Sem título(42)
Dissolvo-me em cada renascimento
afirmo a ideia da luz e da obscuridade,
sei-me na relevância dos opostos,
caminho livre em trópicos asfixiantes como faço sereno meu repouso
em bosque verdejante, faço da prova do vinho e do vinagre a sabedoria de
sabores sagrados, a suprema elevação dos sentidos, ou o estertor quase mortal
da repulsa pelos acres viveres e sabores inférteis.
Quero plantar a rosa no impossível e rochoso solo,
quero a sabedoria do mistério de todas as vinhas,
do pão amassado nas mãos de searas de mulheres ao vento,
da casa livre sem tecto nem janelas e de porta sempre franqueada.
Tomo da terra o barro informe, reproduzo a figura do ente imaginado,
experimento a música por dentro da forma criada.
Poderia até saber cantar qualquer bela canção – a minha voz é dissonante com ela
própria, a minha voz não ecoa para além do meu próprio espaço íntimo –
sinto as mãos como o falsete do gesto
nem voz nem mãos são coisas reais!
O acordar de mim é um qualquer lugar de inacessíveis frutas maduras. Perco-me entre
pomares por florescer troco Verões e Invernos,
sento-me no fresco do Outono como se fora uma invernia Primavera,
na hora do fruto maduro erro a trajectória do desejo,
encontro-me em outra estação qualquer, resta-me da colheita aromas tardios.
O arco imaginário no horizonte ou a espiral em que me movo, são apenas ficções dum
olhar alucinado, eu brilho-me nos olhos sem saber que faço o pleno do sol, ou sou o
reflexo da mulher que se revela por dentro dos meus olhos,
ou seja apenas a lua no dia com noites demoradas.
O fantasma de mim existe no meu próprio espanto, na minha surpresa contínua,
na inusitada derrota do mar face à onda
da mulher presa no macho impotente,
da flor depois do fruto e de todo o livre arbítrio,
de todas as vontades contra a terra queimada
do Homem Deus pelos Deuses impotentes no homem vulgar
da mulher abandonada na amargura da pedra erodida.
Porque todas as praias são feitas de mulheres por viver
porque todos os mares são lágrimas do meu choro de mulher
eu tenho a mulher por dentro de mim,
no meu colo de afectos eu sou fatalmente o peito aberto
como se fora o homem feito na mulher amada.
Agora tudo é mais claro quando fecho os olhos,
Digo agora, como o tempo medido de casualidades,
como tempo de outrora ou tempo de futuros próximos.
De olhos cerrados o relógio de sol tine como carrilhões
conto o tempo em cada átomo de mim
potencio equações de sons e imagens intemporais.
As saudades dos tempos de inocências várias, do saber as horas nos sinos da igreja
de saber a mulher feliz no ramo de laranjeira
de querer saber as causas das coisas, de descobrir o fogo no centro da terra
ou quedar-me apenas no abraçar da terra fértil
como quem fecunda a fêmea no auge do cio.
Interrogo-me em todas as certezas de ciências titubeantes,
as verdades fazem-se em bolas de sabão
como o vento faz e se desfaz
em tempestades marítimas -as gaivotas são a minha bússola sem norte -
rejo-me por sóis e marés , confundo-me por entre o vento
com a lua e a terra nos dentes, experimento a devinação
no arriscado nocturno navegar.
E já nada mais quero que querer apenas o elementar da vida,
presenteio-me no simples deleite da areia molhada,
basta-me o sol e o mar e toda a ignorância do mundo
basto-me em contemplações de paisagens fugidias.
Dionísio Dinis
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Lindo, beleza, um espetáculo
Lindo, beleza, um espetáculo maravilhoso de texto!
Meus parabéns,
MarneDulinski