CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Os barcos (Thiago de Mello)

Os barcos nascem como nascem dores.
E chegam como pássaros ao céu,
como flores do chão. São mensageiros.
Vêm na crista dos astros, vêm de ventres
por onde rolam rastros de cantigas
de antigas barcarolas estaleiras.
Trazem na proa audácias e esperanças,
as cismas e os assombros nos porões.

A mão que os faz, humana, os não perfaz,
apenas segue, tímida, ao comando
de vozes nascituras que lhe chegam
da boca dos martelos e das ripas.
A si mesmos se fazem, pelo mando
de voz sem boca: os barcos são auroras.
Despejam-se na foz de águas escuras.
Contudo, chegam sempre de manhã.

Chegam antes, alguns. Outros são póstumos.
Há os que não chegam nunca: naufragaram
nas primícias do rio. Tantos mastros
se vergam na chegada, outros se racham.
Partem-se popas, lemes, em pelejas
imaginárias contra calmarias.
Uns são velozes, zarpam mal-chegados,
outros são lerdos, de hélices sem sonhos.

Há barcaças nascidas para as idas
ao oco dos mistérios, há as que trazem
lendas futuras presas ao convés,
as que guardam nos remos os roteiros
de grandes descobertas e as que vêm
para vingar galeras soçobradas.
Há as que já chegam velhas, sem navego.

O mar, sempre desperto, espreita e espera
a todos, e de todos se acrescenta.
Para barcos se fez o mar amargo
e fundo, sobretudo se fez verde.
O mar nem sempre os quer. O mar se tranca
frequentemente a barcos, e os roteiros
marítimos se encantam em lajedos,
estraçalhando quilhas e calados.

O coração das caravelas viaja
desfraldado nos mastros, invisível
bandeira também bússola. Altaneiro,
ele surpreende, quando manso, as rotas
que se desenham longes sobre o mar.
Sextante é o coração, que escuta estrelas,
que antes de erguer as âncoras demora-se
em concílio amoroso com os ventos.

O coração comanda. Manda e segue.
E, à sua voz, os barcos obedecem
e avançam, confiantes, pois dos mastros
as velas vão surgindo, vão crescendo
como cresce uma folha de palmeira,
às manobras da brisa sempre dóceis.
De caminhos de barcos sabe o mar.
Os ventos é que sabem dos destinos.


©Thiago de Mello
In, Poemas Preferidos
pelo autor e seus leitores, 2001
(Do Livro: Tenebrosa Acqua,1954)
Editora Bertrand Brasil Ltda
Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Submited by

segunda-feira, julho 11, 2011 - 12:51

Poesia :

No votes yet

AjAraujo

imagem de AjAraujo
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 6 anos 26 semanas
Membro desde: 10/29/2009
Conteúdos:
Pontos: 15584

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of AjAraujo

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Intervenção A uma mendiga ruiva (Charles Baudelaire) 0 8.432 07/03/2014 - 01:55 Português
Poesia/Intervenção Coração avariado 1 3.998 06/25/2014 - 02:09 Português
Poesia/Fantasia Flores bonecas 2 2.588 06/24/2014 - 19:14 Português
Poesia/Intervenção Caminho de San Tiago 0 3.379 06/23/2014 - 23:31 Português
Poesia/Soneto Há em toda a beleza uma amargura (Walter Benjamin) 1 3.929 06/20/2014 - 20:04 Português
Poesia/Soneto Vibra o passado em tudo o que palpita (Walter Benjamin) 1 3.529 06/19/2014 - 22:27 Português
Poesia/Meditação Sonhe (Clarice Lispector) 1 4.183 06/19/2014 - 22:00 Português
Poesia/Intervenção Dá-me a tua mão (Clarice Lispector) 0 3.648 06/19/2014 - 21:44 Português
Poesia/Intervenção Precisão (Clarice Lispector) 0 3.849 06/19/2014 - 21:35 Português
Poesia/Meditação Pão dormido, choro contido 1 2.597 06/13/2014 - 03:02 Português
Poesia/Fantasia A dívida 1 3.117 06/12/2014 - 03:52 Português
Poesia/Intervenção Eco das Ruas 1 1.894 06/12/2014 - 03:38 Português
Poesia/Aforismo Maneiras de lutar (Rubén Vela) 2 2.962 06/11/2014 - 10:22 Português
Poesia/Aforismo O médico cubano, o charuto e o arroto tupiniquim (cordel) 2 5.097 06/11/2014 - 10:19 Português
Poesia/Intervenção Espera... (Florbela Espanca) 0 2.172 03/06/2014 - 10:42 Português
Poesia/Intervenção Interrogação (Florbela Espanca) 0 3.249 03/06/2014 - 10:36 Português
Poesia/Intervenção Alma a sangrar (Florbela Espanca) 0 2.104 03/06/2014 - 10:32 Português
Poesia/Soneto Vê minha vida à luz da proteção (Walter Benjamin) 0 2.084 03/03/2014 - 12:16 Português
Poesia/Dedicado Arte poética (Juan Gelman) 0 2.696 01/17/2014 - 22:32 Português
Poesia/Dedicado A palavra em armas (Rubén Vela) 0 2.045 01/17/2014 - 22:01 Português
Poesia/Fantasia A ÁRVORE DE NATAL NA CASA DE CRISTO (FIODOR DOSTOIÉVSKI) 0 1.843 12/20/2013 - 11:00 Português
Poesia/Dedicado Aqueles olhos sábios 0 2.847 10/27/2013 - 20:47 Português
Poesia/Pensamentos Asteróides 0 2.217 10/27/2013 - 20:46 Português
Poesia/Pensamentos O que se re-funda não se finda 0 2.459 10/27/2013 - 20:44 Português
Poesia/Intervenção Para mim mesmo ergui…(Aleksander Pushkin) 0 2.551 10/15/2013 - 23:14 Português