Cancioneiro - O Andaime
O Andaime
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim?
Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças —
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim —
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fonte: http:// www.ciberfil.hpg.ig.com.br
Submited by
Poesia Consagrada :
- Inicie sesión para enviar comentarios
- 1841 reads
other contents of FernandoPessoa
Tema | Título | Respuestas | Lecturas | Último envío | Idioma | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Enfia a agulha | 0 | 1.182 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Entre o luar e o arvoredo | 0 | 1.038 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Entre o sossego e o arvoredo | 0 | 1.054 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Epitáfio Desconhecido | 0 | 855 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Era isso mesmo | 0 | 852 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eram Varões Todos | 0 | 906 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É um campo verde e vasto | 0 | 834 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu | 0 | 559 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu amo tudo o que foi | 0 | 690 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu me resigno. Há no alto da montanha | 0 | 1.081 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eu tenho idéias e razões | 0 | 1.118 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Exígua lâmpada tranqüila | 0 | 571 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Falhei. Os astros seguem seu caminho | 0 | 603 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Doze signos do céu o Sol percorre | 0 | 1.368 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Durmo, cheio de nada, e amanhã | 0 | 744 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Durmo. Regresso ou espero? | 0 | 930 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - E a extensa e vária natureza é triste | 0 | 770 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É boa ! Se fossem malmequeres ! | 0 | 1.001 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - O Louco | 0 | 754 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Eh, como outrora era outra a que eu não tinha ! | 0 | 563 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É Inda Quente | 0 | 606 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - E ou jazigo haja | 0 | 754 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - É uma brisa leve | 0 | 855 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - E, ó vento vago | 0 | 559 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | Poesias Inéditas - Em outro mundo, onde a vontade é lei | 0 | 958 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese |
Add comment