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O AMOR NA PONTA DA ESPINGARDAAMOR NA PONTA DE UMA ESPINGARDA RELATO DA GUEERA COLONIAL NA GUINÉ POR UM FILHO DE BISSAU António Leite de Magalhães-Sintra-2012 Sintra-2012-Portugal Nascido em Bissau África sob sol escaldante Junto às bol

AMOR NA PONTA DE UMA ESPINGARDA
RELATO DA GUEERA COLONIAL NA GUINÉ POR UM FILHO DE BISSAU
        António Leite de Magalhães-Sintra-2012
        Sintra-2012-Portugal
 

Nascido em Bissau África sob sol escaldante Junto às bolanhas no ano de 1939
Bajudas de mama firme
Fonte de toda esta personalidade
Onde o “sonho comanda
a vida”
E deixo meus poemas
tão pobres
a estes corpos
Lindos
Campos de arroz nascente
Gazelas deslizando como riachos
DOIS MONUMENTOS À NOSSA CULTURA AFRICANA DA REGIÃO DE GUINÉ BISAU; BANANA E CALDO DE MANCARRA.

Quem Sou e Quando Sou
Foi numa madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1939, minha mãe berrou, minha madrinha parteira suou.
Já não queria nascer, ou não sei talvez uma Sensação de angústia como se estivesse perdendo tempo dentro do útero escuro materno, além de revivência a reactualização da angústia do meu próprio nascimento.
Dizem que saí de pés. Já do contra cheguei ao colo da madrinha e pedi um biberon, pois lá no buraco só havia produtos enlatados, mal sabendo que iria ser alimentado a leite Nido em pó e depois latas de leite condensado, gelados no frigorifico a gás de minha casa no mato.
Só descobri um berço e a meu lado um homem negro, só de saia, peito nu com um trapo na cabeça e que ouvi chamar de Mamadu.
Fui crescendo sempre com medo das onças que rodavam minha casa, fascinando-me com aqueles olhos verdes deitando à luz, na noite cerrada, com tanta estrela que pareciam alfinetes espetados na minha fralda de pano.
Depois passei à secção do quintal onde brincava com os gatos, os cães, os lagartos, roubava fruta dos mangueiros, mesmo ali à mão de semear, e recordo os sonos feitos no depósito de arroz descascado, já sentindo os odores do dendém, chabéu (iguaria típica de Carne da Guiné.
Com peixe seco, galinha E ACOMPANHADO DE MUITO ARROZ, prato cozinhado em óleo de palma)

Às alpercatas, chuvadas que me serviam de chuveiro em tardes veladas a cheiros de terra molhada, o silêncio dos papagaios nos arvoredos, encharcados, encolhidos,

Mas sempre pintados de amarelo e verde.
Haveria, mais tarde, as sessões de cinema, Do tio Joaquim, com máquina de cinema profissional a carvão, projectando num lençol colocado na parede do armazém. Nós, eu e meus irmãos, entramos um dia, naquela nave fingindo guiar, enquanto todos se deliciavam com os filmes do António Silva, e do gordo Vasco Santana, porem meu irmão do meio, rato, destravou, o veiculo e fomos ladeira abaixo, sem saber o que fazermos, valeu alguns galhos grandes que sustentaram o peso à vegetação húmida e abundante,  ratos e lacraus , com calhaus grandes suportaram o peso e velocidade do calhambeque, medrosos e assustados fomos amparados por
Nossos pais, que resgataram-nos corajosamente, com umas estaladas merecidas.       

                                                                                                
O sol nasceu e morreu muito tempo e já via as bajudas de peito ao léu, circulando com cestas na cabeça, vendendo limões, mangas, abacaxis, cajus frescos, mancarra, sentando-se à frente dos clientes, oferecendo sorrisos encantadores esticando mãos calejadas mas com gestos graciosos e delicados Ciciando palavras de senhora compra. E numa tarde cinzenta foi anunciado que iria para casa de minha Avó paterna, em Lisboa.
Eu Vim para a Metrópole estudar, onde me enfiaram no Colégio Moderno, sempre de autocarro, camisa e gravata. Sapatos de cabedal... Foi aqui o começo da minha neurose africana.
A avó era fixe, e a tia solteirona uma segunda Mãe.
Entretanto após um namoro com a Lina, aos 15 anos, sofri dois desgostos muito fortes:
-O fim do namoro e a morte de meu Pai num brutal acidente de mota.
Andei desvairado por estas perdas e comecei escrevendo poemas, sem saber o que pensar mas estava lá tudo o que sentia.
Acabado 5º ano, entrei para a carreira de Direito, e no fim sexto ano, meus tios solicitaram
A Mãe (Avó do meu coração e saudade) que me mandassem para Luanda estudar trabalhar..

COMO DEUS ME DEU ANGOLA

Com 17 anos, após falecimento de meu Pai Zé, recebi uma carta de chamada para a Provincia de Angola a cuidado do meu então TIO Alberto um brilhante nome na sociedade de Luanda, Leite de Magalhães, fui estudar no Liceu Salvador Correia, e nesta escola minha formação politica se iniciou junto ao professor de Filosofia, Dr. Heliodoro Frescata, já desterrado de Lisboa.
E fui encontrar mais, um como director de um Dário angolano, ferozmente seguido sem possibilidade de saltar alto, Aníbal de Melo... Meus colegas de turma, variavam entre burgueses e pequeno burgueses, ou seja, portugueses de 1ª e outros de 2ª registada no nosso Bilhete de Identidade de Portugal (Continental- e África não é um continental?).
Influenciado pelas lutas estudantis, dentro do estabelecimento, gradualmente reconheci os motivos da exigência de uma transacção pacífica, de Província a País Independente, posta na mesa pelo Agostinho Neto, Daniel Chipenda, etc., mesmo em Lisboa. E o Toninho respondeu mandando-os prender.
Luanda era um círculo de capitalistas latifundiários, altos executivos, agentes do Governo de Salazar, onde o Ensino Superior não havia, industria muito limitada, comércio muito comércio. E alguma indústria extractiva, como o ferro e o petróleo, tudo nas mãos de empresas alemãs e americanas, a velha chaga da nossa sociedade contemporânea.
Havia uns borrachos no Liceu, mas comecei a amar a Literatura a Filosofia, o jornalismo que abracei causas, como a de trazer à luz o grande intelectual Óscar Ribas, hoje, Séc. XXI, com o direito a uma universidade homenageando seu nome. As miúdas brancas eram de famílias muito cheirosas (como a dos meus tios) e eu não reunia condições de as satisfazer, o que me causou problemas de relacionamento sexual só rematado em bailes populares com meus amigos mulatos e negros, ou seja mulata e negras, tendo uma relação muito intima Com uma professora de alemão, dicionário de cabeceira, e a filha de um fazendeiro, a Carminha, que se apaixonou por mim quente, meiga, beijos de mel relaxante. Esquecia-me onde estava, sendo engolido gota a gota, com a chávena do café. Entretanto, quando acabei o 7º ano (curso geral dos liceus) e meu Tio, com a influência da sua Senhora, não me deixou vir à Faculdade de Direito com o Móninhas, o Nonó dos Santos, e outros, meus amigos e colegas nas pescas à mão de lagostas na Ilha de Luanda, onde numa das noite de amor ao luar perdi o relógio Cortebert oferecido pelo velho José Duarte Leite de Magalhães, (meu pai). Fui corrido sozinho sem família para a cidade de Huambo (Nova Lisboa), terra das três colheitas anuais, rainha do Milho. Mundo, depois da Rússia e E.U.A. Meu dedicado chefe me colocou num apartamento de solteiros onde nenhuma menina virgem podia entrar, pois a fama das nossas farras ecoavam pelo Distrito.
Joguei andebol, (handebol) onde conheci uma morena toda musculada, mas com recheio de gila (Gila ou chila-caiota, é o nome de uma planta da família das Cucurbitáceas que produz uma espécie de abóbora) por dentro. Foi complicado amar-nos como queríamos, mas fugíamos para o campo de lancheira para picnic, e êxtase amoroso. O local era africano paisagisticamente dela, com seus tons, movimentos de cântico morno das corujas, dos cachos das buganvílias caindo das árvores, vermelhas, cor de sangue, talvez o meu que circulava dentro dela fizemos uma jura de casamento ao eterno... Nossas juras foram nas asas de uma águia num cântico estranho de heresia - Amámo-nos e ela depois, faleceu.
Em Nova Lisboa depois deste incidente, muito grave, fui viver para um Hotel de gente fina, fazendeiros e magnates. Eu gostava das refeições e do serviço, das bebedeiras com o Ernesto Lara Filho, o Rocha Peixoto, o António, e combinávamos ir passar o fim de semana a Luanda, a 600 km, com estradas e pontes duvidosas.
Mais uma vez interrompi a minha alegria, recebi um convite do Exercito para me apresentar num Quartel, de onde me deportaram para a Escola Prática de Mafra, em Portugal. Fiz-lhe como homenagem este poema:

O mar e o amor
O mar sorria como tu
Beijava de lábios frescos
Dançando sobre teu corpo nu
Gemendo sob teu corpo nu
Depois
A saudade no vento ... Eras tu
A onda do mar eras... Tu
A espuma brejeira
Espreitando
Debaixo do meu corpo todo nu
Murmurava   versos
Poemas d' embalar
Ah sob aquele céu azul
Éramos
Eu... Tu.
Mas no meio desta calmaria
Soprando ligeiramente as folhas das palmeiras
Tu me amas de longe
Num canto da baía
Onde LUANDA
Também sorria
A noite descendo vazia
Da tua imagem nada sorria
Já não estava na baía
Sonhava
Mas já nada
Soaria. De verdade
É só nostalgia
Angústia e esta poesia.
Não podemos voltar
Meu amor
A onda está vazia
E de nós só resta
Fantasia...

GUERRA QUENTE

Só regressei ao meu infantil berço fardado de fato camuflado e graduado em alferes, armas na mão e a alegria, apenas de rever tudo, mãe e irmãos, Jã vivendo em Bissau, numa vivenda com varanda e quintal, e de antes, só lá estavam o Mamadu e a Minda e conheci meu mano negro Malan.
Era vizinho do rio Geba onde um dia mais tarde atirámos com um Citroen velho, depois do seu enterro. Fizemos religiosamente um choro sentido.
Porto de Pidjiguiti - Bissau, coberto de camiões (Caminhões) militares, com homens de fardas verdes saindo a correr para outras viaturas, armados até aos dentes, meus manos negros de caqui e espingardas velhas, mastigando cola, sorrindo e como aves migrantes sem lago para onde voar.
Era alferes, tinha um pelotão de manos, falava mal o crioulo, mas ouvia tudo e respondia, sem resposta apenas, “que nos irá suceder”. Chegados ao quartel general, onde um emproado coronel de bengali na mão, mandou-me mudar a farda, pois deveria ir como os vendedores de sorvetes, branco com galões pretos.
Sentença de marcharmos à Bolama, cidade numa ilha paradisíaca, onde meu avô paterno fora Governador-geral. Foi lá que meus pais casaram e me fabricaram, onde minha actual sogra conheceu minha mãe, onde se faziam batucadas ao luar, comia milho cozido com manteigas e cajus até fartar.

           Uma ilha uma cidade em ruina Ex capital colonialista, ruas e casas velhas. Um quartel bem dimensionado para a recruta onde fui colocado com os meus passarinhos, que teriam um alferes “colchon”, comandando-os e instruindo-os para uma batalha que nunca ganharíamos. Pisei a minha África, a minha Guiné, a minha meninice nas palmeiras, mangueiros, e os jagudis, os encarregados de limpeza das ruas, matas e tabancas.

´ 

Era a minha África negra, agora vista por meus olhos adultos, desejosos de viver fora do Inferno que seria a Guerra. E no horizonte nascia o meu primeiro amor feita de carne e osso, olhos verdes, mulata, que me acolheu para de mim cuidar... me amar...
Tinha de patrulhar a Ilha, procurando” terroristas” indicados por um bufo branco mal cheiroso aldrabão e prepotente. Patrulhas, passeio a pé a quilómetros entre verdes campinas, coqueirais, poilão-centenàrias, presenças árvores, orgulhosamente criando a sombra dos caminhos, com galinholas de mato fugindo e algumas perdizes assustadas batendo asas escapando a algum tiro que não poiamos dar, pois poderia assustar os guerrilheiros e sujeitar-nos a emboscadas.
Eles surgiram numa povoação toda ela construídas com as folhas das palmeiras, vindo até nós dar mantenhas, oferecer vianda, arroz cozido em panelas de ferro negro, aquecidas pelos galhos vomitando chamas quentes. Sentámos em pedras, eu Sr. alferes num banco de cordas, e comemos todos do mesmo tacho grande, com a mão, estando o arroz (maló) coberto de óleo de palma e com peixe seco (cassequé). Umas bananas completaram a refeição. Esticamos os braços, deixei uns pesos nas mãos do chefe, um abraço e aperto de mão. Rodeados por crianças nuas, bajudas de peito firme e um sorriso cativante e o mais belo do mundo.
Era o meu povo ali era o mesmo da minha infância no mato, inocência e festa nos rostos e nas mentes. Lá caminhámos até aos coqueiros uma fazenda grande, sem capataz nem patrão, mas circundada de vedação em arame farpado para demarcação, com muitos quilómetros capim beijando-a quase até ao infinito.
E as palmeiras agitadas pela brisa cantaram-me a canção de embalar minha saudade, diminuir meu desespero, afirmando estar nos seus frutos a copra que alimentava os comerciantes brancos e os cofres da Gouveia, Ultramarina, dos grandes capitalistas no Puto (Portugal), que nos puseram.
Nas matas dos nossos sonhos matando, queimando, e chorando. Carpindo mágoas junto ao Geba. Como poeta que nascia em mim amei este silêncio da noite, dormindo numa tenda individual, mas borrei um papel com estas palavras:
HORA DI BAI
ADEUS... TU FICAS
A Guiné fica carpindo
No Geba
Mulata sem carapinha
És filha de negra bonita e branco
Ou tornado de duas estradas
Germinando numa só
Irmão comendo mancarra
Na porta da tabanca
És apenas uma tosca fotografia
Ou gazela de mato procurando
a Independência?

Aceitem este meu adeus sem regresso
É poeta que vai de vez unicamente estando em ti
Nas palavras das Mulheres Grandes
Adeus
Minha Guiné ensanguentada pela liberdade
Conquistada pelo ódio e sonho
Minha Guiné fica carpindo mágoas
No rio e bolanhas, acreditando em TI-

Parecia uma despedida. Mas o dia era um dia seguinte para continuar fardado, no comando de um pelotão de homens balantas, meus companheiros de armas, tão contrariados como eu. E andando pensei que todos nós fôramos injectados de ordens, mas o pensamento ainda era livres.
Naquela ilha só havia tranquilidade e paz, nem sinais de guerra, ou guerrilha, apenas os cheiros das mangas depenicadas pelo pássaro das matas.
Desarmado, no quartel, deixei. O à paisana, de calções e uma camisa azul de manga curta, a caminho da casa do meu amigo Tony, também militar mas sempre de viola e poemas às costas. Passando à porta de um jardim bem ornamentado vi um vulto mulato nu banhando com uma mangueira, cantando. Era ela a Xuxa, esbelta como a gazela, seca, musculada, cabelos compridos, seios hirtos e pontiagudos Apenas uma tanguinha lhe cobria o sexo. Saudei-a... Ela parou, olhou e sorriu com uma expressão tão deliciosa de doce de caramelo exclamou:
- Entra
- Deixas?
- Ficaste parado parecias uma onça!
Pensei comigo mesmo:
- Uf. Mas que onça, era um homem feliz pela visão e pelos sons destas palavras.
E botámos papianço durante o tempo que levou a envergar um vestido estampado de cores tradicionais, vivas e entrelaçadas. Fez um “rabo de
Cavalo”. E disse:
- Queres beber um leite de coco fresco?
- Alinho, disse gaguejando, não tirando os olhos da pele de veludo.
Estava solteira, tinha aquela casa que fora da Mãe, vivia sozinha, namorava de vez em quando, conforme as recrutas, era empregada na escola. Quarto simples, cama de casal, arrumada, um sofá de três lugares já um pouco usado.

- Bo sinta... Mandou ela
- Sim mm
Deslocou-se, foi a geladeira e sacou a garrafa com o precioso liquido, que eu não sabia fermentado a caminho do álcool. Não sabia o que bebia, mas senti um frescor pelo corpo que aqueceu todos os meus sentidos. Sempre sorrindo inteirou-se eu ser solteiro, ter uma filha desde os quinze anos, gostar de fazer amor, afirmando que começava a desejar-me ardentemente, para provar corpo de alferes branco e da Guiné.
Quando dei por mim me estava enroscada em mim, colada a mim, ainda molhada, colocando uns lábios quentes nos meus. Pareceu milagre para corpo e mente, já saturados de tropa, de uma guerra que ainda não conhecera, do calor sempre agarrado a meu corpo, suando pingo a pingo rosto abaixo. Depois... Depois foi entrar numa piroga, embalado pela onda de um rio manso, mas ritmado, ardente e amante. Pela primeira vez sucedeu um orgasmo africano, vomitei naquele corpo negro meu sémen euro-africano. Quando despertei eram horas já de sol poente no pontão de Bolama.
A partir desse momento Xuxa entrou no meu equipamento, passando a ser a companheira de todos os dias. Muitas vezes todo o cenário daquela ilha lembrava-me os escritos de Jorge Amado, (escritor brasileiro) escritor cujas escritas andavam sempre e também na minha Bagagem. Nas horas extra Xuxa, ouvia mornas na viola e voz do Toni, ou me sentava no quiosque do “cais” de Bolama, bebericando com o Júlio, director da alfandega, cabo-verdiano letrado e politico, admirando a paisagem do rio, com pescadores nas canoas, um sol poente tão africano, cor de sangue, amarelo esbatido descendo do Senhor Deus até ao fim do nosso horizonte rente ao ponto onde se quebra este lado do planeta.
E por cima de nós bailando nessa brisa fim do dia minhas palmeiras afagavam-me ternamente. Os bailes nos enlaçavam como silvas ou giestas nas árvores seculares, poilões, eramos um corpo ouvindo com as pernas as mornas ou coladeiras, no pátio da ponte, e sentíamos a vida viva em cada som dum beijo perdido mas vencedor. E com a Xuxa, e recordações da minha amada Bolama, fui atirado para o Sul, onde a guerra fervia, os mortos choravam abandonados e os amantes se tornavam vigilantes permanente de si esquecendo os outros: a Lei da selva.
Não dos animais mas dos homens, do poder e ganância, embrulhando nossos corpos e almas com uma farda agressiva como rebuçados peitorais em papel de vegetal. Lá fomos de Bolama para Catió, e de Catió para Bedanda.
Nosso transporte era uma barcaça velha com alguns taipais metálicos e uma Metralhadora pesada para nos defendermos: os meus soldados e eu não tínhamos armas, e dormíamos no porão. O que nos alegrou foi a companhia peixe-agulha, do espadarte lindo em sua imponente figura e muitas gaivotas. Confesso sentirmos todo o rabo apertado pois o Sul já apresentava um aspecto bélico muito rijo. Íamos entregues a Deus e às florestas nas marginais, sendo recebidos por uns crocodilos muito giros, mais poucos hipopótamos, com só vira no Zoo de Lisboa. Cansados saltamos para o quartel de Catió. Um coronel peneirento nos recebeu, e conheci um Champalimaud, lá estagiando como alferes.
Os soldados ficaram a dormir em caixotes de bacalhau com colchão e eu na nesses de Oficiais. No meio da noite rebentam tiros por todos os lados, nem uma arma tínhamos ainda. O pelotão ficou na caserna e a mim deram-me uma Valer... Grande gozo. Só me encantei de ver tantos riscos brilhantes misturando-se com as miríades estrelas da noite africana sem luar. No rescaldo informaram-me ser hábito os ”turras” virem chatear o pessoal para criar pressão psicológica.
Ora que porra: o africano sabe bailar, dançar, o batuque, beber grog e água de coco... Chatearam-nos muito para esquecer os ensinamentos dos Régulos e Homens grandes à volta da fogueira, fumando cacimbo de barro, folha de barba de milho. E pelas noites seguintes na mesma embarcação entrámos no reino do Nino Vieira, onde nos esperavam mosquitos e emboscadas. Mais uma vez nos deram ordem de marcha para um destacamento implantado junto ao mesmo rio, e ao chegar deparei-me com uma população amedrontada, pois o último comandante louco e Rambo de quinta apanha, fora abatido quando tentava incendiar as tabancas vizinhas. Um tiro certeiro evitou mais um criminoso de Guerra.
E lá fui, gordinho, de calções, arvorar em chefe. Não havia quartel nem vigilância. Aprendi a ter medo, e como tal, agarrei no pessoal e coloquei o arame farpado, abrigos, controle à entrada, de protecção a população.
Protecção contra quem? 
Mas teria de ser assim, pois arriscava de quarenta homens, só metade caucasianos, estes todos mandados para ali cumprindo penas do foro criminal. Estava rodeado de ladrões e criminosos... Porreiro, para estes tipos apertar um gatilho era água mole, e teria de os sensibilizar que não eramos carniceiros mas sim militares, sem saber para quê, e havia uma missão a cumprir: deixar viver aqueles povos em Paz num teatro de Guerra.
E como filho da terra me apresentei no meu crioulo mal cantado, ficando de imediato a conhecer um Ex criado de meus Pais, João Baker Jaló, festa rija com o menino, e um sipaio dependendo de Bedanda, por acaso também do tempo da administração paterna do mesmo concelho, por isso fizemos um pacto de amizade e fidelidade.  
O Régulo, chefe indígena da população, com várias Mulheres, negociante de gado, veio todo de branco, num bubu regional. Muito naturalmente me colocou à minha guarda uma menina, Augusta de nome, e por ela seria posto à prova no civismo e moral.
Meu braço direito era um cabo negro e fula, Mamadu, embora tivesse graduados europeus e do quadro. Também nasceram problemas entre nós, pois estes senhores não gostavam dos meus métodos poucos ortodoxos, fora das linhas do RDM, onde respeitava apenas os artigos da organização militar. E o resto residia dentro de mim, princípios de educação, amor pela minha terra natal.
As ralas cantavam à noite pelo horizonte marcado por estrelas muito brilhantes e um calor sufocante, que tentava suavizar com uma ventoinha. E a Augusta, de pano enrolando seus peitos firmes, me serviu o jantar, sem sorrisos de esperança. Era o senhor e a escrava de meus desejos, dois corpos ardentes mas distantes, sem chama de interesse que não fosse o de serviço.
Não tinha mulher há uns bons tempos. E ao deitar, com a Augusta no consciente, me masturbei. Pela madrugada rompendo as janelas senti um corpo junto de mim: o dela, encolhido, destapado mas sempre de pano enrolado. Acordou e sorriu perguntei:
- Mata-bicho alferes?
Elegantemente saiu da cama, lavou o rosto e os sovacos, os dentes com o dedo indicador, utilizando minha pasta de dentes. Intrigado, à rasca, cheio de receio, indaguei:
- Não precisas de dormir comigo, não és minha mulher!

- Sou sim, Regulo me mandou...
Em mau crioulo expliquei que não era assim, ao que
Respondeu-me sorrindo com doçura e amargamente:
- Não gostas de mim!  
Fim do Mundo... Todos os meus sentidos ficaram cheios de mágoa, gostava sim como bajuda, bela, elegante, mas mulher só quando ambos o queremos...
E num gesto lentamente desenhado, desenrolou o pano e todo aquele corpo lindo de africana entrou-me pelos sentidos  .Num gesto carinhoso, afaguei-a, beijei-lhe os seios, os lábios, e docemente penetrei-a abertamente alucinado de prazer. Minha gazela do mato, meu anjo da noite, nem um gesto fez, só de pernas abertas, não sentindo a festa no clitóris (fora cortado em criança), apenas gemeu, tremeu na segunda copula, esta já mais sabendo a papaia fresca. Nos meus testículos e pénis estiveram na vagina duma rapariga mutilada, em crioulo, fanada. Mal parámos, saiu e foi lavar-se com raiva dissipada apenas ao mata-bicho. 
Lá fora as ralas cessaram os cantos pois o Sol já esquentava os campos de milho e arroz.
Meu texto seria agora de guerra, confusão e tristeza, mas não vou manchar minha memória com o suicídio do meu amigo Sipaio, nem a cedência da Augusta ao cabo Mamadu, para casarem. Nem tristeza, nem ódio: apenas o sabor amargo cheirando a sangue e amor.
Porem a vida continua, farto do capacete, cansado de existir só por ordem de outros, fui estacionar novamente em Bedanda, onde passados vários alarmes bem bombardeados, já com morteiros (o Nino brincava com o quartel), onde vi um camarada, à Frei Nuno de Santa Maria, sentado num abrigo, a rezar para nossa misericórdia e outro resolveu tocar a corneta como despertar para o pessoal rumo à confusão, mas ele quedou silencioso não pegando na G3 depois e foi condecorado com a medalha cruz de Guerra no Terreiro de Paço como um Herói Nacional, apenas por ser filho de burguês. E eu num stress traumático encontrava-me sempre armado com a pistola e granadas no cinturão.
Numa certa manhã, abri os olhos e vi o meu mosquiteiro todo furado, o quarto cheio de camaradas armados, pois o Sr. Alferes Leite de Magalhães sonâmbulo descarregara uma Walter no local de descanso. Mais louco que eu só os diabólicos mosquitos à saída da Messe, que nos picavam a cara com feror. E o comandante, um capitão do QP, com uma excelente formação humana, homem do 25 de Abril, mandou-me para o Hospital Central Militar em Bissau para ser tratado de uma psicose de guerra. Mas a cena mais dramática deste minha ida à Guerra Colonial aconteceu quando contactei minha Mãe pelo telefone e a santa Mulher balbuciou a medo:
- Tó-Zé. Estás vivo!
Olhei para mim e no mesmo instante fiquei sabendo que morrera em combate como um Herói.
À hora da visita estavam lá todos os familiares, rindo chorando e sufocando-me. Descobri mais tarde que tinham trocado os nomes e quem morrera foi um tenente meio louco, criminoso, que devastava tudo e todos, e no dia em que deverias ir eu para a patrulha, eu vim para a capital da Província e ninguém trocou as fichas.
Paraíso estar num Hospital Militar com umas enfermeiras paraquedistas muito boas, meigas e operacionais. Já meio recuperado foi nomeado para ficar de oficial de dia, com o médico de serviço. Seria só ouvir rádio, pois a actividade principal eram os helis que chegavam com feridos graves das matas. Pouco movimento. No entanto o médico que me pediu para o acompanhar a morgue com mortos verdadeiros, aguardando exportação. Então estava um comando com ar amarelado gritando em cima da maca: 
- Não estou morto (tinha apanhado 13 tiros), quero sair daqui. Dito e feito, o Morto Vivo desatou a fugir para a porta de armas onde com ternura foi detido amarrado a uma cama e encharcados de sedativos. E este soldado ficou sempre conhecido pelo acontecimento alcunha, alucinado por ter sido encerrado
Vivo numa caixa da morgue.

As mocinhas de minha terra natal só queriam sair dali, espaço limitado para ambições, e casar com um militar que as levasse no barco. E assim sucedeu muito próximo de mim: minha mana mais nova pirou-se com piloto de aviões cheios de tics mas bom moço.
Nestes meses de marasmo, em casa se reuniam amigos que nunca mais esquecerei, assim como patrícias em desespero, no mesmo gesto das europeias ou caucasianas. O Rui Mingas era cabo miliciano, companheiro de meu irmão Rui, e depois de jantarmos um chabéu feito pela Mimi, minha Mães, levávamos um grogue para a varanda e ele com sua viola nos deliciávamos com aquela voz inesquecível, cantando em quimbundo- não fosse a pide descobrir as letras de António Jacinto- e o luar bem forte saudava a poesia e musica da futura África Independente, ouvindo-se as palmeiras dançarem na brisa da madrugada onde nos perdíamos. 
Certo dia Rui se demarcou do colonialismo: desertou e só vim reencontrá-lo em Lisboa como secretário da nova embaixada da República Popular de Angola, onde um poeta, Agostinho Neto, governava...
Em Mansoa um Sr. Dr. Advogado do regime quis vir para a capital e o Tózé foi relegado em seu lugar para a vila de Mansoa, onde os meus sentidos viveram intensamente a G3 e a vagina, num conto gravado em mim como disco rígido num PC. A família debandara para Lisboa atrás da louca da minha irmã, atrás do casamento, e com ela levaram o interesse de estar junto ao Pdiguiti.
  

MANSOA

Encruzilhada de caminhos para o norte e para Bissau.
Por isso transportes civis e militares eram habituais, rumo a  Bafatá, e arredores. Deram-me o lugar de Tesoureiro, anteriormente ocupado pelo tal advogado fujão. Tinha a responsabilidade de todas as verbas do Batalhão, e claro incluindo companhias.
Como quartel era agradável, e mesmo perto da porta de armas morava um capitão e esposa ( corajosa), e a Messe de Oficiais, ficando mais à frente o nosso dormitório, onde podíamos tomar banho de balde, com um grande bidon cheio de água, um púcaro... Claro, ventoinhas, e mais acima funcionava um centro de saúde com os médicos do Batalhão, dois, dos quais também prestavam auxílio ao povo, como partos e urgências.
Os comerciantes e o Enfermeiro Mor da vila eram na maioria mestiça (cabo-verdianos). E no meio desta avenida larga um dia surgiu um nome e uma Mulher.
Depois do fim do dia de trabalho, quando não estava de oficial de dia, percorria a vila para
conversar com os comerciantes locais, também sentados nas soleiras de suas portas, normalmente em bancos, fumando, cachimbando, bebendo uma cerveja fresca aguardando
a hora da janta.Com eles as Mulheres e filhos, e naturalmente filhas.
Estas primavam pela compostura de trajos, bubus ou vestidos, e as mais ousadas calções.
Entre elas, sobressaiu um sorriso de ouro, uma figura esbelta, vertendo luz, esquecendo estar e um passo do inimigo, galvanizando nossas solidões só apagadas com a flora local e estes momentos lúdicos.
Foi assim que de farda amarela, conheci o maori poema de mim, ANGELINA

          

ANGELINA     
                                                                                                      

Fui poeta, palhaço, fã e desprezado por esta obra prima da natureza mas também vi luz ao conhecê-la pois meu olhos tinham endurecido e meus sentidos sensibilizados.

Fixei-me em ti
Como pioneses na cortiça
Esta imagem rejubila em noites de angústia
Mal consigo andar sem sentir o calor do teu sorriso de água fresca
Nascente de ti com ramos de nenúfares enrolando teu corpo numa viagem onírica
Até ao meu universo decadente
Apenas
Apenas
Procurando asas coloridas onde as recordações já são cinzas
Pintadas no cérebro delirante do poeta (?)

Ela trocou um sim de ser minha Mulher para casar-se com um irmão do Luís Cabral, pessoa sem escrúpulos e duvidosa.
Inda mal acordava desta nostalgia quando fui chamado à porta de armas, onde com grande emoção vi a Xuxa. Viera de Bolama para Mansoa... Agradeci a Deus pela força que senti, pois alugaria uma cabaninha perto do quintal, com um quarto e cozinha, e uma cama de casal. Trouxera panelas e copos, talheres fogareiro... Era só ir à praça comprar comida... 
Pedi autorização para morar fora do aquartelamento, o que me recusaram a título permanente, só podendo fazer saídas até ao recolher... Passou ser coito interrompido, com um jantar pelo meio, música e passeios pelas ruas da cidade, sempre perigosas, pois poderiam vir fogachos do lado da bolanha.
E um dia, quando nos amávamos, sentindo obuses cantando e balas batendo nos nossos telhados.
Nus, fomos para debaixo da cama e só me lembrei onde estava após um orgasmo doloroso que ecoou em dois sons pelas florestas dentro.
Esta estátua memoriza a tal noite onde nem gritos, nem rebentamentos conseguiram deter aquele momento tã africano, branco e negro, sinfonia vinda dos céus. 
Fecundamos uma menina que apenas vi uma vez, e me perdi destas memórias na confusão. Ela foi embora, assim exigiu o Comandante, para a salvaguardar, e a mim também.
Fiquei viúvo... Depois passei a ser um homem deambulando, sem rumo certo a vaguear pelas ruas das tabancas acima. Indo à floresta com o enfermeiro Mário Doudo, mas sempre absorvido nas acácias vermelhas, nos cocos, mangas, palmeiras e poilões dos nossos caminhos até ao interior.
Fui chamado do nosso segundo comandante, um tenente-coronel, dando-me ordens para não mais viajar com aquele amigo, que poderia ser um informante do “inimigo”.
E outro chefe, o Sheriff, com o qual partilhava, apenas a uma fogueira, a Pide deteve-o. Neste mesmo momento me encontrava de oficial do dia na unidade e por isso fui responsabilizado pela sua detenção.
Em crioulo bem claro Ele pediu-me, que o ajudasse a resolver o imbróglio, o que era difícil pela bufa estar metida nisso. Era vital para o sistema político ser levado para Bissau debaixo de escoltas, e até lá foi enfiado na casa dos geradores, para não se ouvir os maltratos que a Polícia Política usava.
Nenhum Oficial lhes deu cama nos seus dormitórios. E no dia seguinte Sheriff fugiu do jeep onde fora enfiado, para dentro da bolanha, onde se misturou com a lama, os tarrafos e voou nu. 
A título de curiosidade encontrei-o em Lisboa, alguns anos depois, vivendo clandestinamente na antiga Feira do Império. Completamente perdido, nem era carne nem peixe, sem nacionalidade, pois aderira à PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) como informante, para manter o seu nível de vida recheado de boas amigas e de pesos para o jogo.
“Assim jaz morto e apodrece o menino de sua Mãe”.
Com tanta limitação de espaço, mal tocava para sair, fugia para o meu quarto, onde meçara a escrever poemas. E esta estadia em Mansoa, merecia um Lusíadas, e não os dedos de um ignorante, como eu.
Numa poentada africana, som, sol, nada ser substituído pela noite, esta figura de mulher parida com olhos mendigos de Paz, veio pedir-me trabalho, lavar a roupa, fazer-me compras e companhia. Um cabo europeu vivera com ela e nasceu um puto giro, o Manel, dessa relação.
Senti refinar-me num africano cheiro o cheiro dos bubus coloridos, do lenço clinicamente colocado na cabeça. Gostei daquele sorriso triste, da finura dos gestos, e balbuciei o sim. Ela esboçou um delicado sorriso e um agradecimento.
MARIAMDI
- Então, bajuda ( elA sorriu mais), como te chamas?
- Mariamdi...
Mandinga cantado por lábios cheios de sensualidade
- Manhã na bim, alferes...
Entrei na messe para jantar embalado por uma nuvem de ternura já tão necessária em mim, pois dia a dia odiava esta guerra tão desnecessária e sem causa de ser.

Confortei-nela egoistamente sobrevivi naquele sorriso dum corpo sofrido como sequência de uma
Guerra injusta e colonialista.
Saboreei a paz naquele corpo fértil de emoções, frémitos e espasmos de prazer, compartilhado pelo humilde grito do orgasmo.
Cantámos ambos, unidos por um laço que ninguém destroe: ambos carentes.

                                                                                                                                                                                          

Sonhei com aquele esboço de sorriso tão límpido, e sem maldade, nem sexo, nem sensualidade. Era apenas um esgar de necessidade... E começamos com a rotina, sempre impecável de conduta. De início custou trinta pesos e recebi
             Um sorriso já mais afável.
Logo após soube pelos meus soldados que haveria uma batucada ao Luar, pois seria uma noite de lua cheia, onde homens e mulheres de tronco nus, dançariam em louvor aos astros.
Mais um pedido de licença.
O meu velho e bom criado Mamadu, veio ver o menino, e pedi-lhe o conselho sob o entrar naquele luar e ele muito pensadamente me disse:
. Vá sim menino, é o seu povo, mas não vá armado, bandidos não atacam nestas noites de festas, só quem tenha armas.
Vesti uma balalaica, e debaixo dela enfiei uma Válter e um punhal, este à vista... Visto ser normal cortar carne assada no espeto, um boi inteiro, com faca e beber por uma caneca circulante boca a boca. 
Quando terminei de me aprontar, meter o Mamadu num burro para ele dormir, sai e lá fora iluminada pela luz do luar estava a Mariamdi, que agarrou na minha mão e salutarmente disse-me:
- Anda branco, festa de bo terra é minha também
Lá seguimos de mãos dadas, todos olhando e sorrindo, esboçando um olhar de aprovação chegamos perto da fogueira gigante, onde era assado o animal como oferta aos deuses das trevas das noites onde as chamas se perdiam num luar prateado, louco, quente e aconchegante, criando um abraço de união entre nós africanos, entrando as notas dos tantans, apelando à êxtase.
E começou a competição de combate do tipo greco-romana, mas ritmada ao som dos instrumentos, flautas gentias e os respectivos instrumentos tradicionais, num bailado estonteante de harmonia entre dois corpos... Hoje diríamos que era a capoeira do Brasil...

Choviam estrelas, caia um pó de cacimbo, saboreávamos uma carne assada, cerveja gelada (minha oferta) e os músculos cansava-se absorvendo a magia do momento, sentindo-me negro como meus patrícios.
Mariamdi vendo-me assim pegou na minha mão e disse muito simplesmente:
- Bim durmi li...
E na casa dela, na tabanca, estava uma um leito feito de folhas de palha, vazio, para casal, e no outro canto, dormia um rapazinho mulato, duas raças fundidas num corpo musculado e belo. Como por magia senti um olhar da Mariamdi, como fogo quente, penetrando em mim. Cansado, e emocionado, estava na cama e ela sacudindo o bubu (bubu não tem uma origem específica mas é como se fosse uma lamentação) de si, sorriu, dizendo:
És lindo, tuga. Mi misti bo...
E sem mais nenhuma palavra apoderou-se de meu corpo e levou –me à loucura o resto dos sonhos ao paraíso dos anjos do amor. Depois aconchegando-se ao meu lado num descanso
  relaxado. A noite avançava para o dia seguinte, quando vozes chamaram:
- Mariam!
Ela sobressaltou-se tremeu e sacudiu-me dizendo:
- Esconde. Te debaixo da cama, não fales, ouves só, são os homens do mato.
Minha sina debaixo da cama para me abrigar. Custou a entrar meu corpo anafado, engatilhei a pistola e pus uma granada na mão.
Ela saiu do leito, abriu a porta e ouvi falar em crioulo, perguntando-lhes pelos parentes... Reboliço, mais conversas, depois sentiu-se um fugir como as cobras nas florestas. Branca, e assustada, me tirou do esconderijo, e ainda muito assustada disse:
- Magalhães, os do mato vieram buscar meus parentes jovens para a guerra!
- Recrutamento?
- Ia...
Acenou com um sim melancólico...
- Passam e vão...levam mantimentos, tudo que temos... Não fazem mal...não
Em vez de se festejar a entrada na rotina de adultos com festas e a circuncisão (fanado masculino), eram enfiados em quarteis, treinados para matar, e amar a sua bandeira, e honrar Amílcar Cabral.
- Agora vai, sempre para o teu quartel, e amanhã nos vemos, meu amor...
Meu amor africano, doces braços e mãos me embrulharam fixando em campo aberto o calor desse sentimento tão tropical em forma de arco iris. Levou-me à porta espreitou e ouviu...
- Bai...
Encostando-me nas paliçadas das tabancas corri tranquilamente e chegando ao cabo, lancei ancora para um sono, carregado de flashes, do que tinha passado, e amado. Escapei de ter sido feito prisioneiro, ou mesmo, abatido. Foi ela quem abriu as asas e me protetegeu.
Ela mulher amordaçada, abusada, abandonada, amou um cabo, teve filho do cabo, ele foi a guerra o levou de volta num barco qualquer surdo aos seus gritos de saudade...

Lembrei-me que Deus existia e comovidamente agradeci esta bênção. E nossa relação se tornou rotina diária, e por vezes fugia até casa dela, mesmo sabendo das possíveis Consequências.
Recebi uma ordem do Comando para ir a Bissau, a fim de prepararem meu embarque para Lisboa, regressar ao cemitério de cimento armado, ao Salazar, às hipóteses de acabar meu curso de Direito
. E ver minha mãe e manos mais novos, já ocidentalizados numa Avenida de Campo de Ourique.
No jardim da parada revi todo o filme deste meu retorno ao quintal onde crescera, mais velho, mais amordaçado, sem nenhum espirito de guerreiro, mais poeta que militar, mais amante que soldado. Ou fora toda a magia do sol poente alaranjado meu mestre de vida nesses conturbados dois anos..

Sei apenas que mal sairá do barco de regresso, fui convidado para retornar ao meu quartel de origem ou ficar como Inspector da Pide.
Fiquei enjoado relembrando do rosto ensanguentado do Serifo e recusei esse passo pois já escolhera o meu destino.

E Deus criou A mulher
Para os Pintores Pintarem
Os poetas Amarem
Os músicos Cantarem
Mas na Africana Juntou um Sabor de Malagueta
De gazela
Voando
De pássaro colorido
Depois ternura volúpia
Queixume
E sapiência
Minha África distante
Quero ser adormecido
Por uma bajuda dançante                                                                                              
Peito solto ao vento
Anca rodando em girassol                                                                                                  
Minha Xuxa distante onde amei repousadamente uma alma cansada de guerra
Mariamdi, estás aqui junto de mim em jeito de saudade
de teus braços quentes
palavras sábias
E nas minhas musas de Cabo Verde ainda quedam nestes versos doentes
Sintra-06-072012

E deixo aqui estas pinceladas, e mais um apontamento para que nos julguem melhor, ex-combatentes por conta de outrem. Tinha noites agitadas com ruídos de metralhadora nos ouvidos (ainda hoje aos 74 anos ouço grilos), e quando ia nas avenidas e se dava um frapé de automóvel me atirava para chão em guarda e ninguém se podia aproximar de mim quando dormia profundamente, pois erram corridos com almofadas.
O médico da Unidade enfiou-me no Hospital Militar de Lisboa para tratamento psiquiátrico de uma neurose de guerra, onde para tratamento iam estropiados, queimados e mortos-vivos.
Pois sou isso: MORTOS VIVOS
Sintra

Meu amor já la vai´
Meu amor da era para ser
Meu amor do há-de  ser
Sem ti
Mas contigo
Até morrer

E volto para casa
Teu colo moreno cheira a madressilvas
água pura dum ribeiro já foi

Em sonhos azuis de tons verdes
De esperança
Um dia voltarás para meu colo
Tua casa teu canto de cisne
E lá nesse regressar nos encontraremos
Quiçá
Ainda entrelaçados por um abraço de amor.

        Aproveito o ensejo desta minha história de encontro e desencontros, de amores e desamores, vitórias e derrotas, sofrimentos e alegrias para dedicar e agradecer com profundo amor ao Deus e aos meus companheiros de luta. A todas as XUXAS, ANGELINAS E MARIAMDIS, que estiveram presente em meu quotidiano proporcionando-me carinho, afeto, amor  e dedicação.
Obrigadas queridas e amadas amigas companheiras duma jornada que o grande Arquitecto do Universo abençoou.

“Ó divina VIDA te agradeço! Por nós os brutos inconscientes se converterem em génio; e por ti ó vida. O mau adquire a perseverança na existência e ao estúpido ignorante o conhecimento de todas as coisas.
   Por você progressivamente o homem toma conhecimento e ciência de si mesmo; pois cada dia de vida lhe traz uma experiência e em cada amanhecer uma força e um poder actualizado, por ti ó vida não existe dor, sofrimento, nem prova que não tenha um objectivo, pois toda alegria é um presente recompensado pela mais íntima solidariedade, eternizado e perpetuado a todas as criaturas, e o progresso, a formação de uma sociedade mais justa é uma obra comum e secular.

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sexta-feira, setembro 7, 2012 - 01:17

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António Leite de Magalhães

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