CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

O Ermitão de Muquém – Pouso Terceiro: Os rivais – Capitulo III: O Regresso

Já seis longas luas tinham-se volvido depois que os dois corpos de guerreiros chavantes comandados por Itajiba e Inimá haviam partido a levar a guerra a países remotos, e nenhuma notícia ainda havia deles; já era tempo entretanto para estarem de volta.

Oriçanga, Guaraciaba, Andiara e toda a tribo esperavam todos os dias com impaciência ou novas ou o regresso dos expedicionários, qualquer que fosse o resultado das duas empresas.

Guaraciaba passava quase todo o dia assentada sobre o tope da ribanceira, donde tinha visto desaparecerem a seus olhos as canoas de Itajiba, e ali entretendo as longas e enfadonhas horas da ausência em alguns dos seus trabalhos favoritos volvia continuamente os olhos pelo esteiro do rio a ver se na última volta alguma canoa trazia o seu amado, ou pelo menos novas dele. Outras vezes tomando uma leve canoinha, que ela mesma remava, sulcava as águas acima com alguma de suas companheiras, e lá ia até onde sem perigo podia avançar, a ver se encontrava com a flotilha de Itajiba, e voltava triste e resignada para esperar ainda.

Um dia enfim, estando na barranca no sítio do costume, ouviu ao longe e para a parte superior do rio um estranho e grande estrondo. A princípio pensou que seriam trovões; mas o céu estava sereno, e a atmosfera tranqüila nenhum indício dava de tempestade. O estrondo se repetiu uma e mais vezes avizinhando-se cada vez mais. Não podendo atinar com a causa daquele ruído, Guaraciaba sentiu seu coração alvorotar-se entre o pavor e a esperança, entre o receio e o prazer; mas esse estado ansioso de incerteza durou poucos momentos.

As canoas de Itajiba despontavam enfim como um bando de aves aquáticas velozmente vogando à mercê da torrente. Itajiba tinha armado grande número de seus soldados com arcabuzes tomados aos vencidos, e os adestrava no uso e manejo dessas armas; ao aproximar-se das tabas mandou de propósito fazer repetidas descargas a fim de surpreender e assombrar os selvagens com aquele espetáculo inteiramente novo e estranho para eles, e assim vieram descendo as canoas ao som de salvas atroadoras, que reboavam de eco em eco pelas curvas ribanceiras com grande pasmo dos Chavantes, que apinhados pelas praias respondiam com selváticos alaridos ao ribombo dos arcabuzes.

Toda a tribo, homens e mulheres, velhos e crianças, correu alvorotada para a beira do rio; a volta vitoriosa de Itajiba com aquele aparato para eles prodigioso de detonações de armas que imitavam o trovão e vomitavam fumo e fogo, os encheu de assombro e da mais alta admiração pelo jovem chefe, que começavam a considerar como um homem superior ao resto da humanidade, como um enviado de Tupá, como bem dissera o inspirado Andiara.

O entusiasmo, respeito e admiração que excitava Itajiba, ainda mais se aumentou com a distribuição dos imensos e ricos despojos que tomara ao inimigo, e de que trazia atulhadas as canoas. Distribuiu entre os homens grande quantidade de armas de todas as qualidades, facas e punhais com ricas guarnições de prata, lanças, espadas e armas de fogo, das quais lhes ensinava o uso e o modo de servir-se delas, e mil outros objetos. Às mulheres brindava com jóias, enfeites e fazendas de toda a espécie, que elas não se fartavam de admirar com vivas mostras de alegria e satisfação.

Também para Oriçanga reservou Itajiba preciosos e magníficos presentes, que deslumbraram as vistas do velho cacique, se bem que nem de leve lhe fascinassem a alma afeiçoada à simplicidade e rudeza da vida selvática. Entre outros objetos ofereceu-lhe, preso a uma cadeia de fino e puro ouro, um lindo relógio, do qual explicou-lhe a natureza e utilidade.

— Ah! murmurou o velho em tom merencório, agradeço-te o mimo precioso que me ofertas, e que dá uma alta idéia do artificioso engenho desses que foram teus senhores; mas porventura o sol e a lua não me têm bastado até hoje para marcar no céu o tempo que vai passando? o pouco que me resta viver, que me importa medi-lo?... Tupá lá do alto do céu conta os meus dias, e quando lhe aprouver ele os cortará... Mas já te compreendo, Itajiba; tu julgas, e com razão, que o tempo que ainda me resta passar sobre a terra já não pode ser contado por sóis nem por luas, mas somente por essas pequeninas porções que estão marcadas neste instrumento.

— Não, respeitável cacique, volve-lhe Itajiba; tal pensamento não me podia passar pelo espírito; inúmeros sóis podem ainda surgir sobre teus dias, e preserve-nos o céu de ver tão cedo tombar o cedro altaneiro a cuja sombra se tem abrigado e engrandecido a valerosa nação dos Chavantes. Mas eis aqui um bálsamo divino, que te regenerará o sangue, e te restaurará as forças alquebradas pelo tempo. Prova dele, Oriçanga, e sentirás renascer-te o vigor e girar-te nas veias um sangue cheio de vida e calor como nos mais belos dias de tua mocidade.

Dizendo isto Itajiba apresenta ao cacique um copo de cristal cheio de um purpúreo e generoso vinho.

— É sem dúvida delicioso, exclamou Oriçanga depois de ter tomado alguns sorvos; tal deve ser a bebida que se serve aos heróis no mundo dos espíritos nos festins e folguedos do Ibaque! Não é um licor que me deste a beber, Itajiba, é sangue novo e juvenil que me entornaste nas veias, e que me restitui o alento e vigor dos verdes anos.

E o velho cacique, com a imaginação aquecida pelos balsâmicos vapores daquele suave licor, entrevendo no futuro mil venturas e glórias para Itajiba e para sua querida Guaraciaba, sentiu um suave languor apoderar-se de seu corpo, e adormeceu entre sonhos dourados sobre a sua enorme pele de onça.

O guerreiro vitorioso, feliz amante de Guaraciaba, pendurou com suas mãos ao colo dela um lindo colar de ouro com uma cruz crivada de diamantes, obra primorosamente trabalhada pelos afamados ourives de Vila Boa. Itajiba, que a despeito dos desvarios e excessos de sua vida desordenada conservava sempre singular aferro e veneração pela religião de seus pais, queria desde logo ir familiarizando com os objetos sagrados de seu culto o espírito daquela a quem tanto amava, e a quem esperava em breve chamar ao grêmio do cristianismo. Guaraciaba não conhecia o símbolo santo de nossa religião, mas vendo que Itajiba ao entregar-lhe o tinha beijado respeitosamente, imitou-o com cândida ingenuidade.

Deslumbrados com os brilhantes sucessos da expedição de Itajiba, e embriagados com o esplendor dos festins que os celebravam, os Chavantes quase que se esqueciam de Inimá e de seus bravos companheiros, dos quais nem a mais leve notícia havia ainda chegado às tabas. A estrela do jovem e infeliz cacique empalidecia visivelmente diante do astro deslumbrante de seu afortunado rival. O mundo, quer entre os selvagens, quer nas sociedades civilizadas, é sempre assim. O feliz e poderoso é sempre querido, festejado e aplaudido; mas aquele a quem a fortuna abandona, esse deve dar-se por contente quando lhe testemunham um pouco de estéril e fria compaixão.

Os triunfos de Itajiba foram celebrados com grandes e extraordinários festejos, que duraram por três dias. As ribas do Tocantins troaram longamente ao som de músicas selváticas, de ruidosas aclamações, de danças guerreiras e de mil variadas folganças. Três sóis volveram-se rápida e alegremente em contínuos banquetes e regozijos.

No último dia um estrado ou palanque todo enramado de palmas de coqueiro, e enfeitado de flores silvestres, tinha sido erigido bem junto à margem a espelhar-se nas águas do rio; nos quatro ângulos tremulavam-lhe vistosos penachos de longas e ondulantes penas de ema tingidas de variadas e brilhantes cores. A um e outro lado desse estrado estavam estendidas duas filas de guerreiros, revestidos de suas mais luzidas armas e garridos aviamentos, com suas lanças e tacapes emplumados.

O sol já estava prestes a esconder-se atrás das serras do ocidente, quando Itajiba, acompanhado de grande número de pajés e dos principais da tribo, passou pela frente dos guerreiros entre ruidosos e entusiásticos clamores, e dirigiu-se ao estrado subiu a ele deixando embaixo as pessoas de sua comitiva. Então os guerreiros executaram sobre as alvas areias da praia danças selváticas imitando combates e cenas de guerra alusivas aos feitos gloriosos de Itajiba na campanha que tão brilhantemente vinha de terminar.

Por fim Andiara, o mais antigo e venerável dos pajés, tomando um rico vaso de concha de tartaruga orlado de ouro, encheu da água do rio, e depois de espargir algumas gotas aos quatro ventos cardeais murmurando palavras sagradas, entregou o vaso a Itajiba, que bebeu o resto da água nele contida. Era esta a cerimônia usada para a adoção de um estrangeiro na tribo dos Chavantes. Desde aquele momento Itajiba deixava de ser um estrangeiro para aqueles selvagens; era um irmão de mais, que para sempre associava-se ao destino dessa nação, quer na fortuna, quer na desgraça. Finda a cerimônia, Oriçanga subiu por um dos lados do estrado e Guaraciaba por outro à presença de Itajiba; aquele entregou-lhe nas mãos um rico tacape, guarnecido de primorosos ornatos, emblema do valor; ao mesmo tempo que esta, resplandecente de amor e de beleza, lhe colocara na fronte uma coroa entretecida por suas próprias mãos de palmas e flores silvestres, símbolo da vitória.

Uma grita imensa ecoando pelas ribanceiras reboou largo tempo pelas selvas acordando as feras em seus antros e os sucuris nos abismos das águas, aclamou aquela brilhante solenidade. A noite descendo sobre aquela grandiosa cena veio ainda realçá-la dando-lhe um aspecto quase fantástico de selvática majestade. Ao descer das trevas as filas dos guerreiros postadas ao longo da praia empunharam brandões acesos, cujos clarões refletindo-se no veio trêmulo das águas repetiam a cena de um modo deslumbrante, e desenhavam os selvagens como falanges de espectros negros a brandir espadas de fogo. Enfim por entre um imenso e ruidoso préstito, ao som de estrondosas aclamações, que incessantemente o vitoriavam, Itajiba, acompanhado pelo velho cacique e sua filha, recolheu-se à taba hospitaleira de Oriçanga.

Submited by

segunda-feira, abril 27, 2009 - 01:07

Poesia Consagrada :

No votes yet

BernardoGuimaraes

imagem de BernardoGuimaraes
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 19 semanas
Membro desde: 04/27/2009
Conteúdos:
Pontos: 288

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of BernardoGuimaraes

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Fotos/ - Bernardo Guimaraes 0 1.023 11/23/2010 - 23:37 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVIII 0 1.388 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIX 0 1.454 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XX 0 1.607 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XXI 0 1.490 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XXII 0 1.467 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo IX 0 957 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo X 0 955 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XI 0 880 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XII 0 901 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIII 0 1.961 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIV 0 1.304 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XV 0 1.502 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVI 0 1.298 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVII 0 1.415 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela O Seminarista – Capitulo XIV 0 893 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo I 0 1.279 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo II 0 1.149 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo III 0 1.341 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo IV 0 1.151 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo V 0 1.628 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VI 0 920 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VII 0 1.245 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VIII 0 1.049 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela O Seminarista – Capitulo XIII 0 909 11/19/2010 - 15:53 Português