CONCURSOS:
Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia? Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.
Deslocamento
Acabado está o trajeto, sem muito a acrescentar ao dia, senão o desgaste por se-lo de um modo tão igual e de improvável transformação.
Pois que seja ressaltada a possibilidade de improviso! Talvez uma queda no caminho; talvez uma greve; talvez um pneu perdido no trajeto... Sei lá, o que vier a acontecer satisfará a necessidade de mudar. Daí um tiro no lado de fora do onibus: uma queda e engarrafamento. Pneu furado!
Devaneios à parte, estou sentado agora no penúltimo assento, na poltrona da janela, ao lado direito da porta de desembarque de um microonibus. Pensamentos me ensurdecem e os os olhos transitam pelos que entram e ficam de pé, amontoando-se. Imagino a senhora gorda que está lá na frente, com o tom de pele claro, dona de um cansaço motivado pelo seu dia a dia. Perco-me na sua juventude e percebo a moça bela que fora... Hoje, destruída pelo trabalho, talvez pelo tratamento médico... Não sei. A pobre é ignorada. Parece que sou o único a observá-la e ela, segurando firme os apoios, com os braços esticados para o alto e uma bolsa cor vinho sustentada por um dos ombros, olha para frente, para além das janelas, para longe do deslocamento.
Poucos segundos se passam e meus olhos me levam para o bonito rapaz caucasiano incomodado com o aperto do lugar. Roupa social, camisa azul claríssimo com impecáveis corte e costura, ao estilo de quem a veste. Tem cara de Antonio Marcos ou Cesar Augusto, quem sabe um desses belos nomes compostos que gente rica tem (Joaquim Francisco, quem sabe). É alto, barba por fazer, tem charme. Vejo atraves de relances uma ou outra mulher a admirá-lo, da maneira que nenhum outro ser é capaz de realizar. Elas o estudam com vida, através do reflexo nos vidros do veículo, produzido pelo contraste entre a luz no interior e o breu noturno. Também o olham de forma decisiva. Pobre rapaz, se aquela ali de cabelos longos e pele lisa o pegasse... Ele desce logo. Acho que três pontos depois de ter subido e sem antes de lançar mão de certo esforço para chegar à porta do seu paraíso momentaneo. O onibus fica mais cheio, no entanto perde muito em presença de espírito.
Então vem os meio bebados, alguns muito. Homens e mulheres que falam alto e de forma que se confunde entre a rapidez de um radialista esportivo e a vagareza de um comentarista televisivo. Povo estranho e intrigante - devem estar saindo de um "point" e se deslocando ao outro, o derradeiro, para coroar a noite quente deste inverno. Alguns dos que estão sentados despejam a raiva do cotidiano no grupo dos falantes-gritantes, outros conseguem disfarçar o odio e olham para o teto, para fora, ou para frente, com o semblante distante. Eu não me importo e até contenho os risos com as bobagens que falam. "Tu visse a Ritinha mais o, mais o Maseu?". Uma dentre os bardeneiros diz: "Eu não! Maseu é safado, eu é que num caio na dele, não!" (Será?). Silenciosamente, muitos partilham da minha dúvida. Que se dane! O lotação fica menos lotado e todos passam pela catraca, Alguns ficam em pé, com uma lata de cerveja na mão, enquanto as mulheres se espremem e se sentam nos assentos vagos. Uma delas - a do Maseu - se acomoda ao meu lado e me olha mas, ao me virar para calcular suas maneiras com os cantos dos olhos, ela não me olha (estará olhando para além de mim, o transito da mão oposta?). Não gosto dessa sensação, a de ser provavelmente observado... Carrego tal sensação durante o intervalo em que saio pela porta de casa até o momento em que volto e entro pela porta de casa. Bobagem. A senhora gorda está sentada, tranquila no assento para idosos. Bom ve-la bem!
Alguns me encaram, enquanto pensam na dádiva de chegar em casa para, enfim, interromperem o trajeto. A mulher que se sentou ao meu lado levantou e foi-se com o grupo dos alegres. A senhora que primeiro chamou minha atenção nesse deslocamento descera antes. Vi-a sem ser visto por ela.
Todos passam por mim. Eu fui aquele, o que lia o livro e se perdia na leitura, para depois voltar a si e olhar as referencias do percurso, com o intuito de não se perder na vida. Eu fui aquele, o que estava no penúltimo assento, na poltrona da janela, ao lado direito da porta de desembarque e desceu, sem ressentimentos aparentes.
Alguns instantes me separam de Deus. Atravessei a rua apressado, olhei e vi um sujeito negro, alto e maltrapilho parado no ponto. Perguntei-me o que esperava e ele me viu. Confesso que senti medo.
Submited by
Prosas :
- Se logue para poder enviar comentários
- 2204 leituras
other contents of robsondesouza
Tópico | Título | Respostas | Views |
Last Post![]() |
Língua | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Meditação | Até anteontem hoje era depois de amanhã | 2 | 778 | 03/22/2010 - 18:04 | Português | |
Poesia/Geral | A volta do vazio | 3 | 818 | 03/19/2010 - 14:43 | Português | |
Poesia/Meditação | O motor | 2 | 800 | 03/18/2010 - 17:23 | Português | |
Poesia/Meditação | Calafrios | 4 | 763 | 03/18/2010 - 14:15 | Português | |
Poesia/Geral | Ainda não tenho o por quê mas, quero descrever-me | 4 | 796 | 03/17/2010 - 15:02 | Português | |
Poesia/Geral | Prelúdio ao tripúdio | 5 | 782 | 03/17/2010 - 14:31 | Português | |
Poesia/Pensamentos | O poema cujo título não existe | 1 | 953 | 03/16/2010 - 19:30 | Português | |
Poesia/Geral | Afinal, hoje é o dia da Poesia?? | 3 | 788 | 03/15/2010 - 23:59 | Português | |
Poesia/Tristeza | Triangulações | 6 | 792 | 03/12/2010 - 12:45 | Português | |
Poesia/Meditação | Preciso de ti | 3 | 721 | 03/11/2010 - 20:49 | Português | |
Poesia/Aforismo | Elas | 2 | 911 | 03/09/2010 - 17:36 | Português | |
Poesia/Meditação | Salto | 3 | 840 | 03/08/2010 - 02:02 | Português | |
Prosas/Pensamentos | Quando meus escritos deixam de ser meus | 1 | 1.070 | 03/07/2010 - 02:00 | Português | |
Poesia/Geral | Estereótipos | 3 | 624 | 03/06/2010 - 13:56 | Português | |
Poesia/Aforismo | Resolução | 7 | 1.008 | 03/06/2010 - 03:08 | Português | |
Poesia/Geral | Ferocidade | 2 | 676 | 03/05/2010 - 03:02 | Português | |
Poesia/Dedicado | "O inferno do poeta" (desafio poético) | 5 | 988 | 03/03/2010 - 20:33 | Português | |
Poesia/Geral | Audaz | 2 | 795 | 03/03/2010 - 20:32 | Português | |
Prosas/Pensamentos | Manifesto Autocrítico | 3 | 736 | 03/01/2010 - 21:32 | Português | |
Poesia/Tristeza | Um verso que falo | 3 | 828 | 02/27/2010 - 04:29 | Português | |
Poesia/Desilusão | Luzes... Camaradas... Depressão! | 4 | 567 | 02/27/2010 - 03:25 | Português | |
Poesia/Meditação | Tarde na praia | 4 | 627 | 02/24/2010 - 19:49 | Português | |
Poesia/Tristeza | Através da escuridão | 4 | 755 | 02/24/2010 - 13:37 | Português | |
Poesia/Soneto | Vinho tinto | 1 | 697 | 02/23/2010 - 23:44 | Português | |
Poesia/Desilusão | Ás de Ases, Copas: A negação | 2 | 1.018 | 02/22/2010 - 14:29 | Português |
Add comment