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A beleza perdida na rua das putas.

Tundra do silêncio entre gentes que se perdem e jamais se encontram apenas no olhar de quem procura.
Noite de breu onde o frio recorta silhuetas sem sombras, onde o brilho se faz pelos olhos felinos dos amantes espalhados nessa rua batida por passos sem rumo.
Mãos que desapertam a roupa enquanto outras apertam a carne de quem desejam, o beijo no corpo e o entrelaçar das línguas, o ofegante riso de quem espera prazer muito em breve.
Paredes caiadas de gente encostada ao cimento e tijolo onde se apoiam os desejos carnais de toda aquela gente que se envolve em brutos embates.

Sem beijos ou afagos, matam-se as fomes de anseio por um gozo barato, mas não gratuito. Perna alçada e calça no chão, sem suspiros ou sinais de paixão, é acalmado o sedento sentido de deleito carnal.

Gemidos ao de leve não irrompem o forte silêncio de uma clandestinidade descoberta, num ar que se desperta carregado de cheiro a tabaco e álcool que afoga a necessidade de calar a consciência.

Lábios que percorrem o corpo e nunca se tocam, olhares que não se cruzam quando os corpos se penetram, mãos frias que agarram sem carinho.

Não é lugar para a paixão, é um sítio onde se satisfazem as vontades básicas sem delícia, um amor comercial como tudo mais o que os acompanha.

Começa a chover levemente, não é o suficiente para lavar a rua dos seus pecados, e os pecados daquelas gentes que se consomem em fogo no meio da calçada da libido.

Não se trocam conversas, bocas cheias embora mudas, sem nada que dizer. Parcos gemidos e suaves esbaforidos de prazer, o roçar dos corpos e demais toques, a chuva que cai, de resto tudo o mais era silêncio.

No meio de todo aquele ambiente onde as almas burlescamente eram símbolos mórbidos e ausentes, debaixo de uma das únicas luzes que funcionavam naquela rua estava sozinha uma rapariga com ar de anjo perdido nos gritos e suplícios de almas perdidas em dor.

A chuva que lhe cai no rosto não deixa perceber se ali se agregavam lágrimas, naquele lindo rosto triste e distante, dava a entender que não pertencia aquele lugar.

De pele morena e lábios ruborizados por um fogo que lhe vem da alma, ao contrário das outras não tinha um olhar vazio, tinha um olhar perdido, totalmente confiante que não deveria fazer parte daquele meio.

A tremer ligeiramente com o frio, procurava qualquer coisa na sua bolsa, talvez cigarros ou o isqueiro. Tirou de lá um espelho, mas talvez já muito fustigada pelo cansaço daquela vida e pelos tremores deixou-o cair no chão, e levou as mãos ao rosto.

Quando se preparava para o levantar do chão molhado e frio, viu uma mão a apanhar o espelho.

Apanhei aquele espelho e dei-lho com um sorriso tímido e gesto brando.

O seu rosto não mudou como esperava, não vislumbrava o mais ténue sorriso, só denotei espanto num rosto ainda mais apreensivo, e da sua boca nem um sopro quanto mais uma palavra.

Voltei a sorrir-lhe e com um leve aceno de cabeça virei costas e voltei a apresar o meu rumo.

Por algum motivo parei, devolvi ao passado os dois ou três passos que tinha dado, voltei-me para a rapariga e disse-lhe.

- Não procures o teu reflexo no espelho, porque não o têm os anjos. Nem tão mais precisam de admirar a sua beleza que dentro do seu ser é tão certa de existir.

- Se te aflige a dúvida de onde é o teu lugar neste mundo, uma coisa tens por certa, não é definitivamente nesta rua.

Acabado o que por impulso tinha de dizer, sorri e voltei a seguir o meu caminho.

- Obrigado. - disse ela.

E num ligeiro olhar por cima do ombro vi que lhe tinha arrancado um sorriso, um dos únicos que tinham sido dados e sentidos naquela rua, onde tinha sempre andado esquecida a mais singela amostra de felicidade.

No dia seguinte como rotina mansa de regresso a casa e por obrigação geográfica, tornei a passar naquela rua. Mais uma vez, e como era costume, avançava a passo célere e a fitar o chão, e num relance oculto tentava dar pela presença da rapariga da outra noite.

Não a vi por lá, nem por ali perto. Não naquela noite nem nas muitas outras que se seguiram.

Assim compreendi que algo no mundo mudou não porque eu falei, mas porque alguém me ouviu.

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segunda-feira, abril 21, 2008 - 12:40

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Michkin

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Comentários

imagem de Henrique

Re: A beleza perdida na rua das putas.

Texto bem escrito, boa interpretação das coisas!

:-)

imagem de Tommy

Re: A beleza perdida na rua das putas.

como comentar se noa encontro a palavra exacta para expressar tudo o que senti ao ler o teu relato, tentar faze-lo seria faltar ao respeito a realidade dizendo haver me sentido maravilhado ou assim, falta inventara a palavra para descrever tamanho sentimento perante a luz que sobra em teu texto e ilumina a realidade...
sinto me honrado ao puder ter lido o teu relato
parabens

imagem de MariaSousa

Re: A beleza perdida na rua das putas.

Gostei do texto. Relato de uma triste realidade e de alguém atento.
Muitas vezes um pequeno gesto para ajudar alguém pode mudar uma vida.

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