CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

O Seminarista – Capitulo XVIII

Eugênio, que já então tocando os vinte anos, conservava na alma toda candura e singeleza da infância, confiava ao seu diretor espiritual por miúdo e sem disfarce todas essas lutas íntimas, todas as irresoluções, fraquezas, inquietações do seu espírito. Expondo-lhe a obrigação sagrada, em que se considerava, de amparar e proteger na vida a companheira da sua infância o padre lhe fez ver que nada obstava a que ele satisfizesse aquele nobre e louvável impulso do coração, e que nisso não havia estorvo a que se ordenasse, uma vez que banindo do coração todo o sentimento amoroso, considerasse Margarida como sua irmã.

Para esse efeito porém era forçoso que evitasse o mais que pudesse a sua presença, fugisse de toda e qualquer relação com ela, e fosse como a Providência, que esconde a mão que derrama tantos benefícios sobre a terra, aliás recairia inevitavelmente em suas antigas fraquezas e desvarios. Ponderava-lhe demais, uma vez ordenado, que seu pai não duvidaria em restituir a Margarida as suas boas graças, e tomaria decerto a seu cargo ampará-la, prover à sua sorte futura, procurando-lhe um bom marido.

A estas palavras Eugênio estremeceu; mas contendo aquele movimento.

— Estou certo - respondeu - de tudo quanto me diz!... mas... é impossível!... estou inteiramente convencido que toda e qualquer tentativa que eu faça para banir de meu coração esta paixão, será sem resultado. Não está em mim, nem há poder nenhum sobre a terra que me possa tirar do sentido aquela mulher.

— Não o há sobre a terra, mas há no céu. Implore com fervor a graça divina, e ela não lhe faltará; e o seu triunfo, que considera impossível, será facílimo, e completo. A oração, a penitência, os exercícios piedosos, são armas poderosas para combater a tentação, filho; e Vm. mesmo já fez delas a mais brilhante prova, quando sendo muito mais criança conseguiu debelar completamente o inimigo que o tinha em contínua obsessão. Se não fosse a imprudência, de deixar o seminário, e ir colar-se de novo entre as goelas da serpente que o seduzia, teria evitado esta nova luta, talvez mais renhida e encarniçada que a primeira. Hoje, porém, que já com vinte anos deve ter outra energia e força de vontade, e sabe melhor ponderar as coisas, é que assim desanima como um covarde, e recua espavorido diante do inimigo?

— Mas, senhor padre, eu jurei a Margarida... Perjurar, esquece-la, abandoná-la a seu cruel destino não é uma traição, uma infâmia?

— O juramento inspirado pelas sugestões do demônio não é juramento, filho. Deus não o aceita, nem o confirma no céu. Jurou o nome de Deus em vão; fez mais, profanou como um ímpio o seu santo nome envolvendo-o em atos desregrados de libertinagem. Cometeu um grande pecado, de que cumpre lavar-se com lágrimas sinceras de compunção e arrependimento; mas não é um juramento, nem o constitui em obrigação alguma.

— Não sei, senhor padre, não sei o que lhe possa objetar... mas o coração se revolta, e diz-me a consciência que eu cometeria uma indignidade, um crime mesmo, arrojando em um abismo de infortúnio e desespero a uma criatura de quem sou mais do que o amparo, de quem sou a única esperança.

— Filho, olhe que toma por vozes da consciência o que não é senão murmúrio da paixão, embuste do demônio que porfia em obumbrar-lhe o espírito e amolecer o coração. Ânimo, filho!... nada o embaraça para esse nobre e santo cometimento, senão a sua própria vontade. Essa paixão que o atormenta é um cálix de provação que Deus lhe preparou para acrisolá-lo na luta e no sofrimento, e torná-lo mais digno do sagrado ministério a que o chama o céu. O inimigo com quem tem de travar-se, foi-lhe enviado por Deus, como o anjo de Jacó. Faça como aquele santo patriarca que combateu com o anjo a noite inteira; não se recuse a essa luta agradável aos olhos de Deus; combata noite e dia, que vencerá como Jacó.

Eugênio saiu de junto do padre com o espírito um tanto abalado; pelo menos achava-se resolvido a implorar o auxílio do céu para extinguir aquela paixão, que era ao mesmo tempo o encanto e o tormento de sua existência. Ainda que sem fé a princípio, e sem esperança alguma de resultado - e talvez por isso mesmo - entregou-se como outrora às práticas do mais austero ascetismo, e na solidão de sua cela deu-se à vida de penitência e contemplação com uma exaltação e fervor dignos dos antigos anacoretas dos desertos da Calcida, da Nitria e da Tebaida.

À força de orações e jejuns, vigílias e macerações, de novo conseguiu reduzir o seu corpo a múmia ambulante, e o espírito a um foco de visões beatificas e fanáticas alucinações. Desta vez porém o áspero e pesado manto do ascetismo não logrou abafar a chama teimosa que abrasava o peito do mancebo. A fibra do seu coração tinha-se fortalecido com os anos. O vaso frágil das afeições infantis se convertera em urna diamantina, que conservava inteiro e inalterável o filtro fatal que os lábios de Margarida nele haviam vazado entre os beijos de mel e lágrimas de fogo.

Embora, procurava o anjo de devoção, com a sombra mística, de suas asas, acalmar os tumultuosos transportes daquela alma apaixonada. Na maior exaltação de seus êxtases beatíficos, no rigor de suas austeras mortificações, lá mesmo lhe aparecia a imagem de Margarida, formosa como visão celeste, e com um sorriso melancólico dizia-lhe com acento de triste e amarga exprobração:

— Louco, que pretendes esquecer-me e pedes ao céu forças para ser perjuro e desapiedado! Lutas em vão; eu sou o anjo que leva ao céu teus pensamentos e tuas orações, e jamais consentirei que cheguem ao trono de Deus tuas mentirosas preces. Esquece-me se puderes, mas não peças auxílio ao céu para caíres no inferno!

Então Eugênio, alucinado e quase em delírio, batia com a fronte na terra, estorcendo-se e bradando com voz sufocada entre soluços:

— Perdão, Margarida, perdão!

Assim continuou por longo tempo a luta travada no espírito do mancebo entre o amor e a religião, entre duas paixões que com ele nasceram e com ele poderiam viver e fazer a sua felicidade, se as instituições humanas não houvessem erguido entre elas uma barreira insuperável.

Entretanto, a ausência, o decurso dos anos, a falta absoluta de relações e mesmo de notícias da mulher amada eram circunstâncias que não podiam deixar de influir poderosamente em desvantagem da paixão profana, que insensivelmente se ia arrefecendo como lâmpada velada, que se consome a si mesma e fenece à míngua de alimento. Outro tanto não acontecia ao misticismo, que alimentado por contínuas práticas de devoção, exaltado por eloqüentes e calorosas exortações e conselhos, cada dia ia ganhando terreno, e contava com todos os elementos da vitória.

Duas circunstâncias vieram contribuir poderosamente para acelerar o triunfo das idéias teocráticas e fazer paliar a estrela do amor no horizonte da vida do mancebo.

Era um domingo. Celebrava-se missa solene por ocasião de uma festividade da igreja.

Por esse tempo o padre missionário Jerônimo Gonçalves de Macedo, o digno e venerável companheiro de Viçosa e de Leandro, achava-se em Congonhas do Campo de passagem para o sertão da Farinha Podre, onde por sua grande ilustração e virtudes apostólicas era chamado para lançar as bases de um novo colégio na extremidade ocidental da província de Minas - o seminário de Campo Belo.

Jerônimo foi convidado a pregar o sermão desse dia.

Possuía ele em alto grau os mais eminentes predicados de orador sagrado. A uma bela e imponente figura, a um acionado largo e majestoso, a uma voz cheia, vibrante e sonora reunia a palavra ardente e repassada de unção, a eloqüência que se inspira em sua verdadeira fonte, na abundância do coração. O rico e formoso templo do Bom Jesus regurgitava de povo que acudira ansioso para ouvir a palavra do santo e eloqüente missionário.

Quando assomou no púlpito aquela nobre e veneranda figura, aquele busto, cujas linhas corretas e harmoniosas podiam servir de modelo ao escultor de gosto o mais severo para a imagem de um santo, possuído de respeito e admiração, cuidaríeis ver surgir do interior do templo o vulto do santo seu homônimo, do austero cenobita dos desertos da Calcida.

Era uma santa virgem e mártir que a igreja comemorava nesse dia. O elogio da castidade formou naturalmente o tema principal do sermão.

O orador depois de ter feito um brilhante panegírico da vida da santa, passou no epílogo a fulminar com os raios de sua eloqüência a moleza, o apetite sensual e os desvarios das paixões mundanas, e divinizou a castidade - a mais excelsa entre todas as virtudes, esse lírio puro e peregrino, cuja fragrância é mais grata ao Senhor do que os cânticos dos anjos, e do que todo o incenso que se queima em seus altares.

Para dar maior realce ao painel, traçou com mão de mestre uma viva pintura da sedução de Eva tentada pela serpente no paraíso.

— A concupiscência - dizia ele - é a serpente, que destila dos lábios enganosos o veneno que nos dá morte à alma e nos faz perder para sempre as delicias da celeste Jerusalém. Feliz aquele que? como a virgem mártir cujas virtudes hoje a igreja comemora, pode esmagar aos pés a cabeça da serpente maldita, e exclamar triunfante, enquanto ela se estorce moribunda no chão - "Afasta-te, Satanás!..."

Inspirando-se nas páginas ardentes e sublimes do santo de seu nome, exclamava com ele:

"Soldado efeminado, que fazes tu sentado à sombra do lar paterno? tu repousas, e a trombeta divina enche o espaço dos seus clangores! O divino combatente aparece sobre as nuvens; uma espada de dois gumes sai de sua boca. Ele corre, derriba e despedaça; e tu não queres deixar o teu leito pelo campo de batalha, a escuridão em que jazes pelo esplendor do sol! levanta-te! a coragem te dará força."

"Visses embora teu pai, tua mãe ou tua amante atravessada à soleira de tua porta para impedir-te a passagem, passa sem derramar lágrimas; passa, tu és soldado; lá está o teu estandarte; é a cruz!

"Deserto esmaltado de flores de Cristo!... solidão, onde se engendram as pedras de que é construída a Sion celestial! santos eremitérios, em que se conversa familiarmente com Deus, infeliz daquele que vos desconhece, e mais infeliz ainda aquele que, vos conhecendo, vos foge e vos evita!"

Fazendo aquela, viva e eloqüente apologia da vida casta e solitária, Jerônimo procedia por pedido especial e recomendação de seus colegas de Congonhas, que o tinham inteirado da situação de Eugênio, e assim todas aquelas calorosas e veementes apóstrofes iam com direção calculada ao espírito do mancebo, o qual sem nada suspeitar as escutava absorto, e sentia a palavra santa penetrar-lhe como lâmina ardente até o âmago do coração.

A pintura da serpente rastejando aos pés de Eva no paraíso para seduzi-la e arrastá-la à perdição, fez a mais viva impressão, e trouxe-lhe à memória a aventura da infância de Margarida, enleada e afagada por uma cobra, aventura que tão funesta apreensão deixara no espírito de sua mãe. Encontrando a mais exata e palpitante analogia entre o episódio do Gênesis, e aquele incidente de sua infância, Eugênio estremeceu.

Já para ele não havia dúvida: aquele acontecimento era um aviso do céu; aquela serpente fatídica era o demônio; e Margarida, nova Eva por ele seduzida, lhe oferecia o pomo fatal, e o levava ao caminho do exílio e da perdição eterna.

Ajoelhado em oração e debruçado à beira do leito, Eugênio adormeceu, e viu-se em sonho transportado ao meio de um templo magnífico, inundado de esplendores, de perfumes e harmonias. Súbito abriu-se a abóbada do templo, e um coro de anjos, que descia do céu, baixou sobre ele. O anjo que vinha à frente de todos tinha a figura de Margarida, e trazia na mão uma palma. Postando-se diante dele entregou-lhe a palma, e disse-lhe apontando para o altar: - Eis ali o caminho do céu!

Eugênio olhou para o altar e viu que a Virgem, que se achava sobre o trono lhe sorria e acenava chamando-o a si.

Este sonho impressionou-o vivamente. Era uma revelação; a vontade do céu se achava manifestada do modo mais patente e irrefragável. Entendeu que Margarida era morta, e transformada em anjo de Deus no céu como já o fora sobre a terra, viera-lhe anunciar que era só ordenando-se que se encontraria com ela na bem-aventurança. Seu destino estava decretado no céu, e a sua vocação irrevogavelmente firmada sobre a terra.

Pobre Margarida, entre ti e o teu amante uma sombra espessa se interpunha, e a estrela de luz pura e suave, que luziu sobre vossos berços, e sorriu à vossa infância, obumbrada pelas fuscas asas do gênio austero do ascetismo se eclipsava totalmente na alma do teu Eugênio.

Nessa alma agora entregue a mil beatificas alucinações, a tua imagem ia-se de todo apagando, e apenas de quando em quando lhe aparecia como visão longínqua, envolta em brumas melancólicas em um ponto obscuro do horizonte.

Pobre Margarida!

Submited by

segunda-feira, abril 27, 2009 - 01:56

Poesia Consagrada :

No votes yet

BernardoGuimaraes

imagem de BernardoGuimaraes
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 14 anos 5 dias
Membro desde: 04/27/2009
Conteúdos:
Pontos: 288

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of BernardoGuimaraes

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Fotos/ - Bernardo Guimaraes 0 1.173 11/23/2010 - 23:37 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVIII 0 1.606 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIX 0 1.650 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XX 0 1.829 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XXI 0 1.687 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XXII 0 1.785 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo IX 0 1.106 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo X 0 1.119 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XI 0 1.107 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XII 0 1.024 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIII 0 2.135 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XIV 0 1.696 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XV 0 1.684 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVI 0 1.498 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo XVII 0 1.536 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela O Seminarista – Capitulo XIV 0 1.083 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo I 0 1.449 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo II 0 1.369 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo III 0 1.446 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo IV 0 1.267 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo V 0 2.042 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VI 0 1.129 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VII 0 1.490 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela A Escrava Isaura – Capitulo VIII 0 1.262 11/19/2010 - 15:53 Português
Poesia Consagrada/Novela O Seminarista – Capitulo XIII 0 1.163 11/19/2010 - 15:53 Português