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William Shakespeare : O Mercador de Veneza – Ato II - Cena IX

Cena IX

(Belmonte. Um quarto em casa de Pórcia. Entra Nerissa, com um criado.)

Nerissa
Corre a cortina logo; bem depressa. Já prestou o juramento o nobre Príncipe de Aragão, que aí vem fazer a escolha.

(Toque de cornetas. Entram o Príncipe de Aragão. Pórcia e os respectivos séquitos.)

Pórcia
Nobre príncipe, os cofres aqui se acham. Se o que me contiver for o escolhido, no mesmo instante nosso casamento será solenizado. Mas se acaso vierdes a errar, senhor, é necessário partirdes logo, sem dizer palavra.

Aragão
A observar me obriguei, por juramento, tais condições. Primeira: em nenhum tempo revelar a ninguém qual foi o cofre por que me decidi. Depois, no caso de errar na escolha, nunca, em toda a vida, pedir em casamento dama alguma. Por último: se favorável não me for a sorte, deixar-vos logo e me afastar depressa.

Pórcia
As condições são essas, para quantos queiram ganhar minha pessoa indigna.

Aragão
Assim me preparei para o certame. Possa a Fortuna coroar-me o anelo. Ouro, prata e o vil chumbo. Que diz este? "Quem me escolher, arrisca e dá o que tem." Sem que mais belo fiques, nada arrisco nem dou por tua causa. E o cofre de ouro? "Quem me escolher, ganha o que muitos querem." Hum! O que muitos querem... Esse "muitos" pode significar a turba ignara que escolhe apenas pelas aparências e só conhece o que o olho estulto ensina, que ao âmago não desce, mas tal como a andorinha constrói o ninho ao tempo, sobre o muro de fora, justamente no meio do perigo e ao seu alcance. O que muitos desejam não me agrada, pois não quero igualar-me a todo o mundo, nem confundido ser com o povo bárbaro. Agora é a tua vez, cava argentina, de me dizeres o que dentro encerras. "Quem me escolher, ganha o que bem merece." Muito bem dito. Quem se aventurara em busca de fortuna e de honrarias, se não fosse marcado pelo mérito? Ninguém tenha a ousadia de arrogar-se honras imerecidas. Se os estados, ofícios, posições não fossem dados por maneira corrupta, e as honrarias só fossem conquistadas pelo mérito, quantas pessoas que andam descobertas, a cabeça cobriram! Quanta gente que hoje é mandada, assumiria o mando! Quantos campônios baixos brilhariam na sementeira da honra, e quantas honras das palhas arrancadas se veriam e da ruína do tempo, para brilho de novo receber? É a minha escolha? "Quem me escolher, ganha o que bem merece." Vou ganhar o que é meu. Trazei-me a chave, que minha sorte descerrar desejo.

(Abre o cofre de prata.)

Pórcia
A demora foi longa para o achado.

Aragão
Mas, que vejo? A figura de um idiota que me pisca e um papel quer entregar-me. Vou ver o que contém. A que distância tu te encontras de Pórcia! A que distância de meu mérito e minhas esperanças! "Quem me escolher, ganha o que bem merece." Só mereço a cabeça de um idiota? Esse é todo o meu prêmio? Não alcança mais longe, então, o meu merecimento?

Pórcia
Errar e dar sentença são ofícios bem distintos, de opostas naturezas.

Aragão
Que contém isto? Fui sete vezes fundido. Sete vezes aferido deve ser quem o apelido não quiser de intrometido. Quem beija sombra de dia, terá sombra de alegria. Bobos há, cuja alarvia com a prata se concilia. A noiva tão procurada só por mim vos será dada. Saí, senhor de fachada, que aqui não vos retém nada. Devo tratar de ir embora, que mais bobo, de hora em hora, vou ficando desde agora. De bobo tinha a cabeça; com duas, não aconteça que a tolice ainda mais cresça. Adeus, querida; hei de a jura confirmar na desventura.

(Sai Aragão com seu séquito.)

Pórcia
Queimou a vela a borboleta obscura. Felizmente estes bobos têm a dita de só escolher a sorte já prescrita.

Nerissa
O velho dito aqui tem cabimento: "Do céu vem a mortalha e o casamento."

Pórcia
Vamos, Nerissa; corre essa cortina.

(Entra um criado.)

Criado
A senhora, onde está?

Pórcia
Aqui, senhor; que deseja meu amo?

Criado
Um veneziano moço acaba de apear à vossa porta, para anunciar a vinda de seu amo, de quem traz saudações muito expressivas, isto é, além de frases mui corteses e recomendações, ricos presentes. Mensageiro do amor, assim gracioso, nunca até agora eu vira. Nenhum dia de abril nos vem dizer tão docemente que o admirável verão já se aproxima, como este anunciador faz para o amo.

Pórcia
Basta, por obséquio. Tenho medo de que me digas que ele é teu parente, tal a porção de espírito festivo que em seu louvor esbanjas. Vem, Nerissa; já me tarda ver esse mensageiro de Cupido, que vem tão prazenteiro.

Nerissa
Fosse Bassânio, Amor, o teu archeiro!

(Saem.)

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quinta-feira, maio 7, 2009 - 21:56

Poesia Consagrada :

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