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Entre nós, os anos
Foi quando o sol finalmente nasceu e a noite deixou de me pesar nos ombros que me decidi: Vou fugir.
Fechei as janelas, beijei os lençóis e murmurei um adeus ao agora. Quero o que ainda está por vir, tenho pressa no futuro. Quero ser atropelada pelo destino e tu esmagas-me com a tua vontade. Sufocas-me com o teu poder de decisão que é vazio. Com as tuas mãos com as quais julgas poder moldar quem és. Mas não podes… e o teu poder é indecisão.
Controlas a próxima dúvida que tens, não o caminho que tomas. Não és dono de ti, não és dono de nada. Não tens respostas. Nem para ti, nem para mim. E eu nunca te pergunto nada… e espero: O Tempo. Tenho que esperar pelo que não sei e confiar que o que não sei virá porque tem que vir. E mesmo quando bato a porta e saio por esse mundo afora, eu sei que não tinha escolha. Eu sei que é suposto que eu fuja, que eu corra, que não me esconda. E não me escondo… piso o chão com força e deixo marcas. Quero que saibas sempre em que direcção corro; que saibas sempre que tens que correr atrás de mim, correr para mim; sobre mim.
E Comigo.
Mesmo que me vejas sair e me esperes entre os lençóis que beijo de longe, aceleras o passo. Atravessas a mesma porta com os olhos, e esbarras com o mesmo estranho que eu esbarrei numa noutra cidade, num outro país, numa outra vida. Corres comigo. Não sabes que sim…Mas corres sobre mim e comigo… E às vezes, à minha frente…E tomas o mesmo comboio que eu para parte nenhuma.
Porque o Tempo é nada, somos as mesmas pessoas para sempre. És ainda quem deixei naquela manhã, és ainda quem vive o meu destino, porque é o teu. E mesmo que nunca mais te veja, vejo-te todos os dias. Todos os instantes.
Sempre.
Talvez um dia regresse a casa, talvez o vento me traga de volta. Talvez a maré ou o serviço postal. Talvez volte numa carta. Ou, quem sabe, numa música que oiças, num fim de tarde quente, em que folheies uma antologia poética de alguém. Sabes que sou poesia…e sabes que volto. Porque eu não sou dona de mim, não sou dona de nada. Não tenho respostas. Nem para ti, nem para mim. Por isso volto.
E se tiver que ser contigo, serei contigo. Ainda que numa frase de Whitman, ainda que no despontar duma manhã.
E se tiveres que ser comigo, serás comigo. Ainda que a medo, ainda que demores a alcançar-me:
Serás tu
e eu
e os anos entre nós.
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