Cancioneiro - O Andaime
O Andaime
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim?
Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fonte: http:// www.ciberfil.hpg.ig.com.br
Submited by
Poesia Consagrada :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 1483 reads
other contents of FernandoPessoa
Tema | Título | Respuestas | Lecturas |
Último envío![]() |
Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Em toda a noite o sono não veio | 0 | 652 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Deixo ao cego e ao surdo | 0 | 471 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Depois que o som da terra, que é não tê-lo | 0 | 724 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Depois que todos foram | 0 | 787 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Desfaze a mala feita pra a partida ! | 0 | 442 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Desperto sempre antes que raie o dia | 0 | 765 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Deus não tem unidade | 0 | 726 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Deve chamar-se tristeza | 0 | 471 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Do fundo do fim do mundo | 0 | 599 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Dói-me no coração | 0 | 640 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Dói-me quem sou. E em meio da emoção | 0 | 1.124 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Do meio da rua | 0 | 614 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Dorme, criança, dorme | 0 | 635 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Dormir! Não Ter desejos nem 'speranças | 0 | 869 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Do seu longínquo reino cor-de-rosa | 0 | 632 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Cheguei à janela | 0 | 619 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Chove. Que fiz eu da vida ? | 0 | 428 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Clareia cinzenta a noite de chuva | 0 | 982 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Começa, no ar da antemanhã | 0 | 382 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Como às vezes num dia azul e manso | 0 | 407 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Como é por dentro outra pessoa | 0 | 437 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Como nuvens pelo céu | 0 | 589 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Como um vento na floresta | 0 | 861 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Criança, era outro... | 0 | 437 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - De aqui a pouco acaba o dia | 0 | 515 | 11/19/2010 - 16:54 | Portuguese |
Add comment