de homem limpo. Olhava discretamente para suas mãos e me lembrava do quanto me reconfortava tê-las junto às minhas. Olhei a boca que beijei por anos seguidos, o peito onde me abriguei em noites de insônia e medo, o homem que me deu seu ombro ao longo de mais de vinte anos. Muitas lembranças, tristezas também, mas, uma vez tomada a decisão, em nenhum momento pensei voltar atrás. Mas meu coração sangrava...

Para trás haviam ficado o casamento, alguns anos de solidão, gavetas cheias de noticias velhas, armários com cheiro de roupa guardada, fotografias amareladas pelo tempo, canções românticas que nada mais me diziam, cartões amarrados com fita de bolinha, envelopes com recuerdos diversos...toda uma vida!

E com foi chegar até aqui ? Como estar agora, nesse instante, nessa sala de conciliação? Como pude deixar a estabilidade de um lar, a segurança que aquela união me oferecia, a solidez de um porto seguro para nós e nossas filhas, levantar tanta poeira, ferir , magoar, dilacerar? Como recomeçar aos quarenta anos? O que poderia eu esperar da vida e o que ela poderia esperar de mim? Valeria a pena ? Deixar o certo pelo duvidoso ? E se não desse certo com o outro? Se não durasse ? Se houvesse amor de minha parte e da outra parte, não ! E se tudo não passasse de entusiasmo passageiro, puro fogo de palha? E a reação das minhas meninas, eternamente poupadas das tristezas da vida? Das pessoas queridas , próximas e de quem eu esperava uma aprovação, um ponto de apoio? Esse apoio, viria ? Mesmo?

Nos levantamos em silêncio, saímos da sala, subimos a escada em caracol até o hall do fórum. A advogada perguntou para onde iríamos: ele subiria a Avenida , eu iria na direção oposta. Estacionara o carro bem longe dali. Em silêncio descemos as escadas, em silêncio nos dissemos adeus. Ainda ensaiei um abraço, não correspondido. Agradeci por tudo, não houve resposta, desejei felicidades e saí para sempre da vida dele.

Cinco minutos depois meu celular toca:
E então P , correu tudo bem?
Sim, eu digo com voz de choro.
Estou te esperando!
Tô indo...
Eu te amo, venha.

E eu fui!!!!

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quinta-feira, junho 4, 2009 - 22:56

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