CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Idade Madura (Carlos Drummond de Andrade)

   
As lições da infância
desaprendidas na idade madura.
Já não quero palavras, nem delas careço.
Tenho todos os elementos
Ao alcance do braço.
Todas as frutas
e consentimentos.
Nenhum desejo débil.
Nem mesmo sinto falta
do que me completa e é quase sempre melancólico.
Estou solto no mundo largo.
Lúcido cavalo
com substância de anjo
circula através de mim.
Sou varado pela noite, atravesso os lagos frios,
Absorvo epopéia e carne,
bebo tudo,
desfaço tudo,
torno a criar, a esquecer-me:
Durmo agora, recomeço ontem.

De longe, vieram chamar-me.
Havia fogo na mata.
Nada pude fazer,
nem tinha vontade.
Toda a água que possuía
irrigava jardins particulares
De atletas retirados, freiras surdas, funcionários demitidos.

Nisso, vieram os pássaros,
rubros sufocados, sem canto,
e pousaram a esmo.
Todos se transformaram em pedra.
Já não sinto piedade.

Antes de mim outros poetas,
depois de mim outros e outros
estão cantando a morte e a prisão.
Moças fatigadas se entregam, soldados se matam
No centro da cidade vencida.
Resisto e penso
numa terra enfim despojada de plantas inúteis,
num país extraordinariamente, nu e terno,
qualquer coisa de melodioso,
não obstante mudo,
além dos desertos onde passam tropas, dos morros
onde alguém colocou bandeiras com enigmas,
e resolvo embriagar-me.

Já não dirão que estou resignado
e perdi os melhores dias.
Dentro de mim, bem no fundo,
Há reservas colossais de tempo,
Futuro, pós-futuro, pretérito,
Há domingos, regatas, procissões,
Há mitos proletários, condutos subterrâneos,
Janelas em febre, massas da água salgada, meditação e sarcasmo.

Ninguém me fará calar, gritarei sempre
que se abafe um prazer, apontarei os desanimados,
negociarei em voz baixa com os conspiradores,
transmitirei recados que não se ousa dar nem receber,
serei, no circo, o palhaço,
serei, médico, faca de pão, remédio, toalha,
serei bonde, barco, loja de calçados, igreja, enxovia,
serei as coisas mais ordinárias e humanas, e também as excepcionais:
tudo depende da hora
e de certa inclinação feérica,
viva em mim qual um inseto.

Idade madura em olhos, receitas e pés, ela me invade
com sua maré de ciências afinal superadas.
Posso desprezar ou querer os institutos, as lendas,
descobri na pele certos sinais que aos vinte anos não via.

Eles dizem o caminho,
embora também se acovardem
em face a tanta claridade roubada ao tempo.
Mas eu sigo, cada vez menos solitário,
em ruas extremamente dispersas,
transito no canto homem ou da máquina que roda,
aborreço-me de tanta riqueza, jogo-a toda por um número de casa,
e ganho.

Carlos Drummond de Andrade.

 

Submited by

terça-feira, novembro 1, 2011 - 12:02

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 30 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Intervenção A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 8.928 07/03/2014 - 01:55 Português
Poesia/Intervenção Coração avariado 1 4.152 06/25/2014 - 02:09 Português
Poesia/Fantasia Flores bonecas 2 2.714 06/24/2014 - 19:14 Português
Poesia/Intervenção Caminho de San Tiago 0 3.518 06/23/2014 - 23:31 Português
Poesia/Soneto Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 4.061 06/20/2014 - 20:04 Português
Poesia/Soneto Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 3.860 06/19/2014 - 22:27 Português
Poesia/Meditação Sonhe (Clarice Lispector) 1 4.426 06/19/2014 - 22:00 Português
Poesia/Intervenção Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 3.853 06/19/2014 - 21:44 Português
Poesia/Intervenção Precisão (Clarice Lispector) 0 4.238 06/19/2014 - 21:35 Português
Poesia/Meditação Pão dormido, choro contido 1 2.755 06/13/2014 - 03:02 Português
Poesia/Fantasia A dívida 1 3.198 06/12/2014 - 03:52 Português
Poesia/Intervenção Eco das Ruas 1 1.991 06/12/2014 - 03:38 Português
Poesia/Aforismo Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 3.159 06/11/2014 - 10:22 Português
Poesia/Aforismo O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 5.481 06/11/2014 - 10:19 Português
Poesia/Intervenção Espera... (Florbela Espanca) 0 2.296 03/06/2014 - 10:42 Português
Poesia/Intervenção Interrogação (Florbela Espanca) 0 3.418 03/06/2014 - 10:36 Português
Poesia/Intervenção Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 2.237 03/06/2014 - 10:32 Português
Poesia/Soneto Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 2.214 03/03/2014 - 12:16 Português
Poesia/Dedicado Arte poética (Juan Gelman) 0 2.870 01/17/2014 - 22:32 Português
Poesia/Dedicado A palavra em armas (Rubén Vela) 0 2.210 01/17/2014 - 22:01 Português
Poesia/Fantasia A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 2.002 12/20/2013 - 11:00 Português
Poesia/Dedicado Aqueles olhos sábios 0 3.100 10/27/2013 - 20:47 Português
Poesia/Pensamentos Asteróides 0 2.322 10/27/2013 - 20:46 Português
Poesia/Pensamentos O que se re-funda não se finda 0 2.587 10/27/2013 - 20:44 Português
Poesia/Intervenção Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 2.665 10/15/2013 - 23:14 Português