A Partida (Augusto Frederico Schmidt)

Quero morrer de noite —
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Quero morrer de noite —
Irei me separando aos poucos,
Me desligando devagar.
A luz das velas moldará meu rosto lívido.

Quero morrer de noite —
As janelas abertas,
Tuas mãos chegarão água aos meus lábios
E meus olhos beberão a luz triste dos teus olhos,
Os que virão, os que ainda não conheço,
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.

Quero morrer de noite —
As janelas abertas,
Os olhos a fitar noite infinda.
Aos poucos me verei pequenino de novo, muito pequenino.
O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá um enorme boneco.
Uma luz vermelha iluminará o dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.

Depois na tarde fria um chapéu rolará numa estrada...

Quero morrer esta noite —
As janelas abertas.
Minha alma sairá para longe de tudo, para bem longe de tudo.

E quando todos souberem que já não estou mais
E que nunca mais voltarei,
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT (1906-1965), poeta, In: De Navio Perdido.

Submited by

Martes, Mayo 17, 2011 - 22:16

Poesia :

Sin votos aún

AjAraujo

Imagen de AjAraujo
Desconectado
Título: Membro
Last seen: Hace 6 años 25 semanas
Integró: 10/29/2009
Posts:
Points: 15584

Add comment

Inicie sesión para enviar comentarios

other contents of AjAraujo

Tema Título Respuestas Lecturas Último envíoordenar por icono Idioma
Poesia/Intervención A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 8.174 07/03/2014 - 02:55 Portuguese
Poesia/Intervención Coração avariado 1 3.887 06/25/2014 - 03:09 Portuguese
Poesia/Fantasía Flores bonecas 2 2.539 06/24/2014 - 20:14 Portuguese
Poesia/Intervención Caminho de San Tiago 0 3.302 06/24/2014 - 00:31 Portuguese
Poesia/Soneto Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 3.857 06/20/2014 - 21:04 Portuguese
Poesia/Soneto Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 3.355 06/19/2014 - 23:27 Portuguese
Poesia/Meditación Sonhe (Clarice Lispector) 1 4.057 06/19/2014 - 23:00 Portuguese
Poesia/Intervención Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 3.518 06/19/2014 - 22:44 Portuguese
Poesia/Intervención Precisão (Clarice Lispector) 0 3.700 06/19/2014 - 22:35 Portuguese
Poesia/Meditación Pão dormido, choro contido 1 2.524 06/13/2014 - 04:02 Portuguese
Poesia/Fantasía A dívida 1 3.058 06/12/2014 - 04:52 Portuguese
Poesia/Intervención Eco das Ruas 1 1.838 06/12/2014 - 04:38 Portuguese
Poesia/Aforismo Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 2.871 06/11/2014 - 11:22 Portuguese
Poesia/Aforismo O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 4.929 06/11/2014 - 11:19 Portuguese
Poesia/Intervención Espera... (Florbela Espanca) 0 2.029 03/06/2014 - 11:42 Portuguese
Poesia/Intervención Interrogação (Florbela Espanca) 0 3.168 03/06/2014 - 11:36 Portuguese
Poesia/Intervención Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 2.023 03/06/2014 - 11:32 Portuguese
Poesia/Soneto Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 2.018 03/03/2014 - 13:16 Portuguese
Poesia/Dedicada Arte poética (Juan Gelman) 0 2.618 01/17/2014 - 23:32 Portuguese
Poesia/Dedicada A palavra em armas (Rubén Vela) 0 1.922 01/17/2014 - 23:01 Portuguese
Poesia/Fantasía A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 1.758 12/20/2013 - 12:00 Portuguese
Poesia/Dedicada Aqueles olhos sábios 0 2.732 10/27/2013 - 21:47 Portuguese
Poesia/Pensamientos Asteróides 0 2.160 10/27/2013 - 21:46 Portuguese
Poesia/Pensamientos O que se re-funda não se finda 0 2.387 10/27/2013 - 21:44 Portuguese
Poesia/Intervención Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 2.499 10/16/2013 - 00:14 Portuguese