AQUARELA

Lembranças de idos tempos passados,
Das balas de puxa em minha juventude.
O candor d’aurora inda é o mesmo,
Mas reflete nos passos minha inquietude.

Daquela época tão distante e próxima,
Restou ao vento, como véu na janela,
Resquício inda tão colorido e inútil,
Como os tinteiros secos de aquarela.

Mas outrora tão vivos, será que foi ontem?
Lambuzei os dedos e brinquei de ciranda,
De fome corri p’ra apanhar uma fruta,
Pobre do dono daquela quitanda!

Pobre de mim com o passado tão vivo.
Envolve-me angústia e no lamento me enluto,
Capote pesado que a alma sustenta,
Presente choroso e passado insepulto.

Mas o véu, tão leve, há de soltar-se.
Presos num resquício, numa só tramela,
As balas de puxa, as frutas e a ciranda,
Renascem noutra forma, em outra viva aquarela.