Gregas Tragédias - 09 - COÉFORAS (Electra, Orestes)

Ésquilo

Cenário – ao fundo o Palácio de Agamêmnon com três portas, sendo uma do Gineceu1. No centro da cena está o túmulo do rei assassinado. Ação transcorrida em Argos.

1 - Gineceu: parte da casa destinada às mulheres.

Época da ação – idade heróica da Grécia, c. 1200 aC.

A 1ª apresentação – 458 aC. em Atenas.


Personagens:

1- Orestes, filho de Agamêmnon e de Clitemnestra.

2- Coro, composto pelas escravas

3- Electra, irmã de Orestes.

4- Clitemnestra, viúva de Agamêmnon e amante de Egisto.

5- Pilades, filho do rei Estrófio, melhor amigo de Orestes e futuro marido de Electra.

6- Egisto, primo de Agamêmnon e mentor intelectual de seu assassinato. Amante de Clitemnestra.


Resumo

Coéforas1  narra a vingança de Orestes sobre Clitemnestra e Egisto. Esse texto, com as variações pertinentes ao estilo de cada um, também é tratado por Sófocles na peça intitulada Electra. Embora sejam similares, decidiu-se incluir a mesma nessa obra, logo na seqüência, para que o leitor possa saborear a genialidade de cada um dos trágicos.


1 – Coéforas – do grego “choephóras”, na Grécia Antiga, cada uma das portadoras de oferendas destinadas aos mortos.

O inicio de Coéforas deveria ser precedido pelo lamentoso monólogo de Electra que se queixa das duras condições em que vive, graças ao desprezo da mãe, Clitemnestra, que após o sacrifício de Ifigênia e a partida de Agamêmnon para Tróia, preservou-a da morte, bem como ao irmão Orestes, mas a rebaixou ao nível de escrava.

Nesse tempo, em certa noite Clitemnestra tem um pesadelo horrível. No sonho, ela pariu uma cobra que ao ser amamentada suga-lhe o leite e o sangue. Alarmada, logo na primeira hora da manhã seguinte ela consulta um dos adivinhos do Palácio que “vê” o sonho mau como um aviso do rancor das Entidades Infernais. Sugere-lhe que não tarde em mandar oferendas ao rei assassinado para acalmar as almas furiosas. Presto, Clitemnestra manda Electra e outras servas ao cemitério onde deverão fazer os ritos necessários para pacificar os espíritos e a alma do rei morto. No Campo Santo, Electra vê cachos de cabelo como oferenda no túmulo de Agamêmnon e pressente serem de Orestes, o irmão que salvou da insana fúria da mãe ao enviar para a Corte de seu tio Estrófio, na distante Fócia. E, de fato, a ele pertence a oferta. Já adulto Orestes recebe em sonhos o pedido de vingança que o pai lhe faz e decidido a cumprir tal apelo volta para Argos e pára primeiramente no túmulo do pai para prestar as homenagens fúnebres.


A peça de Ésquilo inicia-se com Orestes depositando sua oferenda (um cacho de cabelos, conforme o costume da época) no túmulo do pai, enquanto tece loas ao mesmo e pede a proteção do deus da guerra Ares. Após depositar o cacho de cabelos no túmulo do pai, Orestes galga o mausoléu e avista um grupo de mulheres aproximando-se do local. Dentre elas, distingue sua irmã, Electra, fato que o faz reforçar sua súplica aos deuses para que consiga vingar o pai e banir a dor profunda que vê no rosto da irmã. Porém, como acha que a hora ainda não é chegada, diz ao seu dileto amigo, Pilades, que devem se esconder para saber com exatidão o que querem aquelas mulheres.

O Coro, com Electra à frente, assume a cena e canta, em tom melancólico, que as mandaram sair do Palácio e trazer oferendas para acalmar os espíritos e, principalmente, a alma de Agamêmnon. Além das ofertas, aquelas mulheres trazem no rosto as marcas dos sofrimentos diários a que são submetidas em meio a tantas outras desgraças. Dizem que trazem os tributos a mando de Clitemnestra, atormentada em sonhos pelo espectro do marido que matou.

Veja-se o capitulo “Agamêmnon”, nessa obra.

Pretende a homicida, diz Electra, livrar-se da punição com esses falsos agrados; com essa hipócrita devoção. Ah, terra-mãe, que sacrílega! Falsa, cínica! Eu temo até pronunciar as palavras que ela me ordenou, pois que reparação poderá haver para o cruel assassinato? Oh, Casa Real completamente destruída! A antiga e respeitada Majestade já não existe. Todos questionam a legitimidade e a legalidade dos novos reis. Ninguém os respeita, apenas os temem. Mas quando o sangue encharcar a terra, ao menos um coágulo manter-se-á intacto e é dele que virá a vingança. A balança da Justiça chega antes para alguns, mais tarde para outros; mas é certo que atingirá a todos. Tão certo quanto à morte ceifar todas as coisas vivas. E quanto mais demorar, mais severa será a Vingança. Da mesma forma que nada pode repor a virgindade, nada pode lavar completamente o sangue injustamente derramado. Nem mesmo se todos os elos formassem uma única e poderosa corrente. Agora somos tratadas como escravas em nossa própria casa e temos que conter nosso ódio e acatar as sórdidas ordens dos nossos algozes. E ocultar a mágoa e a pena por nosso pai e rei que caiu vitima dos traiçoeiros golpes da pérfida mulher que nos pariu. Por esconder nosso luto no fundo peito, é que temos o coração constantemente gelado.

Note-se que em nenhum momento Electra cita o nome de Ifigênia e tampouco lamenta sua morte. Trata Agamêmnon como o melhor dos pais, esquecendo-se convenientemente do bárbaro infanticídio que ele cometeu. Chora sua morte, mas apenas pelo que ela representa em termos de seu próprio rebaixamento. O egoísmo grego, aqui explícito, mostra-se novamente.

Já no túmulo, Electra pede às escravas da sua comitiva que lhe deem conselhos sobre como fazer os ritos, sobre o que dizer quando fizer as libações, pois lhe custa achar as palavras certas em seu espírito perturbado. Dirá apenas que é a portadora das homenagens a um esposo amado de uma amante esposa? Mas “isso não se pode dizer”, pois não tenho a menor dúvida da falsidade desse amor que ela diz ter. Ou direi apenas os ritos sucintos, como os que os homens fazem, dizendo-lhe apenas que retribua todo mal que ela lhe causou e que nos causa ainda?

É oportuno notar que esse rito ordenado por Clitemnestra pode ter sido motivado apenas pelo temor que a alma de Agamêmnon ainda lhe inspira, porém, não se deve descartar que a motivação pode ser o remorso. Sentimentos típicos da mente humana que se sobrepõe e ditam as condutas.

Sem resposta ainda, Electra insiste no apelo dirigindo-se ao Corifeu, que em atitude de reverência para Agamêmnon, recomenda-lhe que durante as libações ela elogie os amigos, depois os parentes e na seqüência, Orestes, mesmo ele estando distante. Electra aprova sua sugestão e o Corifeu prossegue dizendo-lhe que, depois, ela pense nos culpados e peça a algum deus, ou a um mortal poderoso que os enfrente e derrote. Ela pergunta se ele se refere a um “Juiz” ou a um “Vingador” e a seca resposta do Corifeu não deixa dúvidas: “alguém que mate, quem matou”.

Recorde-se aqui a questão da “Vingança” e da “Justiça” que é colocada alhures nessa obra, particularmente no capitulo referente a Hécuba.

Hesitante, Electra pergunta-lhe se tal desejo é piedoso (no sentido de religioso, agradável aos deuses) e ele responde com nova pergunta: “não queres desejar mal aos inimigos?”. Convencida, Electra segura o vaso e derrama a água cerimonial dando inicio às libações sobre o túmulo. Primeiro invoca o deus Hermes e as Entidades Infernais que são protetores da Casa Real de Agamêmnon. Em seguida invoca o pai e a ele se lamenta por estar sendo tratada como reles escrava enquanto a mãe e o amante dilapidam os bens que ele tão arduamente conquistou. Perdularismo que a deixam e a Orestes cada dia mais despossuídos. Pede-lhe a benção e o auxilio que propicie a volta de Orestes; e que ele, ou outro homem poderoso, a ajudem a matar os assassínios.

Embora repetida, vale a observação da questão do “Direito Divino”. Electra não questiona a péssima qualidade de vida de uma escrava. Nem lhe passa pelo pensamento melhorar a condição daquela, apenas sair da mesma.

Que ela possa executar a justa retaliação (sic). Pede-lhe, enfim, que permita juntar seus pedidos de proteção aos amigos, com as imprecações que faz contra os inimigos. Que ele, do Hades, zele pelos filhos que continuam na face da Terra graças aos deuses e à Justiça, mensageira da Vitória. Terminando de derramar as libações sobre o túmulo, diz às servas que elas encerrem o ritual com lamentações em altos brados, entoando um hino em homenagem ao ilustre morto. E o Coro entoa seu Canto nostálgico, prateando o falecido Senhor que ora jaz naquele refúgio do Bem e do Mal. Choram para que as lágrimas lavem a mácula de Agamêmnon enquanto derramam as águas lustrais e clamam pela vinda de um herói que vingue os crimes passados e interrompa os do Presente.

Electra reassume a palavra e diz a que Terra e o Pai já sorveram as libações. Em seguida fala de sua surpresa ao ver um cacho de cabelos deitado, como oferenda, ao pé do mausoléu. O Corifeu indaga-lhe se é de moça ou de rapaz e ele responde que é fácil de presumir, pois além dela quem mais poderia fazer tal oferta já que só ela era loura. Responde o Corifeu que o autor da oferenda deve sentir o mesmo ódio que elas e a princesa e nota como são semelhantes os cabelos do cacho e os seus. Impaciente, a serva mais idosa suplica-lhe que diga a verdade, embora já intuísse a possibilidade de ser de Orestes; restando a Electra confirmar-lhe o que já sabia. Sim! É de Orestes, a mecha de cabelos. O Corifeu, porém, questiona se ele teria coragem para vir a Argos e Electra pondera que ele talvez só tenha mandado sua oferenda por alguém de sua confiança. A serva, então, não retém as lágrimas por temer que ele nunca mais volte à terra natal e aos seus braços que o seguraram quando bebê.

Na seqüência, Electra diz que compartilha do temor da escrava e com isso se desfaz o fio de esperança de que ele tivesse voltado. Talvez, dizem, esse cabelo seja uma relíquia de algum inimigo, embora isso fosse improvável, pois nenhum deles tinha a pele clara e o cabelo louro. Exceto Clitemnestra, mas também seria impossível acreditar que aquela pérfida esposa e mãe desnaturada, tivesse a nobreza desse ato.

Contudo, o germe da esperança já estava semeado e Electra se queixa da falta de alguém que pudesse confirmar o retorno do irmão querido. Por fim reza e pede aos deuses que a proteja das más ondas que a envolvem. Em seguida, nota algumas pegadas e passa a ter certeza da volta do irmão, pois estas são idênticas as suas. A aflição domina-lhe os sentimentos e nesse instante, disfarçado, Orestes surge seguido pelo fiel Pilades.

Dirigindo-se à irmã, ainda incógnito, ele pede que ela reze aos deuses suplicando que eles conservem o seu dom de formular excelentes votos, como o que acabara de fazer. Responde-lhe Electra perguntando se as divindades lhe concederiam tão alta graça? Responde Orestes dizendo: “teus olhos veem a criatura que há tanto tempo desejava rever”, por mérito de teus votos, que comovem até aos deuses mais empedernidos. Ela pergunta se ele conhece o homem que procura, o “Vingador”? Ele responde que sim e ela lhe pede que indique qual oração os deuses escutariam naquele momento para trazê-lo a Argos?

Orestes, enfim, se revela. No primeiro momento Electra não lhe reconhece e teme que ele planeje algo escuso; ou que deseje apenas zombar de sua dor. Assim, indaga-lhe como aceitá-lo sem sombra de dúvidas?

Retruca o Príncipe que embora ela o veja, não o reconhece; porém, há poucos minutos, ao ver sua pegada e a mecha de cabelos que deixei, encheu-se de esperança. Agora, diz, coloca essa mecha em meu cabelo e tu verás que o encaixe é perfeito, no lugar em que o cortei. Observe, também, esse manto que eu vestia e haverá de reconhecer que os adornos foram feitos pelas tuas hábeis mãos.

Quase convencida, Electra vai em direção a Orestes prestes a soltar um grito de júbilo. Contudo, domina-se e impede que seu inconsciente se transtorne por contentamento, pois carrega o trauma de ser mais maltratada do que amada. Sim! És tu! Após os elogios naturais, ela diz que o amará de quatro maneiras diferentes: como se ele fosse o pai, transferindo-lhe o amor que deveria oferecer à mãe se ela não fosse como é; ofertando-lhe o amor que deveria dedicar à irmã Ifigênia; por ele representar o “Vingador” que restituirá o que lhe foi tomado e, por último, por ele ser o irmão dileto.

Note-se que mesmo citando a falecida Ifigênia, Electra nada diz sobre o fato dela ter sido cruelmente executada por Agamêmnon. Essa observação revela a falsidade das outras formas de amor, deixando apenas a de “Vingador” como válida.

Suplicante, reza para que Zeus dê a força e o poder necessários ao irmão para que ele consuma a vingança. Que sempre esteja ao seu lado. Orestes a segue na invocação e compara a si e a Electra, como jovens águias órfãs, sem o apoio do pai. Também implora que Zeus perfaça o apoio paterno que eles não têm e lhe “diz” que foi Agamêmnon quem mais o celebrou e que se Ele quisesse mais celebrações (sic) deveria auxiliar-lhes na dura empreitada.

Note-se que Orestes chantageia Zeus, condicionando suas homenagens ao apoio que ele lhe oferecer. É sabido o antropoformismo na Grécia antiga, mas é interessante notar que a essência do esquema “obediência = recompensa” continua a vigorar nos dias de hoje. Supõe-se que existe um “Ser Superior” que protegerá quem obedecer a suas regras. Em contrapartida, os devotos atuais (com as exceções devidas e até de forma inconsciente) rezam para alcançar algum beneficio, ou alguma graça, e não para louvar a Deidade em si.

O Corifeu assume a cena e recomenda aos jovens que façam silêncio, evitando que os “Donos do Poder” saibam da chegada de Orestes e dos planos de ambos.

Orestes retoma a palavra dizendo que recebeu ordens do próprio deus Apolo para que executasse a vingança. Também relata os terríveis castigos que sofreria caso não cumprisse os desígnios do deus, ficando sujeito às “Fúrias” que punem especialmente os crimes entre consangüíneos. Seria banido e constantemente sofreria com o aguilhão das mesmas, além de se tornar um pária, por todos enjeitado. Tenebrosos castigos, diz, mas mesmo que nada houvesse, ele executaria a Vingança para atender aos apelos de seu coração e da alma de Agamêmnon que seguidamente lhe aparece em sonhos. Sim, ele não permitiria que os bravos argivos, heróis na guerra de Tróia, fossem dominados por “duas mulheres”.

Orestes compara Egisto a uma mulher debitando-lhe, conforme a prática machista e chauvinista, os “defeitos” de ser frágil, ou incoerente, ou vivente fora da realidade. Alguns eruditos veem nessa comparação certa homofobia. Recorde-se que à época, ser mulher ou homossexual eram condições de inferioridade social, não obstante os relacionamentos amorosos serem aceitos.

Volta o Corifeu à cena invocando, através das Parcas, a intercessão de Zeus para que tudo se realize a bom termo. Que cada ódio dos “governantes” tenha igual resposta e que cada golpe mortal, seja respondido por outro superior. “Que se dê ao culpado, o castigo”, como diz o antigo provérbio.

Orestes lamenta o pai infeliz e pergunta como proceder para que sua voz chegue ao negro Hades. Como deverá fazer para seja uma luz em meio à escuridão que cerca Agamêmnon? Em seguida lamenta a si próprio e à irmã, pois muitos soluços já derramaram e ainda derramarão até que o Palácio volte a ser dos Atridas, seus donos legítimos.

Retruca o Corifeu dizendo que a alma de Agamêmnon continua feroz e que cedo ou tarde sua cólera irromperá, pois basta alguém lamentá-lo para que apareça quem lhe vingue. Os lamentos pelos pais são justos e poderosos e inexoravelmente alcançarão os culpados.

Electra toma parte na conversa e dirigindo-se à memória do falecido pai, diz que seus dois filhos lamentam-no sobre uma fria sepultura. Uma reles tumba que os recebe e onde entoam seus lamentosos cantos. Haverá, pois, algum conforto nisso? Não é um justo motivo para se desesperar, ter que lutar contra tal fatalidade?

O Corifeu retoma a palavra para dizer que se um deus desejar, sons mais agradáveis que os tristes lamentos de agora serão ouvidos. Que alegres hinos serão entoados no Palácio para comemorar a volta de um Rei querido e o fim da amargura do Presente.

Note-se que à semelhança da atualidade, delegava-se aos deuses (ou a Deus) a ocorrência da felicidade ou da tristeza, como se os Homens não fossem responsáveis por essas situações.

Lamenta Orestes o fato do pai não ter morrido na guerra de Tróia, pois se tal acontecesse maior seria sua fama e maior seria a admiração que ele e sua irmã causariam entre os outros gregos. Mais glorioso (sic) seria seu túmulo e menos triste para seus filhos. O Corifeu prossegue nessa linha dizendo que se fosse morto heroicamente, ilustre e caro aos amigos, mesmo enterrado, manteria sua alta posição ante os outros reis. Electra, porém, discorda e fala que o Pai não deveria ter morrido em Tróia, tampouco em seu próprio lar. E que se os seus assassinos tivessem sido mortos, eles nem teriam noticias de seus passamentos, pois isso em nada os afetaria. Ao contrário de agora, em que a saudade e a mágoa são companheiras constantes.

O Corifeu, em tom de censura, diz à Electra que ela almeja uma felicidade inatingível, irreal. Diz-lhe que isso é apenas um sonho, muito distante da realidade, que se constitui apenas dos sofrimentos causados pelos dois verdugos, Egisto e Clitemnestra. Orestes ressente-se dessas palavras e após breve invocação a Zeus e de constatar que o alvo a ser atingido é sua própria mãe, anuncia resoluto que já é tempo de agir.

O Corifeu expõe, então, seu desejo de gritar o vaticínio e sua ânsia de ver Egisto no limiar da vida, enquanto Clitemnestra já adentra o negro Hades. Diz que já não pode reprimir seus sentimentos, posto que eles se sobreponham à conveniência de se manterem ocultos.

Pergunta Electra quanto Zeus executará a vingança sobre os culpados, trazendo de volta a paz e a confiança sobre a Terra? “Justiça” brada. “Chega de injustiça!” exclama a princesa.

É interessante notar como são diferentes os pesos atribuídos aos atos. O infanticídio perpetrado por Agamêmnon contra a própria filha não é sequer mencionado por Electra, Orestes e o Coro. Se um leitor, ou um espectador, não conhecesse o Passado do rei, acharia que ele é, de fato, uma vitima inocente da crueldade da esposa e do amante desta. A morte de Ifigênia pesa bem menos que a de seu algoz. Certamente por ele garantir o conforto e o bem-estar daqueles que o idolatram hipocritamente. Chora-se pelo que não se terá com a morte dele, mas não pela morte em si; pelo seu desaparecimento, por saudades de seus modos carinhosos etc.

A palavra volta para Electra que clama por maior celeridade de Zeus para punir os culpados. De novo pede Justiça (sic) e não Injustiça. Suplica que a Terra e as Entidades Infernais ouçam seu apelo. O Corifeu completa o seu arrazoado, citando a “Lei” que exige o “sangue de quem o derramou injustamente (por que, então, não se pediu o de Agamêmnon quando ele imolou a filha?)”. Diz que o assassinato de Agamêmnon exige a vingança das “Fúrias Vingadoras”, as quais, em nome das primeiras vitimas, provocarão outras tantas.

O Corifeu alude a um Conceito que se tornou o proverbial: “violência gera violência”.

Volta Orestes a se pronunciar suplicando que “As Fúrias” vejam a miséria à que foi reduzida a Casa Real dos Atridas; enquanto ele mesmo sofria as humilhações e os pesares inerentes ao seu longo exílio. O Corifeu diz que as últimas palavras de Orestes causam-lhe medo e desesperança, pois só as suas afirmativas viris e corajosas é que o fazem sonhar com a vitória derradeira. E Electra questiona o que se deveria dizer naquela hora. Que nosso sofrimento é obra de quem nos deu à luz? E que mesmo que ela tentasse suavizá-los seria em vão, pois o coração de cada um dos filhos restantes tornou-se um lobo ávido por sangue.

O Corifeu bate no próprio peito seguindo uma lúgubre cadência, como as carpideiras fazem. Diz que os baques de suas mãos mortificam-lhe o corpo e a mente.

Electra torna a xingar a mãe de despudorada e malvada e pergunta como ela ousou sepultar secretamente o rei, dando-lhe tosco funeral; frio, pobre, sem as lágrimas do Povo e daqueles que amavam verdadeiramente o grande soberano? Orestes mostra indignação igual à da irmã ante o sacrílego enterro do pai e afirma que matará a mãe, mesmo que tenha de morrer por isso. O Corifeu alimenta o fogo desses ressentimentos dizendo que Clitemnestra após matar Agamêmnon mutilou o seu corpo. Talvez fosse esse, pondera o motivo de fazer o sepultamento às escondidas, o qual só aumenta o fardo de vergonha sobre os descendentes do rei argivo.

Electra prossegue suas lamúrias dizendo que o Coro relata os sofrimentos de Agamêmnon, mas os que ela mesma suporta não ficam a dever em relação àqueles. Tratada como escrava, diz, eu fui trancafiada em meu quarto sem poder, ao menos, chorar as minhas desventuras. Em seguida dirige-se a Orestes e pede que guarde n’alma o que ela disse. Ele volta a invocar o Pai, juntamente com ela; e o Coro junta-se à voz dos irmãos e clama pelo rei morto. Orestes brada que doravante será “força contra força” e Electra pede que os deuses se coloquem sempre ao seu lado. Que lhes dê a vitória.

O Coro volta a manifestar seu medo de que a vingança demore e lamenta o sofrimento da raça dos Atridas, que só cessará por obra de um filho da dinastia, após luta renhida e sangrenta. O Corifeu pede que as Entidades Infernais socorram e auxiliem os jovens para que eles consigam a vitória final. Orestes implora que o Pai, morto de forma indecorosa e imprópria para um rei conceda-lhe a soberania do Palácio. Electra, por sua vez, suplica ao Pai que lance a desventura que ora enfrentam, sobre o detestável Egisto. E o jovem príncipe promete ao Pai, em retribuição à sua ajuda, que fará celebrar constantes e enormes festas para que seu nome nunca seja esquecido, pois ele bem sabe que sem comemorações a memória do povo é curta. Nesse sentido, Electra invoca seu direito de legitima sucessora e corrobora a fala do irmão, dizendo que trará ao Mausoléu do Pai as suas libações de “esposa moça” quando deixar o seu Palácio para se casar. Também diz que honrará sua memória acima de qualquer outra. Por fim, os irmãos pedem que a Terra se abra e que o pai venha se juntar a eles para a dura luta, prestes a começar. Na seqüência citam os detalhes da traição e da morte de Agamêmnon e lhes pedem que não deixe morrer a última semente do Patriarca Pelópidas, pois se assim fizer, vencerá a própria morte, haja vista que sua memória será eterna. Orestes concorda com a irmã e se coloca como uma bóia que impede o nome paterno de afundar no Oceano do esquecimento. Após o longo discurso, os irmãos afastam-se do túmulo e o Corifeu anima Orestes dizendo que agora, com sua disposição no ápice do vigor, que comece a lutar.

Orestes concorda com o Corifeu, mas se mostra apreensivo sobre os motivos de Clitemnestra fazer aquelas libações e oferendas. O Corifeu conta-lhe dos pesadelos que a rainha teve e que a forçaram a tentar apaziguar os espíritos enfurecidos. E para saciar a curiosidade de Orestes, conta-lhe os detalhes dos sonhos ruins.

Esperançoso de que aqueles pesadelos fossem presságios a ele favoráveis, torna a pedir a graça ao Pai para que aquelas premonições tornem-se reais. Associa-se à víbora que ela pariu nos sonhos e pressente que ele, então transformado em víbora pela maldade dela, haverá de tirar-lhe o sangue e a vida. O Corifeu elogia sua arguta interpretação e lhe pede que se coordene com os amigos e planejem a ação, pois o tempo urge. Responde-lhe Orestes dizendo que seu plano é muito simples: que do mesmo modo que eles mataram o heróico rei, ele os matará usando as armadilhas que lhe foram aconselhadas pelo deus Apolo. Ele e seu amigo Pilades fingirão serem suplicantes vindos do Parnaso e em busca de hospitalidade no Palácio. É provável, diz, que os guardas não sejam amistosos e nesse caso contam com a curiosidade do povo sobre aqueles forasteiros a quem Egisto nega hospedagem, um crime inadmissível nos costumes da época. E se Egisto lhes aparecer de súbito, prontamente eles o matarão, sem lhe dar chance de pedir socorro à sua guarda. Morto o amante, o passo seguinte será matar Clitemnestra, sua própria mãe; tarefa que lhe pesa mais pela emoção do que pela dificuldade que antevê. Após esclarecer o que lhe vai à mente, pede que as mulheres que compõe o Coro voltem ao Palácio e que, enquanto tomam as providências necessárias, guardem estrito segredo sobre o que foi tramado e exposto.

O Coro, nesse ínterim, volta ao Palácio entoando um triste canto que relembra as maldades já ocorridas entre filhos e pais, mães e filhos, esposas e maridos etc. durante a História do Mundo. Cita como exemplos abomináveis o fogo que Altaia colocou em seu próprio filho Meleagro; a sangrenta Cila que imolou o próprio pai a troco de algum ouro do rei Minos, de Creta; o tenebroso casamento entre os Lêmnios (os habitantes da ilha de Lemnos, mortos traiçoeiramente por suas esposas enciumadas) que extingui com a dinastia. E agora, a esse conjunto horroroso, irá se juntar o matricídio cometido por Orestes.

Para melhor entendimento, aconselha-se que os crimes citados sejam estudados através dos Dicionários de Mitologias que citamos na Bibliografia.

Enquanto isso, Orestes e Pilades seguem para o Palácio onde executarão seu plano. Chegados, Orestes chama pelos escravos e bate à porta reclamando os “direitos a hospedagem”, conforme o férreo costume da época. Um dos serviçais atende perguntando-lhe quem bate e qual a sua procedência? Orestes pede que o anuncie ao dono, ou a dona da casa, pois traz noticias do filho da mesma e pelo fato da noite estar prestes a cair, obrigando-lhe a buscar abrigo.

Nesse instante Clitemnestra assoma à porta e lhes diz que ali encontrarão a melhor acolhida possível e que se trazem assuntos sérios, o homem da casa os receberá. Fala-lhe Orestes que é de Dáulis, na Fócida, e que a caminho de Argos foi abordado por um desconhecido que lhe pediu, após saber seu destino e se apresentar como Estrófio, para avisar aos reis argivos que Orestes morrera. E que na volta informasse-lhe se devia enviar as cinzas do jovem para a casa paterna, ou se deveria sepultá-lo definitivamente na pátria que o recebeu e que sempre honraria sua memória.

Clitemnestra finge estar arrasada com a notícia e culpa a maldição da Casa de Agamêmnon por mais esta desgraça, enquanto clama e brada uma dor que não sente. Orestes lamenta ter portado uma má noticia, até porque se fosse o contrário, seria mais bem tratado. Clitemnestra sossega-lhe esse temor, pois a notícia funesta não impedirá de lhes prestar a melhor das hospedagens. Talvez esquecida de que deveria continuar com a falsa tristeza, logo ela designa uma das servas para lhes acomodar e lhes propiciar tudo de que necessitarem. Em seguida todos entram e a alegria contida de Clitemnestra não passa despercebida pelos servos.

O Corifeu conclama as servas do Coro a apoiarem Orestes e ao deus Hermes pede que lhe dê êxito na empreitada. Nesse momento, a escrava que cuidava dos “estrangeiros” sai do Palácio anunciando que eles já começaram a molestar os anfitriões. A ama-de-leite que cuidou do príncipe recém nato sai apressada e sinceramente ferida pela morte de “seu menino”. Ao Corifeu responde que está indo chamar Egisto conforme as ordens da rainha, pois ela quer o amante presente para que converse com os hospedes sobre as notícias que trouxeram. O Corifeu pergunta-lhe, então, se Clitemnestra mandou que Egisto viesse só, ou com sua guarda e ela responde que acompanhado pela escolta. Ele lhe pede que minta ao impostor e lhe diga que a rainha o chama com urgência e que ele não se preocupe em vir acompanhado, pois não há sombra de perigo. A velha ama, mesmo sem alcançar o motivo daquela mentira, a cumpre. Dói-lhe n’alma ver a falsa tristeza da mãe desnaturada e prever a falsidade do impostor, que internamente estará sorrindo com a morte de “seu filho”.

Note-se que a figura da “ama-de-leite” é um arquétipo universal de fato. Aqui no Brasil, a “mãe-preta” ajusta-se à perfeição com tal paradigma.

O Coro assume a cena e invoca a proteção dos deuses citando nominalmente a Zeus, a Apolo e a Hermes. A eles também pede que Orestes não hesite em matar Clitemnestra se ela quiser chantageá-lo emocionalmente e, novamente, promete grandes celebrações e oferendas. Enquanto entoa o “Hino da Libertação”, Egisto chega à ribalta.

Ao Corifeu indaga se a notícia da morte de Orestes é verdadeira, ou se não passaria de um boato entre mulheres. E com a mesma hipocrisia de Clitemnestra diz-se consternado com o infausto acontecimento. Com mais aquela morte, logo após as recém ocorridas no Palácio.

O Corifeu responde que ele deve entrar para ter a confirmação diretamente com os forasteiros. Egisto concorda e diz que quer falar logo com os mesmos para saber se eles o viram morto, ou se apenas souberam que morreu.

Note-se que ao contrário de Clitemnestra, Egisto conserva uma ponta de desconfiança; porém, como ela, nada desconfia da real intenção dos estranhos.

Enquanto o Corifeu indaga aos deuses sobre como rezar, sobre o quê dizer, ouve-se gritos angustiados no interior do Palácio. Egisto, com voz inconfundível, lamenta-se dizendo: “ai! Ai! Infeliz de mim, ai! Acertaram-me!”

O Coro se pergunta sobre o que estaria ocorrendo e qual estaria sendo o desfecho? O Corifeu aconselha que todas se afastem para não serem acusadas de cumplicidade.

Nota-se aqui o acovardamento que frequentemente atinge aqueles (as) que são mais frágeis moralmente.

Em seguida surge em cena um servo leal de Egisto que aos berros lamenta o assassinato de seu Senhor, enquanto chama por sua Senhora, batendo na porta dos aposentos femininos. Em prantos pede que algum jovem forte e vigoroso os acuda, não mais para socorrer a Egisto, pois este já é finado, mas para salvar a rainha de destino igual. Assustada, Clitemnestra atende à porta indagando sobre o sucedido. Confuso, o criado diz enigmático: “um morto matou um vivo”. Ela, aos prantos, diz que já entendeu o enigma posto pelo criado. Sim, diz, morreremos vitimas de uma farsa, de um ardil, tal qual o que encenamos para matar Agamêmnon. Agora só me resta esperar para ver que me dará o golpe fatal. Daqui a pouco se verá quem são os vencedores desses pobres vencidos. Eu, por mim, já cheguei ao máximo do infortúnio, pois antevejo morto meu amado Egisto.

Nisso, a porta central é aberta e se vislumbra o cadáver do amante de Clitemnestra. Ao lado, estão Orestes e Pilades.

Saindo do salão e dirigindo à mãe, Orestes diz que foi bom ela ter vindo, pois ele já a esperava. Aponta para Egisto e fala que ele já recebeu a sua parte. Clitemnestra responde com sofridas lamentações, enquanto jura seu leal amor ao amante assassinado. Transtornado, Orestes lhe diz que se ela o ama tanto que se deite com ele na mesma sepultura e, ato contínuo, avança sobre ela com o punhal em riste. Clitemnestra, porém, rende-se ao medo e de joelhos rasga a túnica e mostrando-lhe o seio diz: “pára meu filho, respeita os seios que te alimentaram”. Orestes hesita, baixa o punhal e consulta o amigo: “que faço? Mato minha própria mãe?”. Pilades responde que não hesite, pois uma hesitação teria um efeito terrível sobre o Oráculo de Apolo. Lembre, diz, que foi o próprio deus quem o mandou fazer esse sacrifício e deixou claros os castigos que tu sofrerias se não o fizesse. Mate-a, é melhor obedecer a único deus que a todos os homens. Orestes se diz convencido e volta-se para Clitemnestra dizendo: “siga-me, vou matar-te junto a Egisto. Se em vida tu o preferistes ao meu pai, é justo que também o prefiras na morte”. Clitemnestra torna a suplicar clemência e Orestes contra argumenta perguntando como lhe seria possível viver junto com o assassino de seu amado companheiro? E eu, diz, como poderia viver ao lado de quem matou meu amado pai? “Filho, diz a rainha, tudo que aconteceu foi obra do Destino”. Orestes contrapõe dizendo que será, então, o Destino que o fará matar-lhe. Clitemnestra, num último esforço, indaga-lhe se ele não teme a maldição de uma mãe? Mas ele responde que a maldição do pai, se não o vingar, seria muito pior que a dela. Ademais, ela nunca lhe foi uma mãe, pois tão logo o pôs no Mundo, lançou-o na desgraça do exílio. Como, pergunta Clitemnestra? O que fiz não foi uma desgraça, pois te entreguei ao bom amigo Estrófio. Não! Responde Orestes, tu me vendeste como se vende um escravo. Mas então, diz a filha de Leda, onde está o dinheiro dessa venda? O destino, responde Orestes, dessa quantia é tão abjeto que eu nem quero falar. Diz-me então, filho, sobre as más condutas do teu “amado pai”, em tantas situações, como na do assassinato de tua irmã Ifigênia. Cala-te! Tu não podes acusar um herói que se batia contra ferozes inimigos na longínqua Tróia enquanto vadiavas no Palácio. Mas filho esse é o que o Destino nos reserva. Sempre aguardar os ausentes maridos. Não te queixe mulher, pois é a luta dos maridos que sustenta os luxos e as frivolidades das mulheres. Filho, tu persiste na idéia de matar a própria mãe? Não! Não, eu não. Foste tu mesma quem causou tua perda. Cuidado filho com a maldição que posse te lançar. Lance-a! Oh Zeus! A que ponto eu cheguei. Estou implorando misericórdia a um túmulo. Sim, é o trágico destino que destes ao meu pai e que hoje te impõe essa sentença fatal. Oh deuses! Gerei essa víbora! Sim, a profecia dos pesadelos revela-se verdadeira.

Orestes, Pilades obrigam Clitemnestra a entrar no salão onde jaz o corpo de Egisto. A porta se fecha e se ouve o Corifeu lamentar a terrível situação em que estão mãe e filho. O Coro entoa um hino em comemoração à Justiça que está sendo feita, comparando-a com a que puniu o rei Príamo e todos os troianos. E celebrando o presságio da pitonisa que ora se cumpre com a volta do “desterrado”, guiado pelo deus Apolo, ensejando os gritos de júbilo, pois a Casa de Agamêmnon, finalmente, será purificada de tantas desgraças e do impuro casal que a usurpou. E loas, canta, para a deusa Justiça, para Apolo e para o Tempo que cicatriza todas as chagas.

Nesse ínterim, a porta é aberta e os cadáveres de Clitemnestra e de Egisto são vistos. Para as mulheres do Coro que entraram no Palácio, Orestes diz que olhem para a dupla de opressores e assassinos do rei. Vejam a manta que os encobre. É a mesma que utilizaram para aprisionar Agamêmnon. Reparem que morrem unidos, talvez por um pacto de fidelidade. Puxem esse amaldiçoado pano e estirem a rede que prendeu meu pai, pois assim o sórdido crime de minha mãe ficará mais visível para meu Pai Divino, o grande Apolo. Assim, quando eu for julgado depois de morto, ele possa testemunhar a meu favor, pois sabe que minha vingança é justa, ainda que tivesse que matar minha própria mãe. De Egisto nada falarei exceto que ele recebeu o castigo que todo adúltero merece. Que nome eu posso dar a isto? Chamarei de “armadilha para feras”, ou um “rude pano para ladrões”? Não sei. Só peço aos deuses que companheira tão pérfida nunca entre em minha casa, mesmo que eu tenha que morrer sem ter tido filhos. Vejam no sangue incrustado no pano a prova cabal de que ela matou meu pai, com o punhal que Egisto manejou. Agora, mulheres, eu posso me congratular abertamente, sem medo de parecer soberbo. Também posso lamentar a morte de meu pai, sem medo das emboscadas dos tiranos. Mas também choro pelas desgraças em minha raça, pois mesmo essa vitória de agora deixará em mim uma grande mácula. Oh! Cruel destino de nossa estirpe.

Com essas palavras Orestes deixa transparecer ao Coro que certa angústia o oprime; e ele lhes diz que gostaria de sentir que é Senhor da situação, mas é o contrário o que experimenta. Sente-se como alguém que em vão tenta dirigir um carro fora da estrada e sob o comando de enlouquecidos cavalos. Seu coração já sente o peso do que fez, mesmo que sua Razão insista em justificar seu ato. Sim, aos demais pode dizer, matei minha mãe, mas o fiz coberto de motivos, pois além de ter matado meu pai, ela encarnava todas as abominações e males do Mundo. Ademais, ao fazê-lo estava cumprindo ordens do deus Apolo, que me ameaçou com terríveis castigos caso não o fizesse. Porém, o remorso, a culpa e o medo das conseqüências toldam-lhe o semblante.

Note-se a elegância e profundidade da escrita de Ésquilo. Em poucas linhas ele expõe magistralmente a dor do filho, cujos sentimentos acusam, sem que a defesa da Razão seja suficiente para livrá-lo do horror que cometeu. É um drama intimo, fechado a todos e angustiante para quem o sente. Em sua alma pouco importa se a mãe mereceria tal castigo, ou se ele o cometeu a mando de um deus. O arrependimento é o câncer que lhe corrói qualquer sentimento de paz.

Vejam, prossegue o príncipe, que nada comemoro, pois como já disse, tal vitória me é amarga em demasia. Doravante, como mero suplicante, irei até o Oráculo de Delfos – o Centro do Mundo – fugindo da maldição materna que jorrou com seu sangue. Irei, também, para cumprir ao que me foi ordenado pelo deus Apolo, mas principalmente em busca de algum alivio para o aguilhão das “Fúrias Vingadoras” que começam a me dilacerar. São elas que promovem as reparações e os castigos para os crimes de sangue, principalmente entre parentes. A vós eu peço que contem ao meu tio Menelau quanta tragédia nós vivemos em razão da guerra motivada por sua impudica esposa. Adeus! Vagarei pela Terra deixando a cada passo essa horrível fama de matricida que me seguirá por toda vida e até depois da morte.

O destino final de Orestes poderá ser lido no capitulo intitulado “Eumênides”, nessa obra.

O Corifeu tenta consolar-lhe dizendo que seu punhal devolveu a paz aos argivos ao liquidar as “cobras peçonhentas” que usurpavam o trono. Indiferente, Orestes inicia sua jornada, mas pára após poucos passos. Atemorizado, lamenta-se: “ai, ai, ai de mim!” já vejo as Górgonas (ou Fúrias Vingadoras). Tenho que ir. Não posso mais ficar aqui. O Corifeu pergunta-lhe quais fantasmas ele vê? Tenha coragem! Vá, tu é o grande vencedor!

Não, não são simples fantasmas que vejo. São as “cadelas rábidas1 de minha mãe.

1- Cadelas rábidas – forma pejorativa de chamar as Fúrias Vingadoras.

Há muito sangue fresco em tuas mãos, filho querido por teu pai. É desse sangue que provem essas alucinações.

Apolo, meu Senhor, clama Orestes, proteja-me. Vejo-as em grande quantidade e prontas para me atacar.

Vá, filho, diz o Corifeu, purifica-te, pois há purificação para teus atos. Vai ao Templo de Apolo e toca o deus com tua mão. Ele te libertará desses monstros; dessa aflição que te consome.

Correndo, Orestes grita que foge das Fúrias e o Corifeu lhe diz para se apressar em direção ao templo. O Coro entoa um lastimoso hino onde canta que mais uma tempestade se consumou. Os filhos de Tiestes, mortos e devorados, deram inicio à tenebrosa amargura. Depois, o traiçoeiro assassinato de um rei, comandante de todos os aqueus. E agora, será que ao fim desta terceira tempestade, alguma paz virá? As tristezas chegaram ao fim? Ou até onde irá a Ira, precursora da Vingança?

Notará o leitor (a) que o presente resumo é mais extenso que seus pares. A razão para tanto vai além da beleza que Ésquilo produziu, localizando-se mais na importância que essa peça tem por ser o eixo da trilogia intitulada “Oréstia”. É o fio condutor entre “Agamêmnon” e “Eumênides”, ambas presentes nessa obra, como não poderia deixar de ser.

Outro motivo é sua importância na área das Leis e do Direito. Nela, implicitamente, já se faz menção ao primeiro julgamento nos moldes atuais, em que doze jurados decidem a condenação ou a absolvição de um acusado. Na “Eumênides”, esse rito é explicitado, mas sem um conhecimento mais detalhado dos fatos, como aqui se fez, pouco utilidade teria tal explicitação.

Rio, 14 de abril de 2011.
 

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Domingo, Abril 17, 2011 - 10:28

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