CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Viagens na Minha Terra - XXXIII

Carlos e Georgina. Explicação. — Já te não amo! Palavra terrível. — Que o amor verdadeiro não é cego. — Frade no caso outra vez- Ece iterum Cnspinus; cá está o nosso Frei Dinis conosco

— Tu já me não amas, Georgina, tu? — exclamou Carlos depois de uma longa e penosa luta consigo mesmo: — Já me não amas tu, Georgina? Já não sou nada para ti neste mundo? Aquele amor cego, louco, infinito, que derramavas em torrentes sobre a minha alma, em que trasbordava o teu coração; aquele amor que eu cheguei a persuadir-me que era o maior, o mais sincero, talvez o único verdadeiro amor de mulher que ainda houve no mundo, esse amor acabou, Georgina? Secou-se no teu peito a fonte celeste donde manava? Nem as recordações de nossa passada felicidade, nem as memórias dos cruéis lances que nos custou, dos sacrifícios tremendos que por mim fizeste, nada, nada pode acordar na tua alma um eco, um eco sumido que fosse, da antiga harmonia de nossas vidas — da nossa vida, Georgina, porque nós chegamos a confundir num só os dois seres da nossa existência. — Oh! por que vivi eu até este dia? E tu, tu que refinada crueldade te inspirou o salvar uma vida que tinhas condenado, que tinhas sacrificado quando a separaste da tua?
— Carlos respondeu Georgina com a fria mas compassiva piedade que mais o desesperava: — Carlos, não abuses da pouca saúde que ainda tens. O esforço d'alma que estás fazendo pode-te ser prejudicial. Sossega. Tu iludes-te, e sem querer, procuras iludir-me também a mim. Entra em ti, Carlos, e discorramos pausadamente sobre a nossa situação, que não é agradável por certo nem para um nem para outro, mas que pode suportar-se se tivermos juízo para a encarar toda e sem medo, e para nos convencermos com lealdade e franqueza do que ela realmente é. Ouve-me, Carlos: tu amaste-me muito...
— Ó como! o quanto! Nenhum homem...
— Poucos homens, é certo, amaram ainda como tu... quem sabe! talvez nenhum. Não quero perder esta última ilusão... já não tenho outra... Talvez nenhum amou como tu me amaste ou... cuidaste amar-me. Eu... oh! eu quis-te... pelo eterno Deus que me ouve! eu quis-te com uma cegueira de alma, numa singeleza de coração, com um abandono tão completo, uma abnegação tão inteira de mim mesma, que realmente creio, este é o amor que só a Deus se deve, que só ao Criador a criatura pode consagrar licitamente. Bem castigada estou: mereci-o.
— Georgina, Georgina!
— Deixa-me, quero desabafar eu também agora. Ouve-me, tens obrigação de me ouvir. Se te dei provas deste amor, tu o sabes: se desde que te amei, uma palavra, um gesto, um pensamento único, um só e o mais leve relampejar da imaginação desmentiu em mim desta absoluta e exclusiva dedicação de todo o meu ser... dize-o tu.
— Não, minha alma, não, minha vida, não: tu és um anjo. tu és...
— Sou uma mulher que te amava como creio que ordinariamente se não ama.
— Não, certo, não.
— Fomos felizes, é verdade; e creio que poucos amantes ainda foram tão felizes como nós nos breves dias que isto durou. - Tu partiste para a tua ilha; era forçoso partir, conheci-o e resignei-me. Consolavam-me as tuas cartas de fogo, escritas, oh! se o eram! escritas com o mais puro sangue do teu coração. Nunca duvidei do que elas me diziam: não se mente assim, tu não mentias então. E falso que o amor seja cego; o amor vulgar pode sê-lo, amor como o meu, o amor verdadeiro tem olhos de lince: eu bem via que era amada. Nunca me escreveste a protestar fidelidade, e eu sabia, eu via que tu me eras fiel. Assim passaram meses, anos. Na ilha e no Porto foste o mesmo. Eu padecia muito, mas confortava-me, vivia de esperanças... triste viver mas doce! Enfim vieste para Lisboa, para aqui... e as tuas cartas que não eram menos ternas nem menos apaixonadas...
— Se eu nunca deixei, nem um momento...

Com um gesto expressivo, e de suave mas resoluta denegação, Georgina pôs a mão na boca do pobre Carlos, como para o impedir de dizer uma blasfêmia. Ele segurou-a com as suas ambas e lha beijou mil vezes com um arrebatamento, uma fúria, num paroxismo de lágrimas e de soluços, que partiriam o coração ao mais indiferente. Comoveu-se, vacilou a inalterável rigidez do belo rosto da dama, abaixaram-se as longas pálpebras de seus olhos; mas se chegou até eles alguma lágrima mais rebelde, pronta refluiu para o coração, porque ao levantá-los outra vez e ao fixá-los tranqüilamente nos do seu amante, aqueles olhos puros, celestes e austeros como os de um anjo ofendido, estavam secos.

Ela continuou:

— As tuas cartas, que não eram menos ternas nem menos apaixonadas, começaram todavia a ser menos naturais, mais encarecidas... eram menos verdadeiras por força. Senti-o, vi-o, e cuidei morrer. Uma família da minha amizade vinha então para Portugal, acompanhei-a. Apenas cheguei, procurei e obtive os meios seguros de transitar pelos dois campos contendores: pressagiava-me o coração que me havia de ser preciso. E foi; cheguei ao vale no dia em que tu o deixavas para aquela fatal ação que te ia custando a vida. Vim-te encontrar prisioneiro e meio morto no hospital dos feridos. Ao pé de ti estava um frade.
— Um frade! Meu Deus! seria ele?
— Era ele.
— Pois tu sabes?...
— Sei! eu disse-lhe quem era e o que tu me eras...
— Tu a ele... disseste?...
— Disse. Não sei se fiz mal ou bem, sei que me não importava o que fazia. Vi depois que me não enganara na confiança que pusera nele. Trouxemos-te para este convento, tratamos de ti, conseguimos salvar-te a vida... E enquanto esse cuidado me livrava de outros fui... fui feliz. A tua gente... a tua família do vale também veio para Santarém... tua avó e tua prima, Carlos...
— Joaninha! Joaninha está aqui?
— Está; sossega: e já to disse, logo a veras.
— Eu! Eu para quê? Eu não quero...
— Quero eu: hás de vê-la. Já sabes que sei tudo.
— Tudo o quê, Georgina?
— Queres que to repita? Repetirei. Que tu amas tua prima que ela te adora. E por Deus, Carlos, eu já lhe quero como se fora minha irmã. Entendes bem que te não amo? Compreendes agora que tudo acabou entre nós, e que não vejo, não posso ver em ti já senão o esposo, o marido da inocente criança que tomei debaixo da minha proteção, e a quem juro que hás de pertencer tu?
— Juras falso.
— Como assim! Pois queres mais vitimas? Não estás satisfeito com

a minha ruma? Eu ao menos não sou do teu sangue. E essa velha decrépita que é tua avó, que duas vezes foi em verdade tua mãe porque te criou — essa inocente que te ama na singeleza do seu coração...e esse pobre frade velho...

— Oh! aqui anda ele, bem o vejo, aqui anda o gênio mau da minha família. Maldito sejas tu, frade!

O desgraçado não acabara bem de pronunciar estas palavras, quando a porta da alcova se abriu de par em par, e a rígida, ascética figura de Frei Dinis estava diante dele.

Submited by

sábado, abril 11, 2009 - 18:24

Poesia Consagrada :

No votes yet

AlmeidaGarrett

imagem de AlmeidaGarrett
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 13 anos 19 semanas
Membro desde: 04/11/2009
Conteúdos:
Pontos: 279

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AlmeidaGarrett

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Fotos/ - Almeida Garrett 0 1.333 11/23/2010 - 23:37 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLVII 0 679 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLVIII 0 670 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLIX 0 848 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXV 0 769 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXVI 0 691 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXVII 0 731 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXIX 0 728 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XL 0 679 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLI 0 722 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLII 0 700 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLIII 0 615 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLIV 0 654 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLV 0 718 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XLVI 0 677 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXV 0 625 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXVI 0 630 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXVII 0 728 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXVIII 0 750 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXIX 0 796 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXX 0 703 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXI 0 767 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXII 0 682 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXIII 0 711 11/19/2010 - 15:52 Português
Poesia Consagrada/Conto Viagens na Minha Terra - XXXIV 0 710 11/19/2010 - 15:52 Português