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AH, BONS TEMPOS!
Distante...
Lá estava a menina com o pensamento perdido. Seu mundo era pura ficção, fantasiava lugares paradisíacos, viagens impossíveis, em terras mais distantes que seus pensamentos...
Personagens inventados pela sua cabecinha imaginativa: seres de pura luz, e alguns folclóricos, outros mitológicos: sereias, centauros, deuses do Olimpo...
Ela se imaginava uma feiticeira, ou um gênio saído de uma lâmpada, com poderes especiais que poderia deixar quem quisesse feliz, com apenas uma piscada de seus olhos... Como via em séries de Tv, da época...
Ela percorria o caminho até Campo Grande, no RJ, pensando tudo isso, porque era bem longe de sua casa, e a viagem dava para imaginar e imaginar cada vez mais coisas...
Iria visitar o padrinho de seu pai: Ele já era bem velhinho, tinha lá seus 80 anos, para a geração dos idosos da terceira idade atual, isso não representa nada, porque eles estão em plena forma, mas naquela época, velho, era velho mesmo...
A imagem do idoso, era aquela de estar sentado na varanda de sua casa, lendo um jornal, e a companheira de muitos anos, fazendo tricô ou crochê em uma cadeira de balanço ao seu lado...
E era dessa forma que eles encontraram o casal de velhinhos... Na varanda da casa, aguardavam a chegada da família visitante...
Quando o sino bateu, o padrinho do pai dela, veio abrir o portão de madeira baixinho, que mais parecia de casa de anão... Foi isso que a menina pensou rapidamente...
Se abraçaram e deram beijos nos rostos, em saudação amistosa.
Entraram no lindo quintal, bem cuidado pelas mãos de D. Albertina e de "Seu Djalma"...
ELES TINHAM DOIS FILHOS, E QUATRO NETOS, QUE LÁ NÃO APARECIAM PRATICAMENTE NUNCA, SÓ O PAI DA MENINA VINHA VISITÁ-LOS.
Afinal os laços entre padrinhos e afilhados, eram muitos fortes naquela época, estamos falando do final dos anos 60 e começo dos anos 70, onde a sociedade era mais unida e os laços de ternura eram visivelmente mais estreitos...
Para falar a verdade, era mais que isso: era coisa de muitas histórias paralelas que seu avô viveu na Marinha Mercante, com o padrinho de seu pai, o velho Djalma...
Essas aventuras dos dois marinheiros jovens na época, eram contadas para o pai da menina, desde muito novo, o que gerou uma admiração ao seu padrinho, tão ligado aquela família.
Era natural que já que os parentes próximos do "Seu Djalma" não vinham visitá-lo, o afilhado, pai da menina, tido como uma segunda família, fosse realizar as visitas, várias vezes durante o ano...
E lá estavam: Observando as árvores frutíferas do extenso quintal, e o jardim, além de alguns patos que estavam em um lago artificial, feito pelo dono da casa...
D. Albertina covidou-os para adentrar a pequena sala, onde em uma mesa, poderiam ser vistos porta retratos com seus filhos e netos separadamente.
A menina observava cada detalhe que lhe passou despercebido desde a visita anterior...
Os braços das poltronas estavam cobertos com toalhas de crochê, alvas, mas com suave toque de anil. Era muito usado nqueles tempos o anil, para dar um toque e "nuvem do céu" nas toalhas e afins...
A conversa entre os adultos continuava, e o pai da menina, não deixava de expressar a sua preocupação com o fato dos idosos estarem ali, em um bairro tão longe, afastado do centro do RJ, com a idade já pesando, era realmente muito difícil a chegada do socorro, caso exigisse um momento de resgate...
Estamos falando de um tempo em que Campo Grande, não passava de ruas de chão barrento, e chácaras onde leiteiros com suas vacas, passavam na porta das casas vendendo leite, coalhada e queijo...
As lojas eram poucas, as chamadas "tripeiras" vendiam carne de porco e miúdos de boi, e existiam alfaiates, tintureiros e sapateiros, nas esquinas...
Profissões, que hoje em dia, quase não vemos por aí... Outro tempo, outra realidade...
Sentaram-se à mesa para o almoço tradicional de domingo: Carne assada, com batatas "coradas", macarrão, arroz, feijão preto, farofa e frango assado...
De sobremesa, teria certamente uma compota de frutas, que era a especialidade de D. Albertina.
Da vez anterior, o doce servido, era de figo, e a menina não comeu, ela gostava mesmo era de compota de goiaba, doce de abóbora com coco, ou ainda, de ambrosia...
Depois disso o café... Ah, isso era realmente, o melhor! Desde muito pequenina, a menina já era "viciada" em café! Não podia passar um dia, sem tomar um cafezinho... Sentia até dores de cabeça, se não tomasse, tal a sua dependência pela cafeína...
Foram para a varanda dos fundos conversar mais um pouco, e ficou tratado que o afilhado do casal de velhinhos, o pai da menina, iria procurar um retiro para que eles ficassem, bem mais perto do centro do RJ... Onde seriam visitados todos os fins de semana, e seriam monitorados por enfermeiros e médicos da instituição...
Além é claro, da integração social desse lugar, com mais pessoas de igual idade para conversarem e distrair as mágoas do passado...
O lugar oferecia um teatro, onde os próprios idosos eram os atores e atrizes, além de atividades de xadrez, carteado para os vovôs e crochê e tricô para as vovós...
No Natal, faziam um evento muito bonito ali: Unindo as famílias dos idosos, em uma ceia, tendo muitas atividades realizadas por eles, como o coral natalino, por exemplo...
Tudo acertado nos menores detalhes.
Assim foi concluída a mudança dos velhinhos, para o asilo no Caju, com um intervalo de dois anos, entre a conversa daquele dia, até a chegada deles no retiro.
Os filhos deles teriam que aceitar a proposta, e no início foram relutantes, mesmo não sendo presentes na vida dos idosos... Mas com o tempo viram que essa era mesmo a melhor solução, ali estariam bem cuidados e teriam assistência médica imediata.
Durante muitos anos, a menina e sua família, ainda visitaram o casal no tal asilo, e os velhinhos duraram bastante...
D. Albertina, se foi primeiro, e depois de mais uns três anos, o "Seu Djalma" se foi também...
O compromisso agora estava acabado...
Mas a menina agora, mulher de mais de quarenta anos, sente saudades daqueles momentos em Campo Grande, com todas aquelas coisas que não se vê mais... A nostalgia é sua companheira...
A menina de antes, é essa escritora que aqui narra.
FÁTIMA ABREU
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