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Batalha Campal
Batalha Campal Lucio Sarmento
O dia estava propício para uma grande decisão. A torcida se aglomerava pela orla do campo. Assim que pisamos no gramado, fomos calorosamente saudados pelos torcedores:
- Filhos da p...! Papa bagres!
Outros, menos amistosos, anunciavam:
- Vamos quebrar! Vamos esfolar!
Um calafrio correu pela minha espinha. O estrondo dos fogos de artifício anunciou a entrada do time adversário. Enfrentaríamos os donos da casa, na grande final.
- Cuidado com a canela! – avisou o Ari.
- Deus me proteja! – fiz o sinal da cruz.
O jogo era entre o Canarinho, o meu time, e o Santa Cruz do Caldeirão. Seria a decisão do torneio de futebol da festa do círio da Beirada.
O árbitro, senhor de uns sessenta anos de idade, franzino e morador daquela localidade, é claro, chamou os times para o meio do gramado. A torcida estava frenética. A mulherada ria, gritava e não parava de xingar.
Eu era o técnico e o atacante do Canarinho Esporte Clube:
- Eles vêm pra cima da gente. Vamos pegá-los no contra-ataque. – avisei o time.
Mal o pontapé inicial foi dado, começaram os pontapés dado nos meus jogadores. Antes dos quinze primeiros minutos eu já tinha dois jogadores contundidos.
Pág. 37
- Minha nossa! Vamos ser massacrados! – disse o Danico.
- Vamos tocar a bola! Ninguém fica por muito tempo com ela, ou vai levar bicuda – instruí.
Assim foi feito. Na base do toque fomos envolvendo os adversários e escapando dos cacetes. Aos vinte e dois minutos, recebi a bola em boas condições. Dominei no peito, invadi a área e chutei. Não foi assim nenhum chute à La Zico, mas deu pro gasto. Chutei mais grama do que bola, mas contei com a ajuda do goleiro que, de goleiro, só tinha a pavulagem. A bola passou entre suas pernas e foi morrer no fundo do barbante. Quando comemorávamos o gol, fomos brindados com uma saraivada de pedras e paus. Reclamei ao árbitro e recebi um cartão amarelo. Numa cobrança de falta fizemos o segundo gol e os ânimos se acirraram. O primeiro tempo acabou e fomos salvos pelo gongo.
Durante os cinco minutos de intervalo, só não fomos agredidos, por intervenção dos dois únicos soldados da polícia militar que faziam a segurança do Beiradão (nome do campo).
- Acho que a gente tem que perder. – falou o Zé Mário massageando um nó bem no meio da canela.
- Senão, teremos que nadar até Soure. Constatou o Armando.
- Nada disso! Já levamos muitos chutes pra chegarmos até aqui! Falta só mais trinta minutos.
O jogo recomeçou. Recomeçaram, também, os chutes e safanões. A bola foi lançada na área. Um atacante subiu para cabecear. O cara parecia um armário. Cabeceia a bola e o goleiro para o fundo da rede. O árbitro apita e
*Papa-bagre: apelido dos habitantes do município de Soure, Arquipélago de Marajó, estado do Pará.
*Bicuda: chute dado com a ponta do pé.
Pág. 38
marca o gol do Santa Cruz. De nada adiantaram os nossos protestos.
A bola passou a ser disputada ferozmente. Em certo momento, ela
saiu pela lateral do campo. Perguntei de quem era o lance.
- É nosso! – respondeu o árbitro.
Aquela resposta me deu a exata noção do que estava acontecendo. O árbitro só estava beneficiando o time da casa. Os minutos pareciam intermináveis. Nosso time, para piorar, não podia mais jogar pelas laterais. A mulherada se armava com galhos e tentava atingir a quem se aventurasse correr pelas beiras do campo. A situação era desesperadora. Zequinha caiu sem poder respirar. Havia recebido uma verdadeira trombada. O árbitro resolveu, finalmente, marcar uma falta a nosso favor. Coitado. Os jogadores quase o esmurraram. A torcida não perdoou sua pobre genitora.
- Que é que foi? – gritou um.
- “Farta!” – disse o pseudo-árbitro.
- Que nada! – berrou outro.
- Foi impressão de barriga! – justificou outro.
E a partida prosseguiu.
- Acho melhor deixarmos que vençam, ou teremos que nadar até nossa casa. – aconselhou o goleiro Alírio.
- Tens razão! Avisa aos outros para afrouxarem a marcação.
A ordem foi recebida com grande alívio. O lance do gol de empate deles foi algo tragicômico. Um bate-e-rebate na nossa área e a bola entrou, com a ajuda, é claro, do nosso goleiro. Esperamos, então, ouvir o apito do árbitro confirmando o tento. Nada. O homem havia sumido. De repente, do meio do mato ele surgiu ajeitando a calça e perguntando:
- Foi gol? Foi gol? Priiiiiiiiiiiiii! – e apitou o gol. Pág. 39
O velho tinha corrido para o mato a se aliviar.
Embora estivéssemos facilitando as investidas dos nossos adversários, a incompetência deles acabou proporcionando o empate.
- Vamos pros “penar”! – avisou o árbitro.
Ele se referia às cobranças de pênalti.
- E agora? – me perguntavam os companheiros.
- Perderemos nas cobranças. – avisei.
Só não contava com uma coisa: a total falta de pontaria deles. Enquanto chutávamos bolas fáceis de defender, os pernas-de-pau mandavam as deles para o mato. Assim foi, até chegar a minha vez. Era a última cobrança. Se eu fizesse o gol, venceríamos. Tomei distância, corri para a bola, fingi escorregar, bati com pouca força e rezei. Maldito goleiro frangueiro! A bola passou de novo por entre suas pernas. E nós tivemos que fazer a travessia do rio Paracauary a nado.
Fim
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Comentários
Re: Batalha Campal
Parabéns pelo belo texto.
Um abraço,
Roberto
Re: Batalha Campal
Olá, Robero,
Em breve estarei enviando novos contos.Obrigado pelo comentário.Abraço.