CONCURSOS:

Edite o seu Livro! A corpos editora edita todos os géneros literários. Clique aqui.
Quer editar o seu livro de Poesia?  Clique aqui.
Procuram-se modelos para as nossas capas! Clique aqui.
Procuram-se atores e atrizes! Clique aqui.

 

Maldita Guerra

Paulo Monteiro

Cresci ouvindo minha avó materna contar que sua mãe era uma menina alegre até que os exércitos da Tríplice Aliança entrassem no Paraguai. Com a guerra veio a destruição das propriedades, a fome, a doença, as violências contra as famílias. Seu pai e sua mãe, meus trisavós, morreram. Minha bisavó, ainda criança, ficou como arrimo de família.
Já no final da guerra ia ao acampamento brasileiro, conduzindo seus irmãozinhos, à procura de comida. Nessas idas e vindas fez amizade com um homem de meia-idade, com quem conversava e para o qual revelou seu drama e dos seus irmãos.
Um dia ele lhe disse que estava retornando para o Rio Grande do Sul, para uma cidade chamada Cruz Alta, onde deixara a fazenda, a esposa e filhos pequenos. Abriu seu coração duro, de homem da campanha, acostumado aos horrores das guerras. Admirava o cuidado que ela demonstrava para com os irmãos. E convidou-a para que, juntamente com os pequenos, o acompanhasse para os pagos cruz-altenses. Ali não seriam tratados como criados, mas como filhos.
A menina confiou no gaúcho. Era um dos que destruíram o Paraguai, mas sentia que dentro do peito daquele homem batia um coração humano. Aceitou o convite.
No outro dia, cedo, a guria e seus irmãos estavam aboletados numa carreta. Logo cruzaram a fronteira do Paraguai, atravessara Corrientes e Entre-Rios. Num certo dia chegaram a Cruz Alta.
Após descer do cavalo e abraçar a esposa de quem estivera separado durante largo tempo, apresentou-lhe os recém-chegados. Contou a história daquelas crianças e ordenou que fossem recebidos dentro de casa e aceitos como filhos. A seus filhos legítimos mandou que tratassem os órfãos de guerra como a irmãos de sangue. E assim foi feito. Até certo tempo.
Até certo tempo porque alguns anos depois a paraguaiasinha, na qual os traços guaranis apresentavam exoticidade, e o filho do bem-feitor se apaixonaram. Casaram.
Pouco depois a jovem esposa chamou o marido e lhe disse que sabia que ele possuía um velho relacionamento com uma negra, ex-escrava, que lhe dera dois filhos. Estes tinham sido abandonados pela mãe, da qual não se teve mais notícias.
– Eu sei o que é não ter pai, nem mãe. Vai buscar teus filhos. Vou criá-los como se fossem meus filhos.
O homem não discutiu. Encilhou dois cavalos. Montou num deles e partiu levando o outro ajojado.
Pouco tempo depois retornou trazendo dois menininhos engarupados.
– Deixa que eu apeie nossos filhos! – disse a mulher. E estreitou os mulatinhos nos braços.
Criou-os como seus filhos, junto com os vários filhos que teve.
Por isso, não consigo escrever Guerra do Paraguai. Para mim será sempre guerra contra o Paraguai, uma guerra contra crianças como minha bisavó. Também por isso é que odeio todas as guerras, pois acabam vitimando inocentes. E porque as odeio escrevo sobre elas. Para exorcizá-las. Mas odeio mais ainda aqueles que fazem as guerras e as revoluções necessárias, glosando uma frase famosa.
(O Autor leu a crônica acima, ao final de palestra que pronunciou sobre a contribuição passo-fundense com o esforço de guerra contra o Paraguai, no dia 27 de setembro de 2009, durante o Primer Encuentro Internacional de Historia Respecto a lãs Acciones de Armas Sobre las Costas del Rio Uruguai em la Guerra del Paraguay – Guerra Guazù, realizado no Club Progreso de Paso de los Libres, Argentina).

Submited by

sexta-feira, outubro 2, 2009 - 12:29

Prosas :

No votes yet

PauloMonteiro

imagem de PauloMonteiro
Offline
Título: Membro
Última vez online: há 11 anos 19 semanas
Membro desde: 01/19/2009
Conteúdos:
Pontos: 611

Add comment

Se logue para poder enviar comentários

other contents of PauloMonteiro

Tópico Título Respostas Views Last Postícone de ordenação Língua
Poesia/Amor Oração do Poeta 0 1.293 12/19/2012 - 13:38 Português
Prosas/Outros BOCAGE: O POETA CONTRA A HIPOCRISIA 2 2.045 06/30/2012 - 21:52 Português
Prosas/Outros Anistia para Bocage! 2 1.759 06/30/2012 - 21:39 Português
Prosas/Outros A personalidade violenta de Júlio de Castilhos 0 2.022 06/18/2011 - 17:21 Português
Fotos/ - 845 0 1.860 11/24/2010 - 00:36 Português
Prosas/Outros LAURO RODRIGUES 0 1.868 11/19/2010 - 00:08 Português
Prosas/Outros Traição e massacre em Porongos 0 1.652 11/19/2010 - 00:05 Português
Prosas/Outros Razões que me Levaram a Escrever O Massacre de Porongos & Outras Histórias Gaúchas 0 1.879 11/19/2010 - 00:05 Português
Prosas/Outros A TROVA NO ESPÍRITO SANTO (História e Antologia) 0 2.118 11/19/2010 - 00:05 Português
Prosas/Outros Ensinando o ABC 0 1.946 11/19/2010 - 00:05 Português
Prosas/Outros JUCA RUIVO 0 2.014 11/18/2010 - 23:56 Português
Prosas/Outros VARGAS NETTO 0 1.584 11/18/2010 - 23:56 Português
Prosas/Outros AURELIANO DE FIGUEIREDO PINTO 0 1.809 11/18/2010 - 23:56 Português
Prosas/Outros Academia Passo-Fundense de Letras Elege Nova Diretoria 0 1.867 11/18/2010 - 23:56 Português
Prosas/Outros A comunicação na Justiça Brasileira 0 1.495 11/18/2010 - 23:55 Português
Prosas/Outros Galileu é meu pesadelo 0 1.173 11/18/2010 - 23:55 Português
Prosas/Outros Passo Fundo e a Guerra Contra o Paraguai 0 2.563 11/18/2010 - 23:51 Português
Prosas/Outros Maldita Guerra 0 1.590 11/18/2010 - 23:51 Português
Prosas/Outros Academia Passo-Fundense de Letras revela novos escritores 0 2.782 11/18/2010 - 23:50 Português
Prosas/Outros O Centenário Esquecido do Tratado de Limites Brasil-Peru 0 1.511 11/18/2010 - 23:48 Português
Prosas/Outros Academia Passo-Fundense de Letras Promove Lançamento de Romance Sobre “Caso Adriano” 0 1.505 11/18/2010 - 23:48 Português
Prosas/Outros Federalistas, pica-paus, libertadores e chimangos 0 1.802 11/18/2010 - 23:48 Português
Prosas/Outros O negro em Passo Fundo 0 2.417 11/18/2010 - 23:48 Português
Prosas/Outros A Rebeldia do Cadete Euclydes da Cunha 0 1.836 11/18/2010 - 23:48 Português
Prosas/Outros 1883/2009 – 116 Anos de Ativismo Cultural 0 1.693 11/18/2010 - 23:48 Português