Alfred BINET e o Teste de QI - Psicologia, a ciência da alma
1857 – 1911
O “Teste de QI”
“Eu não queria criar um método de medição... mas apenas um método de classificação dos indivíduos...”.
“A inteligência é uma mescla de faculdades mentais multifacetadas e controladas pelo juízo prático que atua num mundo real (concreto, físico) e em eterna transformação”.
Antecedentes
Quando Charles Darwin publicou a sua teoria da Evolução em 1859 deu ao mundo as bases para o debate acerca da inteligência: seria ela fixada por herança genética ou poderia ser modificada por circunstâncias?
No principio da década de 1880, Francis Galton* testou a capacidade de aprendizado de cerca de nove mil londrinos e afirmou que a inteligência era, de fato, herdada geneticamente.
Nessa mesma época, Wilhelm Wundt expôs a ideia de que haveria um “Quociente de Inteligência” e tentou descobri um meio para medi-lo. Seus estudos foram em vão, mas embasaram as pesquisas de outros estudiosos, das quais as mais bem sucedidas foram as do Psicólogo estadunidense James Castell e as de Alfred Binet, sobre quem falaremos na sequência.
Nota do Autor – para alguns, o parentesco entre Galton e Darwin e de ambos com vários outros intelectuais brilhantes talvez já fosse um indicativo da veracidade dessa tese.
Nascido em Nice, França, Alfred Binet mudou-se pouco depois para Paris em virtude da separação de seus pais.
Após desfrutar de uma infância confortável, formou-se em Direito no ano de 1878 e depois cursou Ciências Naturais na Sorbonne, preparando-se para estudar Medicina. Contudo, não resistiu à sua verdadeira inclinação e se dedicou ao estudo de Psicologia, em grande parte de maneira autodidata.
E a sua dedicação foi recompensada quando em 1883 o célebre médico francês Jean-Marie Charcot (que já inspirara outros cientistas, como Sigmund Freud) ofereceu-lhe um cargo no Hospital Salpêtriére, em Paris.
Ali, o seu interesse sobre os processos de aprendizagem e sobre a própria inteligência encontrou-se com o que havia de melhor em termos de técnica e ele pôde, então, desenvolver seus conhecimentos de forma madura e sustentada.
Guarnecido com esses sólidos saberes, ele os ampliou através das minuciosas observações que passou a fazer das próprias filhas, Madeleine e Alice, nascidas em 1885 e 1887.
Resultou desse comprometimento uma carreira profissional exitosa, sendo que em 1891 ele acedeu ao posto de diretor adjunto do Laboratório de Psicologia Experimental da Sorbonne e em 1894 à direção geral do mesmo.
Ali, em órgãos governamentais e em outros campos ele desenvolveu seu trabalho de maneira ética e talentosa, tendo por isso recebido várias homenagens após ter falecido precocemente, vitima de um colapso. Dentre as citadas reverências citamos pela sua importância a mudança do nome de “La société libre pour l’etude psychologique de l’enfant” para “la société Alfred Binet”.
1. Experimental Study of intelligence, de 1903.
2. The mind and brain, de 1905.
3. A methol of measuring the development of intelligence.
Como se disse, Binet já havia estudo Advocacia e Ciências Naturais antes de enveredar pelos caminhos da Psicologia. Também como já se viu em grande parte ele era autodidata, mas o trabalho com o Dr. Charcot capacitou-o completamente para executar os experimentos e os outros procedimentos, aos quais ele sempre dedicou rigoroso zelo em relação à precisão e ao planejamento.
Após o nascimento de suas filhas, o seu desejo de compreender a inteligência humana elevou-se a novo patamar. Fascinava-lhe observar o desenvolvimento de suas crianças e logo a sua atenção reparou na rapidez e na facilidade com elas absorviam as novas informações que lhes interessavam. Notou, também, o oposto; ou seja, o quanto diminuíam essa rapidez e facilidade quando o assunto não lhes atraia.
Com isso não teve dificuldade para concluir que era a atenção dispensada ao assunto o fator que favorecia ou que dificultava o aprendizado. As circunstâncias, a disposição e a boa vontade eram importantes para o processo, mas era a atenção a chave fundamental da questão.
Com essas observações e conclusões e já conhecendo os testes desenvolvidos por outro erudito, Francis Galton, Binet decidiu executar uma pesquisa em larga escala com o objetivo de estudar as habilidades mentais individuais dos membros de várias classes, associações e profissões, tais como, enxadristas, escritores, matemáticos, artistas etc.
Simultaneamente continuou seus estudos sobre a inteligência funcional das crianças, notando que certas habilidades só eram conquistadas em idades especificas (crianças muito novas, por exemplo, eram incapazes de raciocínios abstratos, conseguindo pensar apenas em coisas concretas, físicas).
Em 1899 foi convidado a ingressar em uma nova organização voltada para a pesquisa educacional, a já citada “La société libre pour l’etude psychologique de l’enfant”, e após breve tempo passou a liderar o grupo e começou a publicar artigos com úteis informações a professores e outros profissionais da Educação.
Nessa ocasião o ensino formal tornou-se obrigatório na França para todas as crianças dos seis aos doze anos e ele foi convidado para desenvolver testes capazes de detectar crianças com distúrbios intelectuais que causassem dificuldades no aprendizado para que lhes fosse oferecido um ensino adequado às suas necessidades.
E a resposta ao excelente trabalho que ele executou foi um novo convite, feito em 1904, para que ele integrasse uma Comissão Governamental encarregada de desenvolver um novo método para avaliar o potencial de aprendizado de cada criança.
A ele coube como tarefa principal estabelecer a diferença que existiria entre as crianças chamadas de “normais” e aquelas chamadas de “deficientes*” e encontrar uma maneira de medir essa diferença.
Nota do Autor* – alguns termos e algumas ideias contidas no presente Ensaio são polêmicas nos dias atuais, mas de pleno uso na época a que se refere o texto. O autor conta com a compreensão do leitor (a).
Para cumprir a sua tarefa, Binet recebeu o valioso auxilio do pesquisador Théodore Simon, membro do Laboratório de Psicologia Experimental da Sorbonne.
Iniciou-se, então, uma grande e fraterna parceira entre os dois eruditos, a qual, em 1905 rendeu o primeiro teste, chamado de “Novos métodos para diagnosticar níveis de idiotice, imbecialidade e retardo mental”. Pouco depois a dupla apresentou uma nova versão do mesmo, destinada ao estudo de crianças dos três aos treze anos de idade. A esta versão, revisada em 1908 e 1911, foi dado um nome mais simples, “Escala Binet-Simon”.
Embasados nas observações de diversas crianças, inclusive as próprias, os estudiosos elaboraram trinta testes, de crescente dificuldade, que tinham como objetivo medir as habilidades de crianças em diferentes faixas etárias.
Os testes mais fáceis compunham-se de observações sobre a capacidade do entrevistado acompanhar a direção de um raio de luz ou de simplesmente observar o seu desempenho durante uma conversa com o entrevistador. Testes médios envolviam apontar as partes do corpo citadas pelo entrevistador, repetir uma série de dois números, repetir frases simples ou definir termos comuns, como, por exemplo, garfo, cama etc. Nos testes mais difíceis, pedia-se para a criança descrever as diferenças entre objetos similares, reproduzir de memória as figuras apresentadas, formar frases usando determinadas palavras etc. No nível máximo de dificuldade, pedia-se a repetição de números aleatórios com sete dígitos, rimas para determinadas palavras, respostas a perguntas que envolviam de três a quatro personagens e outras questões complexas.
Binet e Simon testaram em condições rigorosamente controladas*, cerca de cinquenta crianças, divididas por faixas etárias e selecionadas por seus educadores por representarem a média de desempenho intelectual em suas idades.
Graças aos cuidados na aplicação e à profundidade e correção dos questionários, os testes foram aceitos universalmente como um parâmetro cientifico confiável e o resultado dos mesmos passou a servir como referência de “normalidade” intelectual e para balizar o desempenho das outras crianças.
Nota do Autor* – inclusive para evitar que a criança tivesse sua atenção desviada, pois a sua experiência como pai já o prevenira de que as crianças se distraem com enorme facilidade e que o nível de atenção é um ponto critico para seu desempenho.
Apesar da excelente receptividade que o seu trabalho encontrou no meio acadêmico, Binet sempre foi sincero ao reconhecer as limitações da “Escala Binet – Simon”.
Não hesitava em dizer que ela apenas classificava as crianças conforme o seu desempenho intelectual, comparado ao de outras crianças da mesma faixa etária. Tampouco hesitava em dizer que ela não poderia ser usada como uma medida do valor da pessoa.
Outro alerta que ele insistia em dar ressaltava que o desenvolvimento caminha em ritmos diferentes e pode ser influenciado pelo meio-ambiente. Por isso, o seu teste deveria ser visto com um instrumento capaz de avaliar o nível mental de um indivíduo em apenas um momento especifico, não podendo em nenhuma hipótese ser olhado de modo definitivo, pois nada impede que o resultado se altere na medida em que mudem as condições em que o entrevistado se encontre.
Essa sua posição, porém, colidia com o pensamento de outros eruditos e especialmente contra o de Charles Spearman, um psicólogo inglês que afirmava peremptoriamente que a inteligência tinha por base apenas os fatores biológicos.
Mas, ainda que sem apetite para polêmicas, ele insistia na tese de que a criança não tem uma quantidade fixa de inteligência já que a mesma se desenvolve na medida em que ela cresce. Ademais, e apesar de ele mesmo ter proposto um método para quantificá-la, ele também insistia que nenhum meio é capaz de informar com precisão o tamanho da capacidade intelectual de uma pessoa, pois não é possível medi-la como se fosse um comprimento ou um volume.
Para ele, em relação à inteligência só é possível classificá-la através de testes como o seu que geram um número de “Quociente de Inteligência – QI” que representa o nível médio de desempenho de um grupo semelhante ao do entrevistado. Assim sendo, o número de QI alcançado por um indivíduo é comparado com o número da média de seus pares, indicando se ele está acima, abaixo ou na nessa mesma média.
Nota do Autor - esse cuidado foi o que o levou a revisar o estudo em 1908 e em 1911, enfatizando os testes transpostos para diferentes idades, o que, aliás, acabou resultando na criação do conceito de “idade mental”.
O psicólogo estadunidense Henry H. Goddard viajou para a Europa em 1908 e descobriu por acaso os testes de Binet – Simon. Sem qualquer pudor traduziu-os e distribuiu mais de vinte mil cópias para serem usados em escolas de todo o EUA.
Embora Binet não tivesse atribuído a inteligência a fatores genéticos, Goddard, simpatizante da tese geneticista, vislumbrou na Escala do francês um valioso instrumento para “legitimar” a ideia de se esterilizar compulsoriamente pessoas com “mentes debilitadas”.
Outro psicólogo estadunidense, Lewis Terman, em 1916, corrompeu a Escala e com base em uma grande amostragem de crianças de seu país, renomeou o estudo para “Escala Stanford – Binet” e passou a utilizá-la para identificar as crianças que “mereceriam” apenas uma educação de menor qualidade, já que elas, em sua opinião, estariam aptas apenas aos trabalhos mais pesados, perigosos e mal remunerados, condenando-as, assim, a uma vida limitada e sem qualquer oportunidade de demonstrar os seus talentos nas áreas consideradas mais nobres.
É claro que essa deturpação chocava-se completamente com a proposta original de Alfred Binet que idealizara a Escala para identificar as crianças com alguma carência e a partir daí oferecer-lhes novas formas de ensino que lhes igualasse as chances com as demais.
Porém essa meritória intenção não foi sequer considerada por Terman que, assim como Goddard, acreditava piamente que a inteligência era herdada geneticamente e era imutável, sem que nenhum esforço educacional pudesse modificá-la.
Atualmente se sabe que Binet ignorou por largo tempo esses e outros tantos maus usos que se faziam de seu trabalho. Seu temperamento introspectivo o levava a isolar-se do mundo e a se concentrar unicamente em seu universo; porém, tão logo tomou conhecimento do fato, manifestou a sua revolta e a sua repulsa “às ideias estrangeiras enxertadas ao seu instrumento”, enquanto bradava com virulência contra aqueles que com seu “pessimismo brutal” e “vereditos deploráveis” propagavam o conceito de inteligência única e constante.
Infelizmente a sua justa ira não teve o dom de terminar com a utilização nefasta dos testes de QI e ainda hoje não é raro que sejam utilizados como embasamento para hediondas segregações.
O célebre “Teste de QI” desenvolvido por Binet é considerado até hoje como a base do conceito de inteligência e apesar de suas limitações e até defeitos gerou um grande número de estudos e pesquisas que permitiram alargar o debate sobre a questão e o nosso entendimento sobre o tema.
Apenas isso já lhe garantiria um lugar de destaque no cenário cientifico mundial, mas é preciso ressaltar que além de suas contribuições intelectuais ele legou ao mundo a ideia de se promover a igualdade de oportunidades, permitindo a todos, a despeito de seu ritmo de aprendizado, a chance de se realizar e de ser feliz. E é esse compromisso ético e humanitário, em complemento aos dotes científicos que o torna um dos luminares da Ciência da Alma.
São Paulo, 21 de Abril de 2014.
Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessoria de Imprensa e de Relações Públicas. Desde Mariana, MG, no Outono de 2014.
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