Voltaire e o Iluminismo francês - Parte I - Preâmbulo e notas biográficas

Preâmbulo

Já se disse que muito mais se leu sobre Machado de Assis, do que as obras do mesmo.
Talvez não seja despropositado dizer que algo semelhante ocorre com o “Iluminismo”. Muito frequentemente esse Movimento Filosófico, com ramificações nas Artes e na Política, é citado, mas raramente as suas nuances são devidamente estudadas.
Sendo assim, a proposta do presente Ensaio é aclarar as suas diversas facetas através das obras de seu maior protagonista, o filósofo Voltaire, para que a importância desse momento, especial na história da humanidade, possa ser cada vez mais difundida e apreciada.
Após séculos e séculos de ignóbil obscurantismo religioso, político e artístico, deve-se a esse grupo de homens e de mulheres a ousadia de desafiarem as vetustas superstições e carcomidas instituições para restabelecer a “Verdade” e, através dela, libertar os homens do jugo que lhes foi imposto pelas sórdidas maquinações dos manipuladores da ignorância e do desespero humano.
A eles e a elas se deve o avanço das Ciências, da Ética e da Política, ainda que tal avanço continue a ser alvo dos lumpens sociais e religiosos que temeram e temem o risco de perderem os seus injustos privilégios por força das “Luzes” do esclarecimento.
E por conta desses parasitas é que o perigo de haver algum retrocesso está sempre à espreita e não pode ser subestimado, mesmo que exista certa consolidação de algumas daquelas conquistas, como é o caso, por exemplo, do fim quase geral dos regimes Absolutistas, que atualmente só sobrevivem em determinadas regiões da Terra sem a abrangência hegemônica de que desfrutava no Passado. Ou no caso de experimentações artísticas ou, ainda, em algumas práticas éticas que vedam crueldades como a escravidão, a servidão etc.
São conquistas difíceis de serem anuladas, é certo, mas que podem ser diminuídas ou abaladas por conta do avanço no fanatismo religioso que se observa em adeptos das maiores religiões; e, também, por conta da manipulação que as Elites fazem através dos meios de comunicação, pregando um hedonismo avassalador em detrimento de valores mais substanciais; enquanto promovem, em paralelo, a imbecialização contínua das camadas sociais mais humildes.
É preciso, pois, que todos aqueles que foram afortunados com um raciocínio mais claro e com um estoque razoável de cultura se unam em defesa daquela tábua de valores tão arduamente conquistada, haja vista, que foi no período do Iluminismo que a “Arte da Política” mais se aproximou de seu ideal, sem a mediocridade e a desonestidade que atualmente campeia por essa seara.

Voltaire – Notas Biográficas

François Marie Arouet nasceu em Paris, no ano de 1694, filho de um notário razoavelmente bem sucedido e de uma senhora ligeiramente aristocrática. Do pai, herdou o temperamento forte e da mãe certa frivolidade espirituosa.
François ficou órfão logo ao nascer, pois a mãe não resistiu ao parto e ele foi uma criança frágil e doentia. Fragilidades e enfermidades, aliás, que lhe atormentaram por toda a vida, embora tenha vivido por oitenta e oito anos.
Cresceu na cidade provinciana para onde a família se mudou logo após o seu nascimento. Na primeira infância tinha como ídolo o seu irmão mais velho, Armand, um ardoroso seguidor do “Jansenismo (1)”, pronto a se sacrificar por sua causa, para aborrecimento dos parentes.
Tão logo aprendeu as primeiras letras, compôs os seus primeiros versos, também a contragosto do pai, que dizia ter dois idiotas: um em prosa e o outro em verso (sic). Mas, apesar da discordância paterna, a sua produção poética encontrou admiradores, dentre os quais a famosa hetera (2) chamada Ninon de L’ENCLOS, que ao morrer deixou-lhe uma pequena soma para a compra de livros.
Com esses livros ele teve o primeiro contato com a literatura e com um abade dissoluto, a sua primeira educação formal. O mestre ensinava-lhe as orações e prédicas religiosas e, simultaneamente, as premissas do Ceticismo.
Depois, foi matriculado em um colégio jesuíta e nele lhe foi ensinada a Arte da Dialética. De posse, então, desse valioso instrumento intelectual e de retórica, ele pôde formatar os seus argumentos e as discussões sobre temas profundos que mantinha com os professores tornaram-se a sua marca registrada. Enquanto os outros garotos de sua idade, cerca de doze anos, brincavam ao ar livre, ele discutia Teologia com os “doutores”.
E os vários embates renderam-lhe admiradores, mas, também, adversários. Contudo, apesar dos últimos, formou-se no colégio e quando chegou o momento de prover o próprio sustento, não hesitou em optar pela Literatura, para novo desgosto do pai, que preferia uma profissão mais regular e lucrativa (como ainda hoje é tão comum).
Ele, porém, não desistiu de sua escolha e prosseguiu na Escrita, sem, contudo, encarnar o estereótipo associado ao intelectual: sombrio, introvertido, melancólico, distante do mundo prático. Ao contrário, boêmio por natureza, não perdia qualquer oportunidade de festejar com os amigos e com as amantes, entre mesas fartas e vinhos de primeira qualidade. Vivia intensamente uma juventude despreocupada e perdulária até que o pai, farto de sua inconsequência, enviou-o para um parente residente na localidade de Caen, esperando que ali ele fosse disciplinado. Mas o hospedeiro não resistiu aos encantos do jovem e ao invés de lhe cercear, passou a encobrir as suas aventuras e a estimular o seu espírito de independência e de rebeldia. Diante disso, o pai enviou-o para a cidade holandesa de Haia, rogando ao embaixador francês que o vigiasse com severidade; mas, logo, ele iniciou um romance com uma jovem “Pimpette(3)” e quando o caso veio à luz, o diplomata o devolveu à casa paterna.
Dessa sorte, entre os arroubos da idade, em 1715 ele completou vinte e um anos, atingindo a maioridade. Logo após o aniversario, mudou-se para Paris, onde presenciou a morte do rei Luis XIV e a instalação de uma Regência do trono, haja vista a pouca idade do herdeiro legal, Luis XV.
Na “Cidade das Luzes” ele repetiu seu comportamento desregrado da província e em pouco tempo tornou-se conhecido nos meios boêmios da cidade. Reconhecido por sua inteligência superior e pela imprudência assustadora, assumiu com brevidade o posto de “o critico mais mordaz” dos Costumes, da Política e da Sociedade.
Esse reconhecimento garantiu-lhe vários privilégios, mas, também, graves aborrecimentos, como o que sucedeu quando lhe foi imputada a autoria de dois poemas que sugeriam que o Regente do trono pretendia usurpá-lo em definitivo.
A resposta irada do mandatário tornou-se célebre e aconteceu quando ambos se encontraram casualmente em um dos parques da cidade. Disse-lhe o governante:

- Monsieur Arouet eu aposto que posso lhe mostrar algo que o senhor nunca viu.
- Sim, o que será?
- O interior da Bastilha (4).

Então, em 16 de abril de 1717, Arouet sofreu a sua primeira prisão. Nela, sem que se saiba com exatidão o motivo (5) ele assumiu o nome de Voltaire e se tornou um poeta convicto.
Cumpriu uma pena de onze meses e nesse tempo compôs um longo poema épico, “A Henriade”, que narrava a história de Henrique de Navarra. O poema teve boa aceitação no meio intelectual e o consolidou como escritor.
Ao deixar o calabouço, o mesmo Regente que o condenara decidiu pagar-lhe uma pensão, talvez impressionado por seu talento, ou por ter descoberto a sua inocência, já que os poemas causadores da prisão não eram de sua lavra.
Esses fatos marcaram a primeira fase de sua vida, pois tão logo deixou a prisão, e já como Voltaire, iniciou a vida adulta, a qual se liga intimamente com a sua obra, como veremos na sequência.

Nota do Autor (1) – Jansenismo – doutrina criada pelo bispo holandês Cornellius Jansenius, no século XVII, que, entre outros, combinava elementos do catolicismo com premissas Protestantes, negando a obediência ao Papa e afirmando que a “Graça Divina” era concedida aos predestinados e não aos que fizessem boas ações. Seita e doutrina combatidas pelo Vaticano com ardor.

Nota do Autor (2) – Hetera – denominação dada às prostitutas de luxo na Grécia antiga.

Nota do Autor (3) – Pimpette – termo inglês dado às moças liberais, tanto no agir, no vestir, quanto no pensar.

Nota do Autor (4) – Bastilha – a famosa prisão. Inaugurada em 1383, foi destruída em 1789 dando inicio à Revolução Francesa, da qual se tornou icônica.

Nota do Autor (5) – Voltaire – para o erudito Carlyle, Voltaire seria um anagrama. Para outros, seria um nome que existira na família da mãe do filósofo.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

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Lunes, Septiembre 1, 2014 - 20:09

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