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Poeteorismo - Partilha Experimental
POETEORISMO
Partilha experimental
por
A. Ramos
Inexistência
Nunca morri.
Mas já vivi?
Estou a morrer
Ou a viver?
Grito alto como quem se esfarrapa,
Quero saber!
Quem é?
Que me mandou?
Que me criou?
É meu este pensamento?
Ou tem que ser?
Quem me puxa os cordéis?
O que me cabe fazer?
Que ensaio sou?
Há destino para mim?
Sento-me aqui.
Vem ao meu encontro.
Não me canses.
Exijo saber.
Posso desistir?
Não pedi nem me ofereci.
Quero voltar à quietação da inexistência.
Não quero mais esta contagem de quem cai
No buraco preto com paisagem que distrai
E que sem saber quando,
Se desfaz na queda, da sua idade.
De quem é o divertimento?
Não te enfadas, demente paciente?
Não quero mais a escola e a rentabilidade.
Só me cansa.
Depois, não há doutores nem rotos.
Há dentes arreganhados e roupas mais resistentes
E retardação envernizada.
Só nos bichos quem menos quis saber, é o primeiro.
Não aspiro ser anjo, nem ferver em chamas.
Já provei todos os estados.
Não me cansem!
Eternamente é demais para mim.
Não me ponham à prova nas medidas dos outros.
Que encanto é este? Nenhum, meus caros.
Repetição exaustiva.
Somos migalhinhas autónomas de laboratório,
Chocalhadas num tubo.
Quero desistir sem pôr fim, que até ai há regra impingida.
Não quero esperar mais nada.
Chorem no nascimento, que o tempo já está a contar!
No teu e dos outros.
Não gosto deste estágio. Não gosto do patrão.
Não há lugar para todos.
Dou-me a liberdade que mais nada dá,
De escolher!
Quem me trouxe que me leve. Não gostei.
Não sou entretenimento de ninguém.
Ao lado
Porque choras tu
A unha que te dói,
Se te alegra
A perna cortada
Do teu vizinho?
Porque lamentas tu
A miséria que te gasta,
Se te reconforta
A fome
Que bateu na outra porta?
Seita
Pobres,
Que avanceis em fila,
Sem passo ao lado ou atrás.
Cabeças que se ajoelham.
Pobres,
Seita de cadáveres obesos
Que seguis exércitos
Que vos mandam.
Que ergues
O que vos exigem.
Que escondes
Do que vos ensinam
A fugir.
Ó pobres, simétricos,
Vida morta
Que caminheis em pernas movidas
Porque vedes os outros
Que seguem outros
Iguais a ti,
Vão a pisar a alma do da frente!
A sombra
Sombra teimosa,
Que me persegue.
Não é morte
Mas procura-me.
Não é morte.
Está viva. Em todo o lado.
Comigo.
Onde estou. Onde vou.
Eu ando, ela caminha.
Eu paro, ela descansa
Enfrentando-me,
Amparada.
Condena-me, muda.
Espelha-me o que não sou e não tenho.
Creio que o que não fui.
Sonhos mortos que matei á fome.
E eu enterro a culpa minha
Com o azar, que me convém.
Mas se eu andar mais rápido
Quase que posso fugir
Ou fingir,
Que não a vejo.
Vou andando, portanto
Para não a encarar
Porque ela persegue-me,
Teimosa.
Quem dera que a matasse.
A ela,
Frustração.
Lágrima
Doce lágrima que me amarga
Me afoga antes de rebentar,
Desafoga
E me desata.
Trapezista que morre.
Vomito-te como que a doença.
Dor,
Vens dos pés.
Espelhar-te
Procura-te
Nos meus olhos,
Estarás perfeito.
Reflecte-te
Sem erros
Sem marcas
Sem partes apodrecidas.
Em mim,
Corriges-te.
O jogo
Não tenho doença aparente
Nem sentida.
Nem os que são meus.
Encaremos o resto como um jogo.
Ás vezes perco
E outros perdem,
Para que ganhe eu.
Não será companhia eterna,
O que ganho.
Mas faço das derrotas
Um muro atrás de mim.
Existência
Sentimo-nos vivos, a existir tanto
Com a vitória como com a dor.
Mas só quando estamos a perder
Nos descobrimos,
Se guerreiros se pusilânimes.
O palco
Faz o melhor que tens,
Não respires simplesmente
Neste desfile de dias
A que chamam vida
E antes do primeiro aniversário
Debaixo dos torrões,
Já ninguém te pensa.
Se fosses hoje amortalhado,
Quantos te procurariam?
Não respires no camarim
Com o pé acanhado que entreabre a porta
Do palco e aplauso alheio,
Que ninguém te chama.
O palco é pequeno e só um.
E tu fazes a tua memória,
Eternidade possível,
Será a tua obra e espírito.
No jardim
De que vale a azáfama e duelos
Se um dia,
Todos vamos sossegar num belo jardim de mármore?
Tónico
Amar e ser amado é tónico à nossa existência.
O corpo e a mente pulsam.
Alimentamos o ego com as paixões.
Mas se amamos constantemente, anulamo-nos.
O nosso EU, a nossa verdade adormece.
Não desviemos um pequeno passo, por amor.
O EU dormente, perde a memória
Com o tempo até entrar em estado mortal.
E depois, temos que encarar a sombra...Amemo-nos!
Nós temos o controlo da poderosa máquina que somos.
Mas não temos da máquina que os outros são.
Não lhe conhecemos a potência.
Treme-nos a máquina e o tempo e a velocidade
e o horizonte e mudam-se caminhos
Apenas pelo corpo mas um corpo são tripas e sangue...
Um esqueleto com um fato de pele que lhe segura o recheio.
É por isso que temos sentimentos!
Talvez o mais excitante seja o vermos esse corpo
Perder o controlo da própria máquina, por nós!
Connosco.
O ódio move-nos melhor!
A viagem
Aparentemente eterna,
Ilusão do agora,
A vida é apenas e sempre
Uma viagem num oceano.
Crê-se na chegada,
Um dia.
Há sol e luz e ondas cansadas e fracas
Que nos fazem sentir capazes de ir
Contra a maré,
Menos que tempestades e bravos metros
De turvação e força
Que nos ameaçam.
Uns caiem, outros deixam-se cair.
E quem segue,
Acredita que os voltará a ver,
À chegada.
Para que haja um rumo.
Porque não há meias viagens.
Há as que se desejam longas
E há tormentos e a vontade de chegar.
Manual de saber viver no planeta Tempo
Tu és um ser superior,
Imprescindível.
O teu presente é já o teu passado
E se não houver um futuro
Para ti,
O teu passado que ainda é o teu presente,
É o teu momento,
De te perpetuares.
Não exijas certidões de verdade
Por tudo o que te dizem,
Mas antes, pensa no que perderias
Com tal mentira.
Salta no trampolim da inveja
Para chegares ao que desejas,
Acredita apenas no que as tuas mãos não deixam fugir
Para que os teus olhos vejam,
Se com isso mantiveres a tua vida,
Mata.
A rima
Escrever em rima é castrador.
Nunca se diz realmente o que é a vontade.
Peça solta
Eu sou uma peça solta mas atribuída de um puzzle qualquer.
Nenhuma encaixa mas sem ela não se completa.
Pecador
És o pecador,
Que contrariou os caprichos
Do bom ditador.
Ajoelhas-te
E fazes cruzes na cara
E junto ao peito.
Arrependes-te feliz,
Obrigas-te a isso e juntas
Os teus dedos
Ao dos que te apontam.
Não fosses tu
Mais um dia
Outro dia qualquer
Que até seria, não fosses tu
Um dia em que eu morreria
P´ra poder viver.
Amor, vai-te embora
Seu amor maldito!
Parte também agora, não fosses tu
E esta que chora,
Ai esta que chora
Sofreria, mas de rosto enchuto.
Choro, cantando
Sou feliz por sofrer!
E se me perguntas como ando
Eu respondo, mais vale morrer amando
Mais vale morrer amando
Que viver sem saber!
Não fosses tu
Ai não fosses tu
E eu morria sem saber.
O brinde
Mais uma tacinha!
Comemoremos a menina que chegou
Em memória da senhora que abalou!
É para quem resistiu
À menina que trouxe o sol
E à senhora que levou o frio.
No choro
E no choro
De minha mãe
Vi minhas lágrimas
Escorrer.
Perdoa-me!
Eu fiz o que pude fazer.
E nos olhos
De minha mãe
Vi uma esperança
Morta.
Perdoa-me!
Pena o tempo que não volta,
E eu seria
Tudo tudo o que queria
Mais perto do que pensou.
Seria sim, tudo aquilo
Que não sou.
Perdoa-me!
Castrem o mundo
Castrem o mundo
E a nós,
Castrem o amor
E a voz!
Roubem o brilho
E o belo,
Destruam a barraca
E o castelo!
Sequestrem a paixão
E a vontade,
Detenham o impulso
E a bondade.
Suguem tudo!
Mas guardem-nos a memória
Para que nos mate
Com a saudade.
Poeta
Poeta
É o demente
Mudo, por vontade
Inquietamente triste,
Seu sangue, sua seiva!
A ele, nada atormenta,
Sempre.
Porque passa e não fica,
Não cabe.
Só o corpo encaixa
Neste despejo de gente.
O poeta nasce duas vezes,
Quando a mãe o dá
E quando se cala,
E vem o sentido
E o mito
Da palavra.
Estratega,
Das palavras
Silenciosas
Que consegue imortalizar
Como seu,
O património
Que era de todos.
Pavor
Apenas me apavoro
Com as rugas de minha mãe.
A todo o resto
Dou o peito.
Quando lhes levanto os olhos,
Mingo.
Queria o canto, que me recebia
Quando ralhava, intencionada.
Já não caibo,
Nem quase lembro o lugar...
Império
Tenho um império
Riqueza absoluta,
Enterrado num buraco
Que anseio conhecer.
Alguns lhe puseram
O pé em cima, sem supor
Que passo certeiro haviam dado.
E eu vi, sorrindo
Com acanho.
Não importa moral nem princípios
Para a partilha.
A quem tropeçou e parou
Eu mostrei
E chamou-lhe seu,
Com soberbo apreço.
E depois,
Enterrou-o
Mais fundo
Quando outro lhe encadeou,
Talvez oco.
Agora, espero
Alguém com força
Capaz de o encontrar
Sem saber,
O império grande
Que tenho,
Para dar.
Cidade
Cidade,
Cantos mijados
Do penico dos quatro cantos.
O dia nasce antes de morrer
E a noite morre antes de ser.
Calçada porca, escorregadia
Espelho de ontem
Memória apedrejada.
Cheira a peixe e a vinho
A fruta e a mijo,
Nos cantos mijados
Do penico dos quatro cantos.
Tem barulho de fumo.
Tem fumo de barulho.
Pregões e mãos esticadas
Das montras mórbidas
Do circo dos imperfeitos
E de quem quer ser.
Gente a falar sem nada para contar,
Que queira.
Gente calada
A desfolhar tudo,
Sozinho
Nos cotovelos que se tocam.
É o deserto
De cimento e pedra
Que o céu abraça
Recortado
Onde os grãos de sangue e alma
Alvoraçam, sem vento.
É o tempo.
Amanhã não há tempo??
Miseráveis prostitutos.
Hoje vou deixar de te amar
Hoje vou deixar de te amar.
Decidi agora.
Vou expulsar-te do meu corpo
E da minha existência
Em teu redor.
Vou rebentar este nó
Que a minha alma deu em ti.
Vou conhecer o mundo
Que rodou sem eu ver.
Vou-me apresentar
E dizer que estive fora,
No planeta do insano.
Hoje é o último dia
Que estarei contigo.
Não nos merecemos.
Pergunta-me amanhã,
Que hoje vou deixar de te amar.
Já não cabemos dentro de nós.
Não vamos mirrar nem deformar.
Então adeus, que vou.
Mas amanhã, só amanhã!
É que hoje e ontem e desde que me lembro
De mim, és o alimento
E mais completa obra.
Memória negra
Dobram-se os sinos
Por tudo o que me morreu.
Hoje, celebro
O que me desperta.
Vou reflectir e reinventar.
Conceder-me a redenção.
Vou nascer,
Sem penas nem coisas mortas
Que me sepultam.
A mão aperta a terra
Que vou lançar
Na memória negra
Que me embebia
Em lágrimas,
Força como peso.
Hora última
Por cada lágrima,
Renascemos
Mais fortes.
Mas só na tua hora última,
Estarás pronto...
Poesia
Não há maior nem menor poesia.
Apenas maneiras diferentes de entender as coisas.
Nem supremacias capazes que a sentenceiem.
Cavalgar
Viver é como cavalgar
Um boi selvagem.
Seguramos as rédeas
Que não existem
E condensamos a força
Nas mãos.
Anestesiamos pelo hábito e resistência.
Para no fim acabarmos enterrados no chão,
Tamanha a queda.
Caixa de céu
Abre esta caixa
Em que pus tudo o que é meu,
Quando sentires falta de mim
E isso te deixar triste.
Não te espantes nem te rias,
Não é partida.
O nada que vês é do meu tamanho
Sem espaço.
Tem portanto, uma lasca de céu
No lugar das minhas e nossas coisas.
Só nele caberá toda a nossa história,
Todo o bom e comprido amor.
Assim, nessa lasca estará o primeiro riso
Que me roubaste, que me veio do peito.
O mais verídico e iluminado dos risos
Que me amputou.
Supõe-te em mim
Supõe-te em mim,
Aconchegado.
Fecha os olhos
Que eu guio-te
E desvio-te
Das pedras do teu caminho
E das que te põem.
Tapo-te comigo
Das que te atiram.
Será meu
O teu peso
E os espinhos perfurantes
Que pisarei,
No teu lugar.
Se não te importas
Se não te importas,
Hoje vou ser sozinha.
Hoje acordei e
Libertei o meu instinto,
Sem princípios nem tabus,
Coisas inventadas
Por alguém como eu.
Hoje não tenho história
Nem bandeira,
Nem linguagem local
Que o homem inventou,
Código limítrofe.
Hoje nada me impõe
Nem obriga.
Vou vestir-me se tiver frio.
Vou deixar os documentos em casa,
Que eu não me esqueço.
Não há lei que me pare,
Que eu sou igual a todos
E não aprovei nada.
Sugar a tua dor
Vou sugar a tua dor,
Ser vampiro
E chupar-te o veneno,
Mastigar os teus medos
E engolir as tuas lágrimas,
Para as chorar
Do meu peito
E pingarem
Na ponta de uma caneta.
Assim, será belo.
O golpe
Mais um golpe
Que vou sarar.
Mil cicatrizes
No meu mapa, minha pele,
Invisíveis.
Latem como cães.
Ardeu na fogueira
A cinco centímetros de mim,
O último resto
Do que podia fazer.
Vou rebuscar no lixo
Do que abdiquei
No trilho das maravilhas
E reciclar restos.
Para não deitar o corpo
Ao lado da mente
E desligar-me
Da vontade.
O lado escuro
Hoje senti
O lado escuro
Das janelas fechadas.
E portas e portões.
Nem uma linha de raio
Trespassou a fortaleza fria,
Sem brechas.
Isolamento num espaço
À medida do que via,
A seguir ás pálpebras.
Corri no espaço
Que imaginava
Mas tropecei em pregos
Que espetei mal
Quando havia luz
E quis sair.
Homem grande
Era grande e morreu
Grande,
O homem que mais amou.
Amou-a
Todos os dias,
Mais nos que passou
Quando lhe desatou a mão.
Desinteressado,
Na inquietação
Aceitou o amor como ele era,
Sem tamanho,
Arrumado.
Teve amores,
Mas nenhum
Lhe soprou a memória,
Com força,
Como tempo.
Sorria a quem ela passeava
No absoluto amor
Dentro de si.
E ela esqueceu-se
Por quem um dia jurou morrer
E que a amou por nada.
Despejado do universo dela
Desesperou com a incomparável dor
Do amor
E desejou vê-la na sepultura
A ser nada.
Arrependeu-se em choro
Por cruel traição a si e ao melhor de si,
Tomara viver sempre
Para sorrir
Cada dia
E por cada dia
Apenas por ter
Em tanto mundo,
Conhecido o amor
E o seu amor.
O destemido
Quem te fez chorar,
Destemido?
Desalento ou o tempo?
O fervor do desamor?
Ninguém te vê,
Podes esconder-te
e soluçar.
Carta de amor
Escreve-me uma carta
De amor,
Inventa palavras
Em que não pensas
Inventa gritos
Que não te sufocam.
Não quero mais ouvir-te
A disparar de cor o que é bonito
Dizer,
O que já todos disseram
Nem que uma vez.
Pensa, escreve
E ficará para sempre,
Dir-me-ás as vezes que eu quiser,
Sem que me deixes interromper.
Haja quem
Haja quem se cala
Quando estou calada
Quem não fale
Quando falo comigo.
Beleza
A beleza
Está no nosso movimento
E vontade de ver.
Caminha na ponte
Que corta o rio
E na rua iluminada.
Longe da tua casa
Que conheces de cor
E já não vês.
Acende a tua vida
Com a música dos cenários
Com que a podes compor.
Dá-lhe leveza.
Hoje
Vou gastar mais um dia,
O último do baralho
Que nunca sei,
A fazer tudo
O que tenho feito.
Amanhã terei outro.
E coisas para fazer.
O equilíbrio
De que vale
Sabedoria e o dom
Frente à beleza
Do vago, vazio
Que se mostra,
Se se equilibram
Em peso e valor?
Que é dos vis desabonados?
Pesam-se pelo macabro?
Ou caiem da balança?
Pesam-se pelos quilos.
Olha o velho
Olha o velho que cambaleia
Lágrimas,
Que não vê onde está,
Nem sente.
Vê o que viu e sente o que sentiu.
Deste tempo nada tem.
Tem as rugas que são saudade
Cravadas, na carne velha.
Mocidade louvada
Que celebra sozinho
Sempre mais.
Se é exacto ou concepção,
Nem sempre sabe,
De tão doce, perfeito o engano.
Foi rijo o tempo em que podia
Com o mundo,
Mas é nele que se recolheu
Na vez deste tempo manso.
O aplauso
Não guardes emoções
Dos aplausos que te dão.
São raiva pontapeada mão na mão
Que com os pés é fraqueza.
Os sorrisos são pensados,
Afixados. Impostores.
Os relevantes
Os realmente relevantes, nunca o chegam a saber.
Porque não é transitório.
Morre e saberão.
O casamento
O rico homem que era pobre
Casou
Com a pobre mulher que era rica
A pobre mulher ficou pobre
E o que era pobre ficou rico.
Vergonha
Enleio-me na vergonha
De quem me repara,
De me divulgar.
Vou calada. E chego.
Encubro-me e
Ausento-me.
Omito-me,
Sempre que posso, consigo
E me largam.
A mim, ninguém conhece,
Senão eu,
Na intimidade das entranhas
Da solidão ferrugenta
De não ceder.
E é lá que morrerei.
Trancada.
E ninguém se vai lembrar.
Porque ninguém me conhece.
Adeus
Que as minhas lágrimas
Te conservem
Em lugar bom
E assim,
Na perfeição tranquila.
Que os meus olhos secam
Como peixe a quem as moscas
Já não incomodam
Nem a água traz vida.
Bochecho
Ando a experimentar a vida
Num lento e prazeiroso
Bochechar.
Tragos na minha era
E volto
Quando a lembrança
Me arroja.
Começo a perceber que é
Vinho.
Mas treme-me a mão e o cálice.
O pastor
Sem letra nem horizonte
Sem apego a quase nada
Que não visse todos os dias.
Os velhos, a terra e os bichos
Que o envelheciam
E inocentavam como criança
Foram o que soube
Do mundo.
A um quarto da vida
Perdeu os velhos, duas vezes
A um quarto da vida ficou
Com o resto da vida.
E então, o pastor
Desaprendeu a fala
Que aplicava apenas à noite,
Quando chegava a casa.
Apenas uma palavra não esqueceu
Talvez por a usar muitas
Nas suas poucas vezes,
Adeus.
Paixão
Paixão
É desejar acordar amanhã,
Rapidamente.
Cão vadio
Não sou mais
Nem tenho mais
Que um cão vadio.
Apenas a fala,
Que mais deveriam entender
Mas que não gasto em vão
Que ninguém quer!
Antes ladrar,
Que assusta!
Farejo um rasto,
Nem que esperança,
De quem me deixou,
De quem sonho,
Do que acredito.
Não me alimento como devo, a mim,
Os restos dos outros,
Têm que me contentar,
Quando os há.
Aparentemente
Sou a mínima
Das probabilidades.
Perturbação apontada
Das cópias, marionetas.
Posso passear-me,
Se não falar
Nem escolher
E seremos gémeos,
Aparentemente,
Que é o que importa.
Em silêncio
Em silêncio
Te escuto
E aos gritos mudos.
Descansa na minha pacificação
E acorda na exuberância
Do amor, restaurado
Noutro sitio.
Sabes o trilho
Vem quando precisares.
Comigo
Gostava de me
Conhecer
Sem me apresentar.
Sentar-me comigo
À mesa
Sem saber o que se serve.
Como falo, o que digo,
Ouvir-me e ver os lábios
E o corpo e o gesto.
Extrair-me deste buracos
Que se unem no horizonte
E que mostram o universo
Quando nem a mim me deixam ver.
Paralelos
Hoje somos estranhos
Em caminhos paralelos.
Um dia, seremos
Paralelos
Em estranhos caminhos.
A viagem
Viajo
A favor do tempo e
Ele acontece na janela, acelerado.
Não sei se o ganho.
Não sei se o perco.
E se chego cedo demais?
E se não vi tudo?
É que viver é tempo
Que passa, vivido
E tudo
O que embebemos dele.
Intemporal
É intemporal, amor. O amor.
Sem idade
Nem indicação
Nem causa.
Desde sempre
Até sempre.
Penso que morrerei
Pensando nele.
Que haja tempo.
Acho até que enganarei
Os anjos
Para te ver.
Se assim não for,
Pede-lhes que me levem
Também.
As voltas
A vida dá tantas voltas
Quantas a terra dá.
Ignoramos a deslocação
E apenas nos apercebemos
Quando já estamos noutro ponto.
Gravidade
Se por algum meio de propulsão
Que não mecânico
Conseguisse projectar-me
Pela janela de vidro
Que cobre o tecto,
Seria um humano dotado.
Mas se a passar
Pelo sentido da gravidade
Serei um coitado que caiu.
Não sei
Não sei se enterro
Os vivos
Se desenterro os mortos.
Uns serão e outros já foram
Iguais.
Metade
Eu sou o benefício do vício.
Um tumor no amor.
Sou a prosa de uma rosa.
Sou o pulmão de um balão.
Sou o que quis em pó de giz.
Sou sádico de tão apático.
Sou a foz da água atroz.
Sou assim,
Metade de mundo
Metade de mim.
Esvaí-me
Esvaí-me.
Agora, nunca vi nada.
E o que oiço não conheço.
É belo
Só eu e tudo o que vejo.
Todo o meu entendimento
Posso estender
Devagar
E recolher
Sem mais que me chame.
Sexo
A forma mais fácil
De fazer amor,
É o sexo.
É como beber um copo
De água a meio de uma discussão,
Entretem, tapa a boca
E sabe bem.
Improviso
Sou o improviso
Até à morte.
Balanço na corda
Da fralda à muleta.
E quando não há mais
Erros nem experiência
Onde agarrar,
Há fé e os filhos
Da fé que são sonhos.
E vou balançando
De cabeça erguida
Que a corda lá atrás
Ensinou-me
Mas já não me leva
A lado nenhum.
Solfejo
Solfejo é a vida
E eu
Não vejo o professor.
Não é preciso sabê-lo
Para ouvir música.
Equação
Mais tu menos eu
Dá mais
Que dividido por dois
Dá positivo.
Entre nós
Entre eu e tu
Entre todos nós
Há um cru
Há uma voz.
Tem máscara posta
E postura vestida
Sorri se não gosta
Sorri se não é querida.
É comportamento
É maneiras
Não é sentimento
Não é verdadeira.
Mundos
O peixe e o homem
Deslizam no mar.
O homem mergulha
E volta para viver.
O peixe salta
E volta para viver.
Quando se encontram
Seja no mundo do peixe
Seja no mundo do homem,
Um deles não pode permanecer.
É como a bela espuma
Que quer subir os pés
E que mirra na nossa mão.
Mundos que se tocam,
Incompatíveis e sentenciados.
Bonita a mentira
Das sereias.
Romeus e Julietas afogados
E asfixiados pelo ar
Boiariam nas águas
E secariam na areia.
Canto choro
Há quem canta
E só tem
A música que lhe sai,
De alegria.
E há quem chora
Lágrimas de açúcar.
Memorando
A importância
Será absoluta,
Se em guardanapo
Na quina da mesa
Se em pó de tempo velho,
Intocável.
És o amor que amo
E não te deixo
Esquecer.
És o meu expiro
E minha inspiração.
Tensão e contracção
Em mera nuvem de algodão
Quando troveja no meu bairro.
Luz, da minha cruz
Que me seduz.
És trauma e mancha
Doce
Na minha biografia.
És pauta e amplificador.
Droga e despertador.
O vértice terceiro
Do triângulo do bem e mal.
Caixilho dourado
Da foto a preto e branco
És refresco
Em tarde abafada,
Revolução na almofada.
Trampolim e tecto,
Calma na pressa,
Sonho concreto.
Não sei o tempo
Do tempo
Mas é meu alento
Saber que és
A minha última página
Num livro a branco.
A mãe e o inimigo
O gozão
Indicou-lhe três telas
Que cobriam dois seres.
A mãe e o inimigo.
Na câmara uma bala.
Por um dedo
Uma excepção.
E o coitado cedeu-lhe.
Que por um dedo decapitado
Não fosse morrer
A sua mãe!
E o dedo russo
Salvou o inimigo.
Pela cabeça
A salvação.
E o coitado
Deu-se a decapitar.
Podem jurar
Que os olhos sem vinculo
Choraram.
Não sabem se de amor
Se pelo vazio das telas.
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