A Escrava Isaura – Capitulo IV

— Ah! estás ainda ai?... fizeste bem, — disse Leôncio mal avistou Isaura, que trêmula e confusa não ousara sair do cantinho, a que se abrigara, e onde fazia mil votos ao céu para que seu senhor não a visse, nem se lembrasse dela naquele momento. — Isaura, continuou ele, — pelo que vejo, andas bem adiantada em amores!... estavas a ouvir finezas daquele rapazola...

— Tanto como ouço as suas, meu senhor, por não ter outro remédio.

Uma escrava, que ousasse olhar com amor para seus senhores, merecia ser severamente castigada.

— Mas tu disseste alguma coisa àquele estouvado, Isaura?...

— Eu?! — respondeu a escrava perturbando-se; — eu, nada que possa ofender nem ao senhor nem a ele...

— Pesa bem as tuas palavras, Isaura; olha, não procures enganar-me. Nada lhe disseste a meu respeito?

— Nada.

— Juras?

— Juro, — balbuciou Isaura.

— Ah! Isaura, Isaura!... tem cuidado. Se até aqui tenho sofrido com paciência as tuas repulsas e desdéns, não estou disposto a suportar que em minha casa, e quase em minha presença, estejas a escutar galanteios de quem quer que seja, e muito menos revelar o que aqui se passa. Se não queres o meu amor, evita ao menos de incorrer no meu ódio.

— Perdão, senhor, que culpa tenho eu de andarem a perseguir-me?

— Tens alguma razão; estou vendo que me verei forçado a desterrar-te desta casa, e a esconder-te em algum canto, onde não sejas tão vista e cobiçada...

— Para quê, senhor...

— Basta; não te posso ouvir agora, Isaura. Não convém que nos encontrem aqui conversando a sós. Em outra ocasião te escutarei. — preciso estorvar que aquele estonteado vã intrigar-me com Malvina — murmurava Leôncio retirando-se. — Ah! cão! maldita a hora em que te trouxe à minha casa!

— Permita Deus que tal ocasião nunca chegue! — exclamou tristemente dentro da alma a rapariga, vendo seu senhor retirar-se.

Ela via com angústia e mortal desassossego as continuas e cada vez mais encarniçadas solicitações de Leôncio, e não atinava com um meio de opor-lhes um paradeiro. Resolvida a resistir até à morte, lembrava-se da sorte de sua infeliz mãe, cuja triste história bem conhecia, pois a tinha ouvido, segredada a medo e misteriosamente, da boca de alguns velhos escravos da casa, e o futuro se lhe antolhava carregado das mais negras e sinistras cores. Revelar tudo a Malvina era o único meio, que se lhe apresentava ao espírito, para pôr termo às ousadias do seu marido, e atalhar futuras desgraças. Mas Isaura amava muito sua jovem senhora para ousar dar semelhante passo, que iria derramar-lhe no seio um pego de desgostos e amarguras, quebrando-lhe para sempre a risonha e doce ilusão em que vivia.

Preferia antes morrer como sua mãe, vitima das mais cruéis sevícias, do que ir por suas mãos lançar uma nuvem sinistra no céu até ali tão sereno e bonançoso de sua querida senhora.

O pai de Isaura, o único ente no mundo, que à exceção de Malvina se interessava por ela, pobre e simples jornaleiro, não se achava em estado de poder protegê-la contra as perseguições e violências de que se achava ameaçada. Em tão cruel situação Isaura não sabia senão chorar em segredo a sua desventura, e implorar ao céu, do qual somente podia esperar remédio a seus males.

Bem se compreende pois agora aquele acento tão dorido, tão repassado de angústia, com que cantava a sua canção favorita. Malvina enganava-se atribuindo sua tristeza a alguma paixão amorosa. Isaura conservava ainda o coração no mais puro estado de isenção. Com quanto mais dó não a teria lastimado sua boa e sensível senhora, se pudesse adivinhar a verdadeira causa dos pesares que o ralavam.

Submited by

Lunes, Abril 27, 2009 - 03:02

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

BernardoGuimaraes

Imagen de BernardoGuimaraes
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 14 años 20 semanas
Integró: 04/27/2009
Posts:
Points: 288

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of BernardoGuimaraes

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Fotos/Perfil Bernardo Guimaraes 0 1.279 11/24/2010 - 00:37 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVIII 0 1.663 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIX 0 1.719 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XX 0 1.892 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XXI 0 1.779 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XXII 0 1.869 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo IX 0 1.177 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo X 0 1.162 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XI 0 1.156 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XII 0 1.068 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIII 0 2.214 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIV 0 1.767 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XV 0 1.732 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVI 0 1.594 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVII 0 1.617 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela O Seminarista – Capitulo XIV 0 1.155 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo I 0 1.535 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo II 0 1.444 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo III 0 1.537 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo IV 0 1.323 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo V 0 2.112 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VI 0 1.224 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VII 0 1.566 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VIII 0 1.312 11/19/2010 - 16:53 Portuguese
Poesia Consagrada/Novela O Seminarista – Capitulo XIII 0 1.223 11/19/2010 - 16:53 Portuguese