Despedida ao Nascer do Sol

Madrugada, ainda escuro,
Sem do galo ouvir cantar,
Ao espelho a mim procuro,
Meu casaco, a farpela ajeitar.

Nervoso ao nosso reencontro,
O nosso tempo vincado,
No passado em ti encontro,
Beijo adiado… marcado.

Fui a pé, a passo melado,
Contando um e outro passo,
Cada tempo descontado,
A relembrar-te em compasso.

Queria o ar da noite apurar,
Massajar o meu olhar,
A decência temperar,
Abrilhar-me! …
Da graça d’ um ar.

Voltei à idade de crescer!
À beira do riu… Tu rias…
Mesmo antes de o sol nascer,
Onde atadas, laçadas, nossas... Alegorias.

Estavas lá para mim! …
Eu acanhado, repleto de saudade,
Abracei-te como nunca,
Amei-te tanto! E sem dar de mim…
Daquela nossa idade - Ah…

Sentámo-nos lado a lado,
Juntinhos, aconchegados.
Apertado, enroscado, enrolado,
O meu amor por ti…
De tanto apertar, enrodilhado!

Ficámos em silêncio…
Assim… juntos no corpo,
Um no outro, nem um pio!

Olhámo-nos…

Lembras-te?

O tempo brindava-mos,
Na rua deitados…
Em lençóis de crisântemos.
Derretia-mos arco-íris,
Bebíamo-los com vigor,
Quando em idades viris!
De entre nos uma ardência… Um fulgor.

O sol adivinha, desponta,
E espreita…
O dia rompe e apronta,
Olha-te mais uma vez,
A última deita…
Na tua alegre tez.

Melodizado despertar,
Ouvir das crianças,
Nos ninhos acordar,
O canto das garças.

O tempo morreu,
O sol já nasceu,
Da despedida,
É hora… a ida!

Roubado um beijo Saudado,
Um último abraça-me! Ofertado.

E vejo-te… Abalar sem idade,
Já ida… A minha mocidade!

Pedro Martins