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A Rebeldia do Cadete Euclydes da Cunha

Paulo Monteiro

Um dos episódios mais comentados da vida de Euclydes da Cunha é o ato de rebeldia cometido por ele diante do então ministro da Guerra, que culminou com a exclusão do escritor da Escola Militar.
Silvio Rabelo, na clássica biografia “Euclides da Cunha” (Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1948), assim descreve o caso: “... dispostos em coluna, marchavam os alunos, não sem contrariedade, em face do ministro e oficiais superiores. Desfilaram os primeiros pelotões em perfeita ordem. O terceiro ia já bem perto do ministro Tomás Coelho, quando um cadete se destacou da formatura. Era Euclides. Num assomo de rebeldia e supremo protesto, ele atirou o sabre ao chão, depois de tentar vergá-lo inutilmente no joelho. Há quem diga que o cadete teria nesta ocasião censurado os companheiros, de subserviência diante da autoridade da monarquia, combinados como estavam em não lhe apresentar armas. Pelo menos assim contara a seu amigo Gastão da Cunha. Há, entretanto, uma outra versão: a de que ele teria apenas pronunciado um protesto contra o esbulho do seu direito à promoção de alferes” (Ed. Cit., p. 54).
Eloy Pontes no polêmico “A Vida Dramática de Euclydes da Cunha” (Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1938), transcreve matéria publicada no dia 5 de novembro de em A Gazeta de Notícias, da então Capital do Império, no dia 5 de novembro de 1886. Conta que os alunos da Escola Militar que realizaram manifestação favorável ao tribuno republicano Lopes Trovão, que retornara da Europa, foram impedidos pelo comandante da Escola de deixarem o estabelecimento de ensino. Revoltados, diante do Ministro, que foram visitar a Escola no dia anterior (4 de novembro) “deixaram cair pesadamente as armas ao solo”. “E então um deles, mais exaltado, tomou da baioneta, quebrou-a de encontro ao joelho e, atirando os pedaços da arma para o lado do Sr. Conselheiro Thomaz Coelho, que em sua visita era acompanhado pelo Sr. Senador Silveira Martins, proferiu em altas vozes uma espécie de veemente protesto, acentuando, na mesma ocasião, as crenças republicanas. O Sr. Thomaz Coelho teve de desviar-se, um pouco precipitadamente, para não receber contra suas pernas o choque dos fragmentos da arma; porém, vendo no estado de exaltação do aluno alguma cousa de anormal, lembrou logo que o melhor seria recolhê-lo à enfermaria para que ali fosse submetido a rigoroso exame. (...)” (in Ed. Cit., p. 61).
O senador Silveira Marins, testemunha ocular do incidente, assim o descreveu ao Senado do Império: “No momento em que o corpo de alunos marchava, em continência ao sr. Ministro, a cujo lado se achava o orador, um moço, visivelmente atacado de um ataque histérico, nervoso, atirou a arma ao chão; torceu a baioneta e, saindo da forma, retirou-se, sem que nada perturbasse o exercício, dizendo que aquilo era contra as suas convicções; e pelo modo porque falava e até pela cor da fisionomia pelo tremor geral (porque parecia uma pilha elétrica), bem se via que era vítima de um acesso nervoso”. (Ed. Cit., p. 70).
O general Umberto Peregrino, em “Euclides da Cunha e Outros Estudos” (Gráfica Editora Record, Rio de Janeiro, 1968), transcreve, sob a forma de nota, carta que recebeu do historiador Hélio Viana, sobre o incidente:
“Em agosto de 1944 apareceu em um jornal carioca artigo sobre o incidente de Euclides da Cunha na Escola Militar, que motivou sua saída do exército. Comentava-se, nele, as divergências existentes nas várias versões do fato, quanto a ter o futuro escritor tentado amolgar o sabre, antes de atirá-lo aos pés do ministro da Guerra, ou se o teria feito com o próprio fuzil. Disse-me então, a propósito fuzil. Disse-me então o prof. Venâncio que a única pessoa autorizada a esclarecer a ocorrência seria Alberto Rangel, amigo e colega de Euclides na Escola, presente por ocasião do incidente. (Não sei se Félix Pacheco, em Dois egressos da farda Euclides e Rangel, tratou do caso). Mandei a Rangel, então em Friburgo, o recorte do citado artigo e, em resposta à consulta que lhe fiz, recebi carta sua, de 6 de setembro de 1944, em que dizia:
‘A respeito da questão de saber o que se passou com o sabre euclidiano será bastante simples liquidar essa história. A começar, não houve nem refle, nem trabuco, nem partazana. Estávamos, em forma, em uma revista de mostra. E, portanto, armados a Comblain. Perfilávamos no ombro, em continência, esses fuzis. Repito, nem espadim de aspirante, nem escopetas de bandeirantes. Euclides num gesto característico de impulsivo tirou a arma do ombro em dois movimentos de ordenança bem resumidos e tentando talvez simbolicamente quebrá-la no joelho, atirou-a aos pés do ministro da Guerra. Tão rápido e inesperado ato no rigor de uma formatura em marcha não poderia ter sido visto senão por gente de fora da formatura ou então pelos poucos companheiros que estavam a seu lado imediatamente. Confesso que nada vi. Eu fazia parte da quarta companhia e estava portanto na cauda da tropa e Euclides era da primeira companhia. Quem estaria diretamente a seu lado? Esse ou esses poderiam ter tudo visto. Mas, fora de forma o que soube foi o que simplesmente se referiu entre os meus companheiros de Escola. Euclides não poderia por força de seu gesto momentâneo utilizar-se exclusivamente do sabre que estava engatado na espingarda. O tempo de tirá-lo da arma a que pertencia seria demasiado longo para a instantaneidade de sua loucura.
‘A preocupação de discutir se foi sabre, espadim, “pau furado” que ele tentasse quebrar á uma atordoada cuja verificação nada adianta. Importa o ato e não a qualidade do instrumento.
‘No Corpo de Alunos, formado em parada, não passava Euclides de uma praça nas suas fileiras. O desfile em continência fazia-se baioneta armada no ombro esquerdo. A subtaneidade do arranque do aluno só poderia ser realizada com o fuzil que possuía. Essa história de sabre é de sabrear nas brasas de melhor juízo. Pobre Euclides, está sendo vítima de microcéfalos e microscópios”. (Op. cit., págs. 14 e 15).
Umberto Peregrino procurou outros colegas de farda, contemporâneos de Euclydes, como o general e historiador militar, Tasso Fragoso, que lhe transmitiu apenas “impressões vagas muito vagas”. O general Cândido Rondon, “outro ilustre colega de Euclides na Praia Vermelha, também se confina em escassas e vagas referências, mesmo quando escreve, como já escreveu, uma página especialmente consagrada à evocação de Euclides”.
O general Afonso Monteiro, “memorialista emérito”, “desandou a falar de outros, de numerosos cadetes do seu tempo”. “Quanto a Euclides, soube apenas dizer que era muito arredio, sem relações; era, contudo, amigo de Moreira Guimarães”. Este, procurado pelo general Umberto Peregrino, nada revelou sobre o incidente.
O que se conclui da pesquisa realizada pelo autor de “Euclides da Cunha e Outros Perfis”, junto a contemporâneos do autor de “Os Sertões” na Escola Militar, é que ele, “tirou a arma do ombro em dois movimentos de ordenança e tentando talvez simbolicamente quebrá-la no joelho, atirou-a aos pés do ministro da Guerra”, como muito bem informa Alberto Rangel.
As conseqüências foram muito simples. Os imperiais, desde o início, procuraram minimizar o ato político de Euclydes, classificando como uma cena explícita de loucura. Os republicanos aproveitaram a situação, contribuindo para que ele fosse afastado da Escola por “incapacidade física”. Quatro dias após a proclamação da República retornava ao Exército, como herói.

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quarta-feira, agosto 5, 2009 - 18:24

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