Ao Espelho

- Hoje cheguei primeiro. Jantei cedo e vim. Esperei por ti na varanda da minha casa. Estava escuro e preferi vir até aqui. Há mais luz e os teus olhos não ficam cansados por via da escuridão.

- Mas eu disse-te que vinha e aqui estou. Sempre com essas dúvidas nos olhos, nos teus olhos. Não deves ficar assim ansiosa. Sabes que não podes. Já fizeste os exames médicos?

- Sim eu sei. Gostava que os meus olhos fossem brancos como os teus. Lembro-me sempre das tulipas brancas quando em ti me deito. Fico ali acordada a olhar o tecto que também é branco e penso em ti. Então, fecho os olhos e tento encontrar-te naquele círculo luminoso. È quase branco, mas com vários tons a saltarem-me fora dos olhos. Sabes que há noites que me parecem dias? Por isso não quero fazer os exames médicos. Eles tiram-me esta percepção das coisas. Das nossas coisas, simples e belas…

- Mas para te concentrares em ti, no teu corpo, terás que saber mais de mim. Eu estou aqui sempre, mas tu nem sempre me vês. Será que mudaram também a cor dos meus olhos? Olha bem para mim. Não, assim não. Ao espelho. Só assim, poderás ver-me. Já te ensinei. Lembras, quando encostamos as nossas cabeças e ficamos ali a olhar-nos de frente? Pois é, mas como sempre as tuas ocupações têm-te, que me esqueces, quando não lembras de te olhar no espelho.

- Mas ali a luminosidade das partículas, fere-me a vista e pestanejo. Pestanejo sem conseguir parar e dói, sabes que dói. Gostava de poder ver-te às escuras. Sabes como quando fecho os olhos? É mais fácil. Ali as vistas são muitas e de várias cores, mas não te vejo nunca o branco dos olhos e tem noites que adormeço e quando acordo, fico sem saber de nós, nem do tempo, nem das horas e nem do espaço que ocupo. Nada! Um nada absoluto que me deixa tonta.

- Terei que te lembrar que o branco dos olhos, é uma forma de te dizer das coisas simples e belas que criamos só para nós. Há um mundo há espera de luz, de muita luz para ficarem todas as tulipas brancas. Eu omiti-te que também há tulipas de outras cores. Mas não me culpo pela mentira, que foi somente para te poder falar que há outras cores no mundo. Já olhaste bem para ti? Qual a cor que escolheste para o teu dia? A propósito, que cor é essa, que escolheste para te cobrir o corpo, que ao que parece, os meus olhos não decifram? Penso que também devo estar a precisar de exames, não desses teus, mas dos meus. Tu sabes!

- Bem me pareceu que o branco dos teus olhos não podia abarcar uma só cor. O branco sei-o eu porque já aprendi, serve para alterar todas as outras, baixando o tom. Por exemplo, se o misturarmos ao azul do céu em hora nocturna, resulta a cor do céu em hora diurna. Agora preciso ir. Doem-me os olhos, de olhar os teus olhos. Vou dormir. Queres ir comigo, dormir com os meus olhos. Amanhã iremos saber das outras cores.

- Sim desta vez vou, para cuidar do teu sono e levar-te a outros sonhos, enquanto ficam azuis os nossos olhos. Da cor do céu.
Não esqueças que eu resulto de um modo de dizer as coisas simples e belas…

Epifania & Ainafipe