Cancioneiro - O Andaime

O Andaime

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim?
Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.

Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.

Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.

Fonte: http:// www.ciberfil.hpg.ig.com.br

Submited by

Martes, Octubre 6, 2009 - 16:26

Poesia Consagrada :

Sin votos aún

FernandoPessoa

Imagen de FernandoPessoa
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 13 años 33 semanas
Integró: 12/29/2008
Posts:
Points: 745

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of FernandoPessoa

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Às vezes entre a tormenta 0 525 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Atravessa esta paisagem o meu sonho 0 630 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Autopsicografia 0 665 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - (?) Azul ou verde ou roxo 0 604 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Baladas de uma outra terra 0 751 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Bate a luz no cimo... 0 597 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Brilha uma Voz na Noute ... 0 665 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Canção 0 422 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Vendaval 0 423 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Vou com um passo como de ir parar 0 570 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Abat-Jour 0 945 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Abdicação 0 485 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Abismo 0 517 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - A Grande Esfinge do Egito 0 493 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - A minha vida é um barco abandonado 0 435 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - A morte chega cedo 0 894 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Andei léguas de sombra 0 340 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - A alcova 0 772 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Cancioneiro - Ao longe, ao luar 0 711 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Quanta mais alma ande no amplo informe 0 619 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Que suave é o ar! Como parece 0 497 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Relógio, morre 0 552 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Se alguém bater um dia à tua porta 0 589 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Se tudo o que há é mentira 0 626 11/19/2010 - 16:55 Portuguese
Poesia Consagrada/General Poesias Inéditas - Poemas dos Dois Exílios - Sim, tudo é certo logo que o não seja 0 687 11/19/2010 - 16:55 Portuguese