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Os velhos poetas

Costumo olhar os velhos, imagino o planeta dos velhos. Cesariny o velho poeta aquele que põe as palavras no lixo, os cães a bocejar e as crianças do bairro cagadas até á medula. A poesia é esta vida escandalosa, a casca da fruta no meio da rua e dos ratos e do queijo e do vocabulário que nos mastiga os ossos. Os poetas, os velhos poetas gostam de se coçar, a caneta coça o papel e o rio se coça na margem da terra e os velhos poetas continuam a ser almas divertidas e tristes como uma gota de chuva sobre a montanha gigante. Quando o poeta era criança o seu poema era a sua forma de adormecer, agora dorme pouco e bebe até esgotar a paciência das palavras. Com quantos homens dormiu Cesariny? Lisboa é a sua cidade, a sua puta mais íntima e mais desejada. Que bom seria não haver significados, não haver coisa ou sujeito para desejar e que tudo o que está no exterior fosse o orgasmo que nos fizesse tremer o corpo, mas já que me desejas que isso não seja um limite para me possuíres como a raiz que sobe ao tronco da árvore e que depois vai ter com os homens á paragem do autocarro e lhes come o pão e o livro que trazem no bolso. Disseram-te que o poeta era sujo, sabes que a primavera cheira a sujo e que os gatos se sujam no carvão e nas flores. A melhor e a poesia mais profunda anda na encoberta luz das almas infelizes, a saudade é um privilegio das almas infelizes. Um dia as almas infelizes serão anjos. Nós lemos nas folhas de Outono o interminável diário dos que não encontram rumo na vida. Abris-te as mãos, as mãos como quem cava a terra e arranca um molho de dias e de cheiros e de gotas húmidas, depois vai pela margem limitada entre o pesadelo e os olhos semifechados daqueles que ainda não conseguiram adormecer. Os velhos, todos os velhos são poetas, isso vê-se nos olhos, no modo malandro de mexer a anca, de fazer batota ás cartas, de dar uma descompostura á vida. Cesariny é desses poetas, um poeta muitas vezes sem comida, sem dinheiro, com a roupa do corpo vestida muitas semanas. Mas os jornais e os críticos precisam desta poesia marginal, destes poetas um dia apanhados mortos no trilho do eléctrico, num dia desses de chuva em que um raio de sol atravessará o crânio desses poetas rodeados de gente e de estúpidas pombas. Um dia sua excelência o Senhor presidente da republica chamará á sua residência oficial o velho poeta Cesariny de Vasconcelos e lhe entregará a medalha de serviços prestados á pátria. A fome e a incompreensão é um serviço prestado á pátria. A pátria se faz de gente a morrer nas guerras ou nas valas comuns dos teatros e das tabernas. O velho poeta Cesariny que agora deve andar pela casa dos noventa e tal, poeta e pintor com dentes todos na cara para se rir do mundo receberá das mãos do senhor presidente a medalha do infante com honras de musica e percussão oficial, champanhe, peidos e muitas bandeiras. Os velhos poetas os poucos que há, que os poetas e o vinho, são os anos que dão paladar. Deixei fermentar o vinho e a poesia, deixei-os fermentar no buraco do ventre e no buraco escuro da noite e nos olhos daqueles que andam sem pensamentos a rasgar cadernos e livros e a partir a montra das livrarias e a dormir com as meninas e com os meninos com os cabelos húmidos de gel, e um dia vão nascer meninos revolucionários, que vão gostar de gel nos cabelos e de ler os livros repudiados. As crianças cultas não mais brincarão com bonecas, nem com carros de corrida, nas escadas do prédio, nos elevadores, nas escolas primárias as crianças farão sexo, vão aprender musica, poesia, ciências sexo e matemática. Se encontrarem uma lágrima no rosto dessas crianças sabem que são a nova geração de poetas surgidos das nuvens, dos ramos das árvores, das chaminés dos comboios a vapor, no guarda vestidos, em todos os sítios a poesia se cheira se come e se caga e não digam que não é bom o que cagamos porque também a porcaria do que comemos é ela por ela. Voltando á poesia, aqueles que organizam funerais e honras de morte aos poetas, os pobres coitados dos poetas que na lapide ou na biografia terão de ter uma tuberculose ou uma doença sexualmente transmissível, é difícil que um poeta conte uma anedota com piada, mas como pode esta vida desgraçada nos fazer rir. Cesariny é capaz de ser destes poetas, se ele ainda estiver vivo, se ainda gostar de escarnecer, se ainda tiver a língua afiada gostarei de saber que ainda veste as palavras de peixeira e que abana o cu a fazer tremer Lisboa
Lobo 06
Coimbra

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quinta-feira, maio 28, 2009 - 18:55

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lobo

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Re: Os velhos poetas/para lobo

Análise esclarecida e, diria, quase imaculada...

Adorei....

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