Um amor.

Nunca amei outra senão tu. Todos diziam para te deixar, abandonar. O meu pai, o meu irmão, os meus amigos, até o meu cão que corria atrás de ti para te morder como se dissesse: “Deixa o meu dono senão vamos ter problemas!” Mas sabes que mais? Nunca os ouvi. Porque eras tu quem eu queria. A minha companheira de vida. E o meu cão e todos os outros acabaram por se calar...e a parar de te morder. Porque sabiam que não ia fazer diferença. Eras tão especial. A forma como beijavas era algo mesmo diferente. O meu primeiro e último amor.
Anos passaram. Contigo ficava e os olhares de desagrado aumentavam. Até médicos me começaram a chatear dizendo que tu “não eras saudável para a minha saúde”. Eles que espalhassem a sua ignorância para o mundo. A mim é que não me mudavam.
Mas como em todos os contos apareceu este “mas”. E ela. Ela começou a existir na minha vida. Apareceu quando estavas longe. Na praia, foi na praia que a vi pela primeira vez. O vento a ondular o cabelo dela como se fossem pequeninas ondas do mar. Num pequeno vestido branco que deixava a olho nu o ombro direito, ela era bela. Mesmo de costas. Ela enterrava os pés na areia e a areia esvoaçava à volta dela. Fui-me aproximando dela. Acho que ela se tinha apercebido da minha presença mas continuava a olhar para o mar infinito. Era belo aquele momento. Como nunca tinha sido na minha vida. Foi então que ela se virou. Dos seus olhos lágrimas escorriam-lhe da face. Abraçou-me.

Nunca tinha visto o tempo tão nublado.

Que é querias que eu fizesse? Ela apanhou-me desprevenido! E tu odiavas a praia! Como é possível alguém odiar a praia? Aliás, tu odiavas tudo quanto fosse sair de casa! E ela não. Ela adorava viajar. Ver o mundo. Apreciar sabores. Cheirar ventos. Ela era... real. Tu às vezes não parecias isso. E então troquei-te.
Casei-me com ela. Descobri o mundo com ela. Lembras-te daqueles beijos que me davas? Diferentes? Ela... ela beijava-me e o mundo esvaia-se pelo universo fora. Aquilo sim, era um beijo. Eras sempre... tão pastosa! Ela não...
Tinhamos ambos um bom emprego. Mas com o passar do tempo fomo-nos separando. Eu passava mais tempo fora de casa a trabalhar do que a descobrir quantas ondas teria o cabelo dela. E um dia, a nostalgia apanhou-me. Lembrei-me de ti e de tudo o que te rodeava. Fui à tua procura. Revolvi tudo. Queria-te a ti e à minha infância. Queria que o meu coração voltasse a bater. Procurei, procurei... E lá estavas tu. Não tinhas mudado nada. Aproximaste-te. As lágrimas escorriam-me da face.Abracei-te.

Nunca tinha visto o sol brilhar tanto.

Enquanto eu e tu nos íamos aproximando, ela e eu afastando nos íamos. Eu queria voltar a amar-te com toda aquela força. E ela queria amar-me, voltar aquela praia. Mas eu mostrava-me cada vez menos disponível para ela e mais disponível para ti e para as tuas memórias. Então quando um dia eu te abraçava ela descobriu-nos. Abriu a porta de casa, vinha toda molhada. Estava a chover lá fora. E trazia um pequeno revólver na mão. Começou a tagarelar que sabia de mim e da outra, que cada vez estavamos mais separados, que eu tinha estragado a vida dela ao ter aparecido naquela dia nublado. Mas eu sabia que era especialmente por tua causa. Tu nem disseste uma palavra. Beijaste-me. Ela olhou para ti com ar de desagrado e disparou. Ela matou-nos enquanto nos beijávamos. A humana matou-me a mim e à minha companheira de vida. A minha fiel escova de dentes.

H.P

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Domingo, Enero 10, 2010 - 00:05

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Re: Um amor.

belo texto, gostei imenso!
destaco: "Enquanto eu e tu nos íamos aproximando, ela e eu afastando nos íamos. Eu queria voltar a amar-te com toda aquela força. E ela queria amar-me, voltar aquela praia. Mas eu mostrava-me cada vez menos disponível para ela e mais disponível para ti e para as tuas memórias. Então quando um dia eu te abraçava ela descobriu-nos. Abriu a porta de casa, vinha toda molhada. Estava a chover lá fora."
Parabens!
beijinho*
lau_almeida

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