Árvores de Sanguessugas - I
merda de cabeça doente eu tenho, aliada ao coração devastado pelo passado, pelo tempo e pelo tempo desconfiado. nem tu padeces da cura, nem a tua presença duvidosa me faz crer nos dias alegres, repletos de certezas. não consigo perder a memória. perder a memória seria, talvez, encontrar-me a mim. não consigo desprender a memória, perder o passado. a tua presença é duvidosa, todas as presenças são duvidosas, sanguessugas prontas a chupar até ao tutano o coração e abandonar o corpo. fica o corpo caído no chão frio. levam o coração e deixam o corpo ou pulverizam minuciosamente os infinitos sentimentos e não deixam só o corpo, têm a resplandecente ousadia de abandonar também o coração.
nunca mais fui quem era. não consigo perder a memória e fico a saber, sem esquecer, que nunca mais fui quem era. de meigo animal surgiu uma serpente que invadiu o prédio: subiu as paredes amareladas e com a janela entreaberta habitou a casa. nunca mais fui quem era. as sanguessugas existem mesmo e a serpente que agora sou tem coração novo. não me vou reduzir a pele. vou ser corpo, pele e coração. as sanguessugas existem mesmo. os mundos subterrâneos com paredes feitas de terra e raízes e mundos, os buracos cavados prontos a receber-me como uma semente de papoila. cobrirem-me de terra e deixar a pessoa. com a chuva, surgir no mundo e crescer no sentido oposto da gravidade. misturo-me tanto na multidão sendo pessoa como me misturaria sendo flôr. ia parar às mãos de algúem, arrancar-me-iam o coração e o corpo mergulhado em água turva com cheiro a podre do podre que me mantenho. nem virado do avesso denoto vida, só reparo que a cor esbranquiçada dá lugar a um vermelho meio cor de vinho. as veias desprendem-se, o figado abre-se no chão e o coração fica suspenso, agarrado ao ponteiro do relógio de pulso parado. o tempo parado é o tempo eterno sem um horizonte á vista.
Hugo Sousa
Submited by
Prosas :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 1071 reads
other contents of HugoSousa
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/General | Amor Amor | 1 | 599 | 03/18/2008 - 18:06 | Portuguese | |
Poesia/General | Suicídio | 1 | 506 | 03/17/2008 - 13:43 | Portuguese | |
Prosas/Otros | Imagino Estas Palavras Em Preto Numa Cadeira Preta Onde Te Sentaste: Vazio | 1 | 549 | 03/17/2008 - 13:40 | Portuguese | |
Poesia/Poetrix | Viagem Sem Fim | 2 | 845 | 03/14/2008 - 08:06 | Portuguese | |
Poesia/General | Incógnita Do Amor, Não Sei Do Quê | 1 | 623 | 03/13/2008 - 17:24 | Portuguese |
Add comment