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NÓS, MULHERES QUE VENCEMOS O CÃNCER PARTE III

Parte III

Era assim: eu deveria comer de hora em hora mas não sentia fome. Estava magra, magra, porém sem nenhum apetite. Nada me despertava a vontade de comer, logo eu tão gulosa que comia de tudo e gostava de tudo. Mesmo um pequeno iogurte era um suplício engolir.

Dali a poucos minutos eu sentia uma coisa quente escorrendo pela bolsinha adentro e corria ao banheiro. Pacientemente soltava o fecho de segurança, enchia de água a bolsinha, com a água da duchinha enxaguava duas ou três vezes até que ficasse limpinha, fechava a trava para dali a pouco mais de meia hora repetir o ritual.

A cada quatro dias eu deveria trocar o equipamento: desolar a base, limpar todo o local para que não se infeccionasse, retirar a bolsinha, colocar a pomada protetora, recolocar o adesivo, a nova bolsinha e vamos lá...que venham novas porções daquela gosma verde, brilhante, uma coisa , de ET.

Só me lembro de duas coisas que me davam prazer: o banho quente e depois o banho de sol, deitadinha em minha cama, com a janela bem aberta por onde entravam também o azul daquelas manhãs, o cantar de passarinhos, moradores do manacá que ficava bem em frente à minha janela.

Não me lembro o que eu pensava naqueles dias ruins. As vezes recebia, sem ânimo nenhum, cartões postais do namorado que, sem saber da gravidade dos fatos, passava as férias com as filhas, no Chile...ou seria no Perú? Eu lia as palavras, olhava as paisagens e só. Não sentia falta dele, não sentia saudades dele e acho mesmo que estava preferira assim, ele bem longe. Naquele momento nenhuma presença me faria bem – eu precisava fazer as pazer com o meu coração, só isso. Retomar minha paz interior que naqueles dias me parecia tão distante.

O tempo foi passando e entre sopas de inhame, pedaços de rapadura trazidos por um querido ex-sogro e litros de guaraná, fui me recuperando. Com um mês eu já engordara 4 kg. Com a minha mãe por perto, dormindo junto a mim, o pânico foi se distanciando graças ao 0,5 mg de rivotril que me acompanhou por um ano ainda. Foi bom conversar com uma terapeuta, aprendi que eu não morreria de pânico mas teria que conviver com os sintomas que ele provocava . No meu caso, só durante a madrugada e as crises, assim com a terapia breve, duraram quatro longos meses. Mas foram passando...

Tudo passa... Fui ficando melhorzinha para mim mesma e diante do espelho, fui recuperando minhas antigas feições; fui retomando meus pequenos prazeres, ouvir meus clássicos preferidos, ler revistas de moda, tocar uma vez ou outra meu violão abandonado num canto, ligar para algumas pessoas, voltar pra internet , locar filmes, mas nada de sair de casa. Por vaidade e por desânimo, me encontrava desenergizada, e sempre muito tristonha, logo eu que sorria por qualquer motivo. E sempre muito calada, logo eu que falava tanto.

Parte IV

Todos os anos, perto do meu aniversário, em maio, marco uma consulta com a minha ginecologista que há 17 anos é o meu único contato com a medicina. Sempre fui saudável sem nenhum problema de saúde e a descoberta do câncer, se por um lado ,foi um acaso, foi também pelo cuidado com que ela cuida de suas pacientes. Devo muito a ela...Foi justamente em maio ou princípiio de junho que tudo começou, a descoberta, a confirmação, os infindáveis exames; em julho foi a primeira cirurgia, quatro dias depois, a segunda cirurgia, julho e agosto fiquei hospitalizada e 07 de setembro, depois da terceira cirurgia para fechamento da ileostomia, voltei para o meu ninho, meu cantinho, meu lugar de onde eu sentia tanta saudade.

Não precisei ir à Compostela para trilhar um longo caminho, esse foi o meu caminho de Santiago. Se a gente souber tirar proveito de tudo que nos acontece, mesmo uma experiência dolorosa assim pode nos trazer muitos ganhos – ainda que seja altíssimo o preço para por eles.

O sofrimento e a quase morte fizeram de mim um ser humano melhor, estou certa disso. O Budismo me ajudou muito ao recomendar padrões de comportamento compatíveis com o desapego, que fui praticando rapidamente; o sentido da impermanência das coisas, como tudo é efêmero, as pessoas, os sentimentos que nutrimos por elas e elas por nós; como a vida é uma faísca, em um segundo perdemos tudo, ganhamos tudo, vivenciamos tudo, a vida é isso, nada mais que isso!

Ao retomar, depois de quatro anos, o que apenas começara a escrever me sinto ainda guerreira e vencedora. Guerreira por ter lutado depois contra as questões práticas decorrentes do longo período sem trablaho, o salário doença, uma miséria, precisei da ajuda da minha família, de minhas amigas e foi muito difícil passar por mais essa provação. Mas o tempo tudo resolve e tudo passou. Voltei ao trabalho, paguei minhas contas mas deverei muitos favores – a todos que me ajudaram a vencer batalha tão difícil. Mas o que importa é que a guerra está ganha, só não sei até quando.

Agosto 2007

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sexta-feira, agosto 21, 2009 - 22:14

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romaluf

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Comentários

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Re: NÓS, MULHERES QUE VENCEMOS O CÃNCER PARTE III

Depois do horror, sofrimento e pânico a calmaria, a saude retorna e a vida se normaliza.
Muito boa a prosa em tres capitulos, parabens.
Um retrato fiel da vida.

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