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O Seminarista – Capitulo XV

Os seminaristas de Congonhas do Campo viam com certa surpresa e assombro ao anoitecer, depois que a sineta havia vibrado a hora do recolhimento, um de seus companheiros, pálido e abatido atravessar de braços cruzados e olhos baixos a longa fila de dormitórios, e encaminhar-se para o quarto do padre diretor e ali ficar largo tempo em íntima e misteriosa prática. Isto tinha lugar duas ou três vezes por semana.

Esse estudante, que antes de partir para as férias, tímido e acanhado ao princípio era por fim um menino travesso e brincalhão como os outros, ia-se tornando um moço cada vez mais tristonho e misantropo.

No passeio e recreação acompanhava os outros como um autômato, com os olhos ou pregados no chão ou alongados além pelos horizontes e parecendo estranho a tudo que em derredor dele se passava. Grave e pausado como um velho ermitão formava um vivo contraste com a turba jovial de seus gárrulos e travessos companheiros; dir-se-ia o triste e moroso noitibó perdido entre um bando de inquietos e chilradores melros.

Nas horas de estudo e recolhimento vivia debruçado sobre os livros, mas tinham observado que cismava muito e lia bem pouco. Os seminaristas novos, que ainda não o conheciam, tê-lo-iam tomado por um idiota, se na aula o rapaz não desenvolvesse prodígios de memória e de inteligência dando de si melhores contas do que nenhum outro. Isto mesmo era mais um motivo de pasmo da parte dos seminaristas, que olhavam para aquele excêntrico e misterioso colega com certa curiosidade cheia de respeito e admiração.

Que ia, porém, fazer aquele estudante duas vezes por semana ao quarto do padre-mestre diretor?...

O pai de Eugênio, reenviando-o para o seminário, tinha escrito aos padres comunicando-lhes os desvios e desregramentos de seu filho, e pedindo-lhes muito encarecidamente que tomassem debaixo de seu particular cuidado dirigir-lhe a consciência e procurar desarraigar-lhe do espírito certa paixãozinha - assim se expressava ele - que o ia tornando um pouco avesso à sua natural vocação e louvável propósito de ordenar-se.

Isto para o padre diretor não era nenhuma novidade. Estava ele bem lembrado, e o leitor também não se terá esquecido, dos versos feitos a Margarida, seqüestrados pelo reitor à pasta do estudante. Era prevendo aquela descaída do seu neófito, que o padre se havia oposto com tanta energia a que Eugênio saísse do seminário durante as férias.

Também de sua parte os padres tinham grande interesse e vivo desejo de atrair ao grêmio da classe clerical aquele mancebo, que por sua bela inteligência, seu espírito de devoção e excelentes dotes morais parecia talhado pelo céu para ser um digno ministro da religião do Crucificado.

Concebe-se pois o esforço, com que aqueles zelosos missionários se empenhariam em fazer tão bela aquisição para o clero brasileiro, e mesmo, se fosse possível, para a congregação a que pertenciam.

Muito satisfeitos se mostraram quando viram voltar ao seminário o esperançoso estudante. Vendo seu ar melancólico e abatido adivinharam-lhe a causa, mas não se inquietaram com isso, esperando que o tempo e a ausência seriam suficientes para desvanecer a tal paixãozinha, que se extinguiria por si mesma, como a luz da lâmpada, a que falece o óleo.

Mal pensavam eles, que o amor que abrasava o coração do mancebo era como a chama do amianto, que arde perenemente sem nunca consumir-se.

Em viagem para o seminário, Eugênio, com o coração cortado de angústia e de saudade e cheio de despeito contra a tirania paterna, formava em seu espírito o projeto de mostrar-se inteiramente rebelde à disciplina claustral, embora atraísse sobre si as mais severas reprimendas e castigos; pretendia comportar-se com tal desídia e relaxamento, tais desatinos e desregramentos praticar, que os padres se veriam obrigados a expeli-lo do seminário.

Firme nesse propósito chegou a Congonhas, mas apenas cruzou os umbrais do piedoso edifício, sentiu desfalecer toda a sua energia reacionária, sua fronte altanada curvou-se a um profundo sentimento de respeito e submissão; todas essas veleidades de revolta se encolheram nos seios da alma, como se calam medrosos escondendo-se nas moitas do vergel os gárrulos passarinhos, quando percebem a sombra da asa do gavião, que atravessa os ares esvoaçando por cima deles.

Tímido, cordato e dócil por natureza, Eugênio não tinha coragem para praticar o mal, nem era capaz de proceder contra os ditames da sua consciência. O espírito religioso que constituía, um dos traços mais proeminentes do seu caráter, lhe fazia, olhar com veneração aquele edifício, morada dos padres santos, e consideraria o mais abominável dos pecados profaná-lo com atos de desregramentos e rebeldia.

Debalde pois tentaria impor à sua vontade atos que a consciência repelia, e fazer calar as nobres e virtuosas tendências, que a natureza lhe tinha plantado no coração. Resignou-se, e contentou-se em chorar sobre a sua sorte.

Ferida pelo infortúnio a alma bem formada não blasfema contra Deus, nem se revolta contra os homens.

Longe de expelir transformado em veneno o fel do coração, converte-o em lágrimas de resignação e expande mais suave e puro o perfume da virtude, como o sassafrás golpeado pelo ferro do derrubador destila mais ativo e redolente o aroma, que lhe embalsama o âmago.

Todavia Eugênio não podia expelir de seu coração a imagem de Margarida, e nem ele o tentava, pois reputava isso um projeto impossível, absurdo, louco. Essa imagem agora lhe estava gravada na alma em traços muito mais vivos e profundos do que nos anos da primeira ausência. A meiga e plácida afeição da infância havia tomado as proporções de uma paixão enérgica e fogosa, e se assenhoreara de seu coração, como esse truculento e rijo cipó que se atraca ao madeiro da floresta, o enleia e aperta, e com ele se identifica, destinado a viver e perecer com ele.

A saudade, que o devorava, já não era essa tristeza lânguida e melancólica, que se entorna do coração com certa suavidade como o perfume de uma flor mirrada, e se espairece nos ares nas asas do devaneio como uma nuvem dourada pelos fulgores da aurora. Era o negrume carregado de uma noite pesada, muda e funérea; de uma noite toldada, sem luz de estrelas nem lampejos de harmonia, nem fragores de tempestades.

Era a paixão com todas as suas cruéis inquietações e anelos febris, com todas as suas sombrias apreensões no futuro, e suas doces e pungentes recordações no passado.

A tudo isto vinha-se juntar um sentimento de dolorosa compaixão pela sorte de sua querida companheira. Ah! quão sozinha, quão desamparada a havia deixado na solidão do lar quase deserto, entregue às angústias da saudade, como flor mimosa exposta a todos os rigores do sol canicular! Pobrezinha! a injusta prevenção dos pais de Eugênio, retirando-lhe sua estima e amizade, a privavam da única consolação que lhe restava, tirando-lhe até os meios de saber notícias do amigo ausente! Com que amargura não exprobrava a sua mãe no íntimo da alma aquele iníquo e desalmado procedimento! Como não o teria profligado, amaldiçoado mesmo, se não partisse de uma mãe, a quem respeitava e amava!...

Pelas suas Eugênio aquilatava as angústias de Margarida. Ele a via todas as tardes - e seu coração adivinhava - encaminhar-se para as paineiras do vargedo pálida e chorosa, com as madeixas revoltas e dispersas pelos ombros, como palmeiras a que o sopro violento da tormenta vergara o colo, derriçara os galhos e emaranhara os leques emurchecidos. Ali a via sentada largo tempo com os olhos fitos nos campos da fazenda paterna, triste como Eva exilada do paraíso, regando com as lágrimas as raízes daquelas árvores queridas, companheiras e confidentes fiéis das alegrias do passado e das amarguras do presente.

Entranhando-se nestas tristes imaginações Eugênio estoreia convulsivamente as mãos e o sofrimento lhe espremia do coração duas lágrimas, que o fogo do desespero lhe queimava nas pálpebras sem dar-lhes tempo a rolarem pelas faces, e a muito custo podia conter no peito um brado de blasfêmia e um ímpeto de revolta.

Cedendo, porém, ao peso de seu infortúnio o moço não ousava, nem tentava combater a paixão, que fazia a tortura da sua vida.

Sabia isso impossível; mas o seu espírito crente e religioso só julgava realizável a sua redenção por um favor especial do céu, pelo influxo da graça divina, favor que não esperava, nem ousava implorar, porque dele se julgava indigno; ou quem sabe? - tinha medo de ser atendido, e parecia-lhe que faltando-lhe aquele amor não poderia mais viver, faltar-lhe-ia o ar e a luz, e a terra e o céu se aniquilariam para ele.

Assim o infeliz moço agarrava-se à sua saudade e ao seu infortúnio, como o escorpião que rodeado de chamas se atraca à própria cauda, que o morde e que o lacera.

O abatimento e melancolia de Eugênio longe de desvanecer-se pareciam ir-se agravando com o tempo, fenômeno singular naquela idade, em que as dores da alma parecem dissipar-se com a mesma facilidade com que se evaporam as ligeiras névoas ao primeiro sopro das brisas travessas da manhã.

Entretanto, já quase um ano havia decorrido, e os padres começando a inquietar-se à vista do estado deplorável a que se ia reduzindo o pobre moço, entenderam que deviam lançar mão de meios mais enérgicos e positivos para debelar a paixão que não só o desviava do sacerdócio, como mesmo ameaçava levá-lo ao túmulo. Foi então que começaram as práticas e confidências íntimas com o padre diretor. A princípio e por muito tempo nenhum resultado tiveram, e o padre já desalentado quase desistiu da empresa. Suas palavras, conselhos e exortações não conseguiam produzir a menor mossa no espírito do mancebo, o qual revelando-lhe sem rebuço o estado de sua alma, confessava sua fraqueza ou antes impotência para combater o mal que o assoberbava e às mais calorosas e eloqüentes objurgações do padre opunha um desanimado e glacial - não posso.

— Não posso! - dizia ele. - Bem vejo que tudo quanto V. Rma. me propõe é justo, razoável e salutar; quero fazer tudo quanto me aconselha; mas há uma força superior à minha vontade, um poder contra o qual vão quebrar-se todos os meus esforços. Não posso.

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segunda-feira, abril 27, 2009 - 01:54

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