CONCURSOS:
Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia? Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.
O Bispo Negro - Capítulo IV
Solemne era o espectaculo que apresentava a crasta da sé de Coimbra. O sol dava com todo o brilho de manhan purissima por entre os pilares que sustinham as abobadas dos cubertos, que cercavam o pateo interior. Ao longo desses cubertos caminhavam os conegos com passos lentos, e as largas roupas ondeavam-lhes ao bafo suave do vento matutino. No topo da crasta estava o principe em pé, encostado ao punho da espada, e um pouco atras delle Lourenço Viegas e os dous pagens. Os conegos íam chegando, e formavam um semicirculo a pouca distancia d'elrei, em cuja cervilheira de malha de ferro ferviam buliçosos os raios do sol.
Toda a clerezia da sé estava alli apinhada, e o principe, sem dar palavra e com os olhos fitos no chão, parecia involto em fundo pensar. O silencio era completo.
Por fim Affonso Henriques ergueu o rosto carrancudo e ameaçador, e disse:
"Conegos da sé de Coimbra, sabeis a que vem aqui o infante de Portugal?"
Ninguem respondeu palavra.
"Se o não sabeis, dir-vo-lo-hei eu, — proseguiu o principe: — vem assistir á eleição do bispo de Coimbra."
"Senhor, bispo havemos. Não cabe ahi nova eleição — disse o mais velho e auctorisado dos conegos que estavam presentes, e que era o adayão.
"Amen: — responderam os outros.
"Esse que vós dizeis; — bradou o infante, cheio de colera — esse jamais o será. Tirar-me quiz elle o nome de filho de Deus; eu lhe tirarei o nome de seu vigario. Juro que nunca em meus dias porá D. Bernardo pés em Coimbra: nunca mais da cadeira episcopal ensinará um rebelde a fé das sanctas escripturas! Elegei outro: eu approvarei vossa escolha."
"Senhor, bispo havemos. Não cabe ahi nova eleição: — repetiu o adayão.
"Amen:" — responderam os mais.
O furor de Affonso Henriques subiu de ponto com esta resistencia: — "Pois bem!" — disse elle, com a voz presa na garganta, depois de um olhar terrivel que lançou pela assembléa, e de alguns momentos de silencio. — "Pois bem! Saí d'aqui, gente orgulhosa e má! Saí, vos digo eu. Alguem por vós elegerá um bispo..."
Os conegos, fazendo profundas reverencias, encaminharam-se para as suas cellas, ao longo das arcarias da crasta.
Entre os que alli se achavam, um negro, vestido de habitos clericaes, tinha estado encostado a um dos pilares, observando aquella scena: os seus cabellos revoltos contrastavam pela alvura com a pretidão da tez. Quando o principe falava, elle sorria-se e meneava a cabeça como quem approvava o dicto. Os conegos começavam a retirar-se, e o negro ía apoz elles. Affonso Henriques fez-lhe um signal com a mão. O negro voltou para trás.
"Como has nome?" — perguntou-lhe o principe.
"Senhor, hei nome Çolleima."
"És bom clerigo?"
"Na companhia não ha dous que sejam melhores."
"Bispo serás, D. Çolleima. Vae tomar teus guisamentos, que hoje me cantarás missa."
O clerigo recuou: naquella face tisnada viu-se uma contracção de susto.
"Missa não vos cantarei eu, senhor: — respondeu o negro com voz trémula; — que para tal auto não tenho as ordens requeridas."
"D. Çolleima, repara bem no que te digo! Sou eu que te mando vás vestir as vestiduras de missa. Escolhe: ou hoje tu subirás os degraus do altar-mór da sé de Coimbra, ou a cabeça te descerá de cima dos hombros, e rolará pelas lageas deste pavimento."
O clerigo curvou a fronte.
"Kirie-eleyson ... Kirie-eleyson ... Kirie-eleyson!" — garganteava d'ahi a pouco D. Çolleima, revestido dos habitos episcopaes, juncto ao altar da capella-mór. O infante Affonso Henriques, o Espadeiro e os dous pagens, de joelhos, ouviam missa com profunda devoção.
*Conto Popular Português de Autor Desconhecido, compilado por Alexandre Herculano
Submited by
Poesia Consagrada :
- Se logue para poder enviar comentários
- 661 leituras
other contents of AlexandreHerculano
Tópico | Título | Respostas | Views |
Last Post![]() |
Língua | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/Conto | Eurico, o Presbítero - O Mosteiro | 0 | 503 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | Eurico, o Presbítero - Covadonga | 0 | 618 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo XI: O subterrâneo | 0 | 564 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo XII: A mensagem | 0 | 487 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo XIII: A boa corda de cânave de quatro ramais | 0 | 1.092 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo XIV: Amor e vingança | 0 | 1.032 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo XV: Conclusão | 0 | 560 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | Eurico, o Presbítero - Prólogo | 0 | 536 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | Eurico, o Presbítero - Os Visigodos | 0 | 517 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | Eurico, o Presbítero - O Presbítero | 0 | 529 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | Eurico, o Presbítero - O Poeta | 0 | 552 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo II: Dom Bibas | 0 | 543 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo III: O Sarau | 0 | 565 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo IV: Receios e esperanças | 0 | 454 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo V: A madrugada | 0 | 477 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo VI: Como de um homenzinho se faz um homenzarrão | 0 | 526 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo VII: O homem do zorame | 0 | 699 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo VIII: Reconciliação | 0 | 451 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo IX: O desafio | 0 | 521 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Bobo - Capítulo X: Generosidade | 0 | 615 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | Arras por Foro de Espanha - Capítulo VII: Juramento, pagamento | 0 | 529 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | O Castelo de Faria | 0 | 628 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | A Abóbada - Capítulo I: O Cego | 0 | 1.829 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Aforismo | A Abóbada - Capítulo II: Mestre Ouguet | 0 | 3.688 | 11/19/2010 - 15:52 | Português | |
Poesia Consagrada/Conto | A Abóbada - Capítulo III: O Auto | 0 | 1.282 | 11/19/2010 - 15:52 | Português |
Add comment