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Fragmento

João está no seu apartamento sentado na mesa da sala onde desenha as suas bd’s. No hall de entrada encostada à parede está aquela mulher que ele sabe que não existe. Ela olha-o fixamente com um sorriso na cara. Ele ignora-a, ignora-a há vários dias. Ignora-a porque ignorá-la seria a solução mais sensata para ela desaparecer, mas ela insiste em permanecer ali, estática, fitando cada movimento do seu lápis. Ela e o seu sorrisinho estúpido encostados à parede.
O traço rápido e carregado parte o bico do lápis. As figuras fogem do papel. A mão treme demais para as segurar. João levanta-se e anda em círculos pela sala. Respira fundo. Respira mais fundo. Respira tão fundo que mal consegue expirar o ar.
O telemóvel. Se ao menos recebesse uma chamada. Um bilhete para fora daquela sala. Um sinal de que o mundo continuava a funcionar fora daquele apartamento. Uma prova de que também não deixara de existir.
“Eu não contava com isso. Não é o telemóvel que faz o teu coração bater, porque é que só te sentes vivo com ele?” disse ela ao passar a mão pelo cabelo. João não responde. Encostado à janela procura algo na rua que lhe prenda a atenção. Mas ela agora mexe-se. Ela agora fala. Ela aproxima-se dele, encosta a cabeça no seu ombro e murmura “Não achas que é um risco demasiado grande depender de algo tão pequeno?” “O que queres?” João afasta-se num movimento brusco. “Eu perguntei primeiro, tu respondes primeiro. É justo…” “Não me interessa o que tu pensas.” “Mas eu penso na mesma” João olha-a pela primeira vez nos olhos. “Lembras-me a minha ex-namorada.” “Eu sou a tua ex-namorada.” E no momento seguinte ela já não estava lá.

Noite. A concentração volta para João e João volta para as suas bd’s. Para seu desespero, o telemóvel permanece mudo.
“Não te apetece esmagá-lo de vez em quando? A mim apetece.” Ela está na cadeira à sua frente com a cabeça apoiada nas mãos. João não responde. “Ok, vamos voltar à fase do “tu não existes, és só um produto da minha imaginação!” “Mas tu não existes! Tu não estás aqui!” “Então ignoras-me? Assusto-te assim tanto?” As luzes natalícias que decoram as ruas entram pela janela dentro. “Acreditas no Pai-Natal?” pergunta ela. “Não” “Vês alguém ignorá-lo?” “O Pai-Natal é um símbolo cria…” “Então descobre o que eu simbolizo!” interrompe-o ela.
João finge voltar toda a sua atenção para o trabalho. “Porque carregas tanto no lápis?” “Falta-me uma personagem. Não consigo criá-la. E quando não consigo fico nervoso…” diz João ofegante. “E quem é essa personagem?” “É a parceira de um miúdo detective que resolve os mistérios do seu bairro. Ela é muito importante na história porque embora nunca resolva os casos, actua como consciência do miúdo. É ela quem faz as perguntas chave que o levam a solucionar os mistérios.” “Talvez eu seja essa tua personagem. Eu também não existo, lembras-te?” diz ela num tom irónico. João sorri. “Fazes-me lembrar a Verónica. Ela também tinha esse feitiozinho insuportável. Brincava com ela desde criança. Morreu o ano passado de cancro. Sinto a falta dela.” Ela agarra as mãos de João e sussurra-lhe “Eu sou a Verónica.”
Por onde ela estava à um segundo atrás vê-se agora o relógio de parede. Uma da manhã.

Três da manhã. João acorda como se alguém o chamasse. Ela está sentada na cadeira ao fundo do quarto e sorri. "Tivestes saudades minhas? O que me queres?" "Eu não te chamei. Tu é que me acordaste!" "Então devo ter percebido mal. Vou-me embora." "Espera! Como te chamas?" "Então sempre tiveste saudades minhas..." "Diz-me o teu nome!" insiste. "Chamo-me como tu quiseres, já te esqueceste que sou um produto da tua imaginação?" "Mas quem és tu? O que me queres? Porque me disseste todas aquelas coisas?" "Eu sou apenas aquilo que tu precisas." "Então fica, fica comigo!" "Não posso, sabes bem que não posso." "Porquê?" João abraça-a com força. "Lá por o Sol se pôr ou por os pássaros deixarem de cantar, não significa que tenham deixado de existir. Na manha seguinte tudo voltará ao normal e tudo seguirá em frente. TU tens que seguir em frente. Eu estarei aqui sempre contigo. Tens que aprender a desligar-te. Liberta-te!" João cai de joelhos aos pés dela e começa a chorar. "A minha mãe disse-me isso antes de morrer." "João, eu sou a tua mãe." e dá-lhe um beijo na testa.
"Espera!" grita João segurando-a pela mão. "Alice, Alice é um bom nome." diz João. "...no País Sem Maravilhas." responde Alice. "Não, apenas Alice. Que faz as suas próprias maravilhas."
Alice dá-lhe um último sorriso. "Gosto do nome. Adeus."

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terça-feira, julho 17, 2012 - 00:55

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