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Pobres velhos... Tristes tempos...
E, além de estranho, também é um tempo cruel. O “dolce fair nient” dos “felizes” membros da “melhor idade” não consome, não compra perdulariamente e, então, nada mais “justo e natural” que acabar com essa vagabundagem improdutiva. Ora... Onde já se viu?! Pois se o “bom e nobre” Consumismo capitalista apossou-se do próprio “Che” (se hay um gobierno, jo soy contra; e eu, esperrrrto, lucro com a venda de boinas, camisetas e broches para os novos revoltados), por que teria escrúpulos em não mirar noutros segmentos “oprimidos”? Imagine! Abata-se a próxima vitima!
E foi assim, subliminarmente ou não, que aos velhos (as) foi negado o sagrado e conquistado direito de nada fazer; ou melhor, de só fazer aquilo que desejasse. Decidiu-se, que ele (a) tinha que ser “ativo, atuante, alegre e ‘uma gracinha, precisa ver’” para que fosse aceito pela sociedade. Afinal, o direito de não fazer nada, não gera negócios nem vendas (ops! prospecção de negócios e realização de transações [off course]).
Sim senhor (a)! Seja ativo (a) e compre viagens, roupas para os bailes da 3ª (ops) “melhor idade”, malhas para a ginástica e todos os outros penduricalhos que lhe prometem mais do que um retorno à juventude. Prometem-lhe que seus filhos e suas filhas, seus genros e suas noras; e, paralelamente, seus netos e netas os aceitarão em seu convívio.
Sim senhor (a)! Seja ativo (a), se não, já sabe: “pagará” trinta abdominais. E se continuar a ter artrite, saudades e vontade de ficar em silêncio irá, sim, para o Asilo (ops) “Casa de Repouso”, pois todo mundo sabe que estou estressada, que não tenho tempo, e a nível de pessoa (sic) e enquanto alguma coisa (sic) só posso oferecer-lhe “ajuda profissional” que reedificará a nossa relação afetiva.
Ou seja, eu pagarei para que assalariados ou profissionais liberais obriguem-no a perder a individualidade e a se comportar como os outros, enquanto me oferecem tempo livre e certa consideração da sociedade.
Tempo estranho é este. A medicina nos prolonga a vida, mas, o desenrolar da natureza tornou-se insuportável. Todavia, somos esperrrtos e a enganamos. Ou melhor, enganamo-nos. E tome eufemismo: não, não diga velho, fale idoso. Não, não, não é velhice, é a 3ª (ops) “melhor idade”.
E assim é.
Mas, não! Não, meu caro (a) velho (a), os nossos cabelos brancos não podem estar à venda. Mesmo que vociferem as vozes dos publicitários. Nossos cabelos brancos não são “folhas em branco” onde eles podem desenhar tristes caricaturas. Somos mais que consumidores. Somos mais que fantoches manipulados pelos fios desse mundo egocêntrico, visual e superficial. Somos mais que animais bem treinados (cante, dance, pule, morra) que ganham um biscoito e alguma consideração como recompensa.
Acredite meu velho (a), que os nossos cabelos brancos são marcas de que tivemos um passado, onde, acreditem ou não os publicitários, geriatras, psicólogos, familiares e agregados; existiu uma juventude que nos saciou. Existiu uma juventude original, real e verdadeira. E porque foi tão linda, vivemos com ela até hoje. Baú que guarda os nossos tantos acertos e os poucos erros; nossas lembranças, nossa saudade (lembra quando o filho se jogou na piscina na certeza de que você (eu?) estaria lá? Ou do câncer impróprio que lhe deu medo de não conseguir criá-lo?). Quanta saudade doce...
Permita-se o passado. Não são apenas os museólogos ou professores de história que dele vivem. Somos todos nós, pois se o futuro é incerto, apenas no pretérito é que temos uma aquisição definitiva. Não queira ser “jovem de espírito” porque a essência não se divide em faixas etárias e sempre será maior, muito mais, que qualquer aparência.
Acredite meu velho (a), que além dos cabelos brancos temos muito mais na cabeça. Temos a dignidade de sermos de um tempo em que havia ideologias e, principalmente, ideias. A dignidade de sermos donos e titulares do nosso comportamento. Tempo em que publicidade chamava-se simplesmente ‘reclame’ e por ser simples assim contentava-se em anunciar um produto e nem de longe tinha a petulância atual de ditar o nosso modo de ser. Somos de um tempo em que os ciclos da natureza eram aceitos. Tempo em que criança brincava, o (a) jovem dançava e namorava e os (as) velhos (as) tornavam a sentir esses mesmos prazeres quando bem quisessem, sem a ameaça das “trinta abdominais” e da “Casa de Repouso”. Sabíamos sentir esses prazeres, nos corpos daqueles a quem amávamos.
Somos parceiros da metade do século passado e muito mais que simples massa de consumo. Somos pessoas e isso deve (ou deveria) bastar para sermos aceitos sem que os padrões de modas, tão passageiras, obriguem-nos ao triste espetáculo de figuras deslocadas no espaço e no tempo.
Somos pessoas com cabelos brancos. Transparentes. Pois conquistamos o direito à verdade. O direito de desejar a felicidade alheia e não só a própria. Conquistamos o déjà vu e a certeza do “eterno retorno” (mais de Nietzsche e menos de Schopenhauer) e, principalmente, o direito, amigo (a), de dizer: NÃO!
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação Social e Imprensa. Rio de Janeiro, inverno de 2014.
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