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Foi só quando me deixaste
foi só quando me deixaste: por não ter mais chão é que pude construir o meu chão e a minha pátria, encontrar a saída do labirinto por onde vagava, entender que labirinto era o teu nome. porque na tua geografia eu perdia-me e eternamente perdido no teu encanto, não me permitia enxergar outros caminhos e outros encantos. porque o teu abraço acorrentava-me docemente e só quando deixei de tê-lo foi possível transpor fronteiras, alcançar outros horizontes além daqueles por ti decretados. porque a tua voz era o canto a atrair o incauto navegante para o abismo das águas e me contava coisas em que só eu acreditava. porque os teus gemidos me penetravam a carne suplantando o ruído do mundo, dentro da noite que eu supunha ser eterna. porque os teus cabelos falavam o idioma das minhas mãos, que acreditavam serem ouvidas. porque eu estava certo de que não poderia entregar-me a mais ninguém sem que para isto tivesse que me trair a mim mesmo e que também não poderias jamais ser de outro, a não ser que de ti eu desertasse e me tornasse apátrida. foi só quando me deixaste, por mais estranho que pudesse parecer, pude ver toda a estranheza de que eu era feito.
Poema do livro Crônicas do Amor Impossível
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