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O quarto escuro
Podem ser as sombras que nos atormentam brancas?...
José Carlos era um rapaz como tantos outros. Tão normal quanto possível. Sua voz miúda e fina como a de qualquer criança, gestos mimalhos à procura de carinho e proteção. Sua imaginação à procura de qualquer aventura.
Nessa altura, crescia no seio de uma família tão disfuncional como qualquer outra, com pais tão disfuncionais como quaisquer outros. Preenchidos com egos disfuncionais, passados de geração em geração, vindos dos desejos dos seus próprios pais, avós e por ai fora.
Percebiam que a sua missão de pais seria a de proteger, mas pouco entendiam de educação. Analfabetos emocionais, vergados pela sua própria instrução, encerrados intelectualmente pela escravatura económica e social da classe média-baixa.
Talvez por isso o casal vivesse com a tradicional divisão “o homem trabalha e a mulher trata da casa”. Sendo assim, à mãe, foi-lhe crescendo o habitual comodismo e falta de confiança para procurar trabalho, deixou-se ficar. Ao pai, bom vendedor, até lhe fazia jeito a situação. Podia desfrutar assim de algum tempo com a amante. Algum, como quem diz.
A maior parte do seu tempo José Carlos passava-o com a mãe. Brincava e aventurava-se pelo jardim da sua urbanização com as outras crianças, sempre sobre a alçada do olhar da progenitora, enquanto esta estendia a roupa, cozinhava, ou mexericava com as vizinhas. Eram dias normais e despreocupados.
Aos 5 anos de idade, como quase todas as crianças dessa idade, José sentia um ligeiro medo do escuro, devido à sua imaginação fértil. Medo esse, despoletado pelas suas fantasias e por todo aquele simbolismo, inato nos nossos arquétipos, inerente à escuridão. A mãe, como quase todas as mulheres como ela, pouco entendia dessas coisas. Em vez de fazer o medo de José regredir, apenas o mantinha constante. Principalmente quando tentava controlar o seu comportamento com as anormais histórias do Papão, do Homem do Saco, ou do Monstro do Armário.
Por vezes, nas noites em que o pai dormia lá em casa, José dormia no próprio quarto. Ligavam-lhe a luz de presença, e este, deitava-se com os seus Papões, fantasmas e guinchos assustadores que vinham do quarto ao lado. Nesses dias, os guinchos eram como a respiração pesada e sôfrega de alguém a sofrer. Mal ele sabia que eram os pais a ter prazer.
Os seus barulhos insinuavam-se por dentro das paredes, mesclavam-se lá dentro, e saiam do seu interior escuro para o medo de José. Ele sentia como se o tivessem a tentar abraçar, amordaçar, estrangular, matar, apagar da segurança do real. Eram noites de tormento, em que custava adormecer.
Porém, nos dias em que o pai dormia lá fora, a mãe deixava-o dormir consigo. Assim, ela afastava a sua solidão noturna e lidava mais facilmente com o medo do filho. Era fácil. Era bom. Era sossegado. Inconscientemente José voltava ao berço de paz morna em que cresceu durante 9 meses. Abafava a sua imaginação e sossegava as sombras dos seus fantasmas.
Certo dia, como em tantos outros dias, o pai do José escolhera dormir com a amante. Tanto a mãe, como o filho, encontravam-se sozinhos em casa, na penumbra sépia da sala, e viam as novelas noturnas antes de ir para a cama. O pequeno José, com a cabeça deitada no regaço da mãe, acabara por adormecer, aconchegado. A ela também começaram a pesar as pálpebras e a enfraquecer a força que as sustentava. Quando as novelas terminaram abanou o filho ligeiramente.
- José, é hora de ir para a cama.
Disse ela sonolenta.
- Sim mãe.
Disse ele com a voz arrastada de quem acaba de acordar.
Quando este se levantou esta transmitiu-lhe uma decisão que vinha a ser veiculada há algum tempo.
- José, hoje vais dormir para o teu quarto, e sem a luz de presença. Tens que começar a perder esse teu medo do escuro.
Despertando logo do seu torpor sonolento, e crescendo imediatamente a ansiedade do seu medo, José birrou.
- Não! Quero dormir com a mãe. Tenho medo do escuro mãe.
- Não!
Disse ela firmemente.
- Hoje vais dormir sozinho. Vamos.
José tencionou o corpo de forma a ficar mais pesado, a resistir ao puxar da mãe que o levava. Gritava ao mesmo tempo:
-Não quero ir! Quero dormir com a mãe!
Ela forçou-o a deitar-se e cobriu-o. José chorava e berrava, chorava e berrava. A mãe desligou as luzes de presença. Dirigiu-se para a porta do quarto. Apagou as luzes principais e disse ao filho irritada:
- Tens de perder esse teu medo estupido do escuro. Agora cala-te ou o Monstro do Armário vem-te buscar.
Fechou a porta e deixou-o a chorar e a berrar na escuridão. Nesse instante José bramou ainda mais forte entre soluços.
- ACENDE A LUZ! ACENDE A LUZ!
A mãe dirigiu-se para o seu quarto, vestiu o pijama, apagou a luz e deitou-se. No seu quarto o choro contínuo do filho perpetuava o frio da sua cama vazia. Perpetuava a solidão deixada pelo seu marido. Perpetuava a suspeita da amante, entranhada no fedor do seu colarinho. Era difícil adormecer.
No início os gritos de José eram duros, mas, à medida do tempo, sua tensão começou a diminuir, a enfraquecer e a esmorecer. No entanto a dor no peito da mãe apenas aumentava, alargava, agravava.
Passados vinte minutos, quase a adormecer de cansaço, José sossegava. Ternamente se auto embalava nas lágrimas e soluços. Ternamente, até sentir um peso de uma mão no seu ombro. O coração voltou a esbracejar com rapidez fazendo José voltar a berrar de susto.
- Calma filho, sou eu.
José ainda demorou um pouco a perceber de que o vulto, do qual tentava fugir, era apenas a sua mãe a chamá-lo. Quando percebeu agarrou-se a ela a chorar.
- Só mais hoje José. Podes dormir com a mãe.
Só não lhe disse ela, que era mais pelo seu vazio, do que por ele, que o deixava ir para a sua cama.
José nada admoestou, submeteu-se agradecido. Aliviado por passar mais uma noite no calor da cama da mãe e por se livrar do tormento da sua. Deixou-se levar ao colo para o outro quarto. A mãe deitou-se ao seu lado, apagou a luz do abajur e cobriu-o, cobrindo-se também. Assim… Assim era mais quente, mais sossegado, menos vazio.
José adormeceu bem. Um sono rápido e pesado, como só as crianças têm. Mas, apesar do colo quente da sua mãe, os seus sonhos não foram assim tão mornos. Devido ao começo violento da sua noite estes tornaram-se, perturbados, agitados, frios. Repletos de sombras brancas. Sombras dentro de sombras. Lentas e rápidas. Caras pálidas, apáticas. Exibiam a boca aberta, os olhos arregalados com a íris dilatada, negra. Espelhavam-se nela mais sombras brancas. Dentro delas mais íris dilatadas com mais sombras brancas. Umas atrás das outras encadeavam-se até ao infinito.
José acordou sobressaltado, ofegante, suado. Sentiu que um frio estranho o envolvia. Virou-se para a sua mãe.
- Mãe!?
Exclamou ele.
Ela não se moveu.
- Mãe!?
Exclamou novamente.
Tocou-a. Abanou-a. Nesse momento, percebeu uma rigidez e frieza estranha nela. Na luz opaca, que se projetava por entre as frinchas mal fechadas da persiana, José olhou a face da sua mãe. Era uma sombra branca, apática, de boca entreaberta e íris dilatada.
O medo, o medo do escuro, voltara.
Percebiam que a sua missão de pais seria a de proteger, mas pouco entendiam de educação. Analfabetos emocionais, vergados pela sua própria instrução, encerrados intelectualmente pela escravatura económica e social da classe média-baixa.
Talvez por isso o casal vivesse com a tradicional divisão “o homem trabalha e a mulher trata da casa”. Sendo assim, à mãe, foi-lhe crescendo o habitual comodismo e falta de confiança para procurar trabalho, deixou-se ficar. Ao pai, bom vendedor, até lhe fazia jeito a situação. Podia desfrutar assim de algum tempo com a amante. Algum, como quem diz.
A maior parte do seu tempo José Carlos passava-o com a mãe. Brincava e aventurava-se pelo jardim da sua urbanização com as outras crianças, sempre sobre a alçada do olhar da progenitora, enquanto esta estendia a roupa, cozinhava, ou mexericava com as vizinhas. Eram dias normais e despreocupados.
Aos 5 anos de idade, como quase todas as crianças dessa idade, José sentia um ligeiro medo do escuro, devido à sua imaginação fértil. Medo esse, despoletado pelas suas fantasias e por todo aquele simbolismo, inato nos nossos arquétipos, inerente à escuridão. A mãe, como quase todas as mulheres como ela, pouco entendia dessas coisas. Em vez de fazer o medo de José regredir, apenas o mantinha constante. Principalmente quando tentava controlar o seu comportamento com as anormais histórias do Papão, do Homem do Saco, ou do Monstro do Armário.
Por vezes, nas noites em que o pai dormia lá em casa, José dormia no próprio quarto. Ligavam-lhe a luz de presença, e este, deitava-se com os seus Papões, fantasmas e guinchos assustadores que vinham do quarto ao lado. Nesses dias, os guinchos eram como a respiração pesada e sôfrega de alguém a sofrer. Mal ele sabia que eram os pais a ter prazer.
Os seus barulhos insinuavam-se por dentro das paredes, mesclavam-se lá dentro, e saiam do seu interior escuro para o medo de José. Ele sentia como se o tivessem a tentar abraçar, amordaçar, estrangular, matar, apagar da segurança do real. Eram noites de tormento, em que custava adormecer.
Porém, nos dias em que o pai dormia lá fora, a mãe deixava-o dormir consigo. Assim, ela afastava a sua solidão noturna e lidava mais facilmente com o medo do filho. Era fácil. Era bom. Era sossegado. Inconscientemente José voltava ao berço de paz morna em que cresceu durante 9 meses. Abafava a sua imaginação e sossegava as sombras dos seus fantasmas.
Certo dia, como em tantos outros dias, o pai do José escolhera dormir com a amante. Tanto a mãe, como o filho, encontravam-se sozinhos em casa, na penumbra sépia da sala, e viam as novelas noturnas antes de ir para a cama. O pequeno José, com a cabeça deitada no regaço da mãe, acabara por adormecer, aconchegado. A ela também começaram a pesar as pálpebras e a enfraquecer a força que as sustentava. Quando as novelas terminaram abanou o filho ligeiramente.
- José, é hora de ir para a cama.
Disse ela sonolenta.
- Sim mãe.
Disse ele com a voz arrastada de quem acaba de acordar.
Quando este se levantou esta transmitiu-lhe uma decisão que vinha a ser veiculada há algum tempo.
- José, hoje vais dormir para o teu quarto, e sem a luz de presença. Tens que começar a perder esse teu medo do escuro.
Despertando logo do seu torpor sonolento, e crescendo imediatamente a ansiedade do seu medo, José birrou.
- Não! Quero dormir com a mãe. Tenho medo do escuro mãe.
- Não!
Disse ela firmemente.
- Hoje vais dormir sozinho. Vamos.
José tencionou o corpo de forma a ficar mais pesado, a resistir ao puxar da mãe que o levava. Gritava ao mesmo tempo:
-Não quero ir! Quero dormir com a mãe!
Ela forçou-o a deitar-se e cobriu-o. José chorava e berrava, chorava e berrava. A mãe desligou as luzes de presença. Dirigiu-se para a porta do quarto. Apagou as luzes principais e disse ao filho irritada:
- Tens de perder esse teu medo estupido do escuro. Agora cala-te ou o Monstro do Armário vem-te buscar.
Fechou a porta e deixou-o a chorar e a berrar na escuridão. Nesse instante José bramou ainda mais forte entre soluços.
- ACENDE A LUZ! ACENDE A LUZ!
A mãe dirigiu-se para o seu quarto, vestiu o pijama, apagou a luz e deitou-se. No seu quarto o choro contínuo do filho perpetuava o frio da sua cama vazia. Perpetuava a solidão deixada pelo seu marido. Perpetuava a suspeita da amante, entranhada no fedor do seu colarinho. Era difícil adormecer.
No início os gritos de José eram duros, mas, à medida do tempo, sua tensão começou a diminuir, a enfraquecer e a esmorecer. No entanto a dor no peito da mãe apenas aumentava, alargava, agravava.
Passados vinte minutos, quase a adormecer de cansaço, José sossegava. Ternamente se auto embalava nas lágrimas e soluços. Ternamente, até sentir um peso de uma mão no seu ombro. O coração voltou a esbracejar com rapidez fazendo José voltar a berrar de susto.
- Calma filho, sou eu.
José ainda demorou um pouco a perceber de que o vulto, do qual tentava fugir, era apenas a sua mãe a chamá-lo. Quando percebeu agarrou-se a ela a chorar.
- Só mais hoje José. Podes dormir com a mãe.
Só não lhe disse ela, que era mais pelo seu vazio, do que por ele, que o deixava ir para a sua cama.
José nada admoestou, submeteu-se agradecido. Aliviado por passar mais uma noite no calor da cama da mãe e por se livrar do tormento da sua. Deixou-se levar ao colo para o outro quarto. A mãe deitou-se ao seu lado, apagou a luz do abajur e cobriu-o, cobrindo-se também. Assim… Assim era mais quente, mais sossegado, menos vazio.
José adormeceu bem. Um sono rápido e pesado, como só as crianças têm. Mas, apesar do colo quente da sua mãe, os seus sonhos não foram assim tão mornos. Devido ao começo violento da sua noite estes tornaram-se, perturbados, agitados, frios. Repletos de sombras brancas. Sombras dentro de sombras. Lentas e rápidas. Caras pálidas, apáticas. Exibiam a boca aberta, os olhos arregalados com a íris dilatada, negra. Espelhavam-se nela mais sombras brancas. Dentro delas mais íris dilatadas com mais sombras brancas. Umas atrás das outras encadeavam-se até ao infinito.
José acordou sobressaltado, ofegante, suado. Sentiu que um frio estranho o envolvia. Virou-se para a sua mãe.
- Mãe!?
Exclamou ele.
Ela não se moveu.
- Mãe!?
Exclamou novamente.
Tocou-a. Abanou-a. Nesse momento, percebeu uma rigidez e frieza estranha nela. Na luz opaca, que se projetava por entre as frinchas mal fechadas da persiana, José olhou a face da sua mãe. Era uma sombra branca, apática, de boca entreaberta e íris dilatada.
O medo, o medo do escuro, voltara.
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terça-feira, outubro 9, 2012 - 15:10
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