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Schopenhauer e o Idealismo Alemão - Parte III - O Mundo como Ideia
O Mundo como Ideia ou Representação.
Como se disse anteriormente, uma das razões para o sucesso que Schopenhauer alcançou é a clareza com que ele expôs as suas concepções. E, com efeito, uma das primeiras qualidades que se nota no livro “O Mundo como Vontade e Representação (mental, ou ideia)” é a leveza no estilo com que ele redigiu o seu texto.
Ao contrário de Kant, Hegel, Spinoza e outros, que se caracterizaram pela dificuldade de suas linguagens, Schopenhauer é coloquial, direto e pródigo em oferecer exemplos concretos do cotidiano, que facilitam a compreensão de seus argumentos e conclusões, cujo eixo, diga-se, gira em torno da ideia central de que o Mundo é a Representação Mental que fazemos dele; e que a sua essência é a Vontade.
Uma ideia pinçada diretamente da Filosofia/Teologia Hindu – especialmente explicitada no Budismo – e que outorga ao homem a plena responsabilidade por suas dores, sofrimentos e angústias, já que elas são o resultado de sua ganância desmedida, de seu apego à matéria, e do tédio que lhe sobrevém por lhe faltar conteúdo interior.
Ao endossar essa tese, Schopenhauer descartava qualquer interferência divina, mística, sobre a vida do homem, sugerindo, portanto, um ateísmo que à época soava como uma blasfêmia terrível e isso, certamente, foi uma das causas da rejeição que o seu Pensamento despertou, haja vista que a penúria e a desesperança que campeavam na ocasião quase que exigiam o consolo, mesmo que falacioso, de um socorro divino. Embora a sua Filosofia fosse compreensível, clara, ordenada e aceitável para grande parte da população, ela fora maculada pelo “defeito” de negar uma ilusão. Outro motivo para essa rejeição encontra-se no fato de que ele atacava sistematicamente aqueles indivíduos que poderiam facilitar-lhe a aprovação e granjear-lhe simpatia: os Professores universitários e os Doutores em Filosofia. A esse respeito, aliás, tornou-se célebre o seu ataque a Hegel, o “ditador intelectual”, no prefácio da segunda edição da obra. Abaixo algumas sentenças do mesmo, a título de ilustração:
“Nenhum período pode ser mais desfavorável à Filosofia do que aquele no qual ela é vergonhosamente usada de forma incorreta, de um lado para favorecer objetivos políticos, e de outro, como meio de vida (...). Não haverá, então, nada para se opor à máxima ‘primeiro viver, depois filosofar’? Esses cavalheiros desejam viver e, na verdade, viver à custa da filosofia. À Filosofia se dedicam, com suas esposas e filhos (...). Nada se consegue em troca de ouro, a não ser mediocridade (...). É impossível que uma era que há vinte anos vem aplaudindo um Hegel – esse Caliban intelectual – como o maior dos Filósofos (...) faça com que alguém que tenha observado isso fique desejoso de sua aprovação”.
Ao bem da verdade se deve dizer que as censuras de Schopenhauer não podem ser consideradas sinceras, pois ele também ambicionava a glória, a fama e a fortuna e alguns de seus críticos mais severos chegam a afirmar que as invectivas que ele proferia amiúde, eram fruto apenas de uma inveja vil e de um sórdido despeito pelo sucesso alheio.
Contudo, apesar da glória não ter chegado, o seu ideário havia sido colocado na cena da Filosofia e de modo paulatino as suas concepções começaram a ganhar os adeptos necessários para sobreviverem até que o reconhecimento pleno enfim chegasse.
Dessa sorte, amparado pela resistência que as suas teorias demonstravam em meio a tantas hostilidades, ele continuou a exercer a sua natural imodéstia e foi com ela que ele abriu o seu livro, declarando: “O Mundo é a minha ideia”, sem se importar com as críticas que anteriormente ridicularizaram uma sentença semelhante que fora proferida pelo filósofo Fichte, com a pergunta sarcástica: “O que é que a mulher dele diz disso?”.
Pouco ou nada lhe importava a opinião de terceiros, pois a sua intenção era agregar credibilidade à sua teoria, utilizando-se do Pensamento de Kant como um avalista inquestionável. Afinal, fora o mestre que afirmara que o mundo externo só chega ao nosso conhecimento através de nossas Sensações e Ideias.
Após essa entrada “avalizada” pela tese kantiana, ele colocou uma bem ordenada crítica ao Materialismo, a qual, alguns estudiosos julgam dispensável; enquanto outros, inclusive esse escrevinhador, julgam útil para o público que ele buscava atingir, ou seja, os iniciantes nas lides filosóficas. De todo modo, todos reconhecem a valia de seus argumentos ali contidos.
Ele inicia o capitulo com a seguinte indagação: “Como explicar a Mente como matéria, quando só conhecemos a matéria através da mente?”. Na sequência ele afirma que:
“Se tivéssemos seguido o materialismo até agora com ideias claras, quando atingíssemos o ponto mais elevado seriamos tomados de um acesso do inextinguível riso dos Olimpio. Como que acordando de um sonho, ficaríamos de imediato, cientes de que o fatal resultado – o conhecimento – que ele atingira com tanto esforço estava pressuposto como condição indispensável de seu próprio ponto de partida: pura matéria; e quando imaginávamos que pensávamos matéria, na realidade só pensávamos o sujeito que percebe a matéria: o olho que a vê, a mão que a sente, a compreensão que a conhece. Assim, o tremendo erro inicial revela-se de forma inesperada; porque subitamente se percebe que o último elo é o ponto de partida, a cadeia de um círculo (...). O Materialismo grosseiro que mesmo agora, em meados do século XIX, tem sido novamente servido na ignorante ilusão de que é original (...) estupidamente nega a força vital e, antes de tudo, tenta explicar os fenômenos da vida com base em forças físicas e químicas, e estas também com base nos efeitos mecânicos da matéria (...) mas eu nunca acreditarei que até mesmo a mais simples combinação química possa dar margem, alguma vez, a uma explicação mecânica; muito menos no caso das propriedades da luz, do calor e da eletricidade. Estas irão, sempre, exigir uma explicação dinâmica”.
De fato, é impossível solucionar os enigmas metafísicos ou revelar a essência da matéria, estudando-se primeiramente a mesma e só depois o Pensamento. É imperioso que comecemos com aquilo que entendemos direta e intimamente, ou seja, nós mesmos. Nunca se chegará à verdadeira natureza das coisas, à sua essência, partindo-se do exterior para o interior, pois, por mais que exista esforço e boa vontade, só se chegará a imagens e a nomes. Porém, se partirmos para uma investigação séria sobre a natureza, estrutura e funcionamento da nossa mente será possível descobrir “a coisa em si” do mundo externo.
Com esse discurso contra o Materialismo, Schopenhauer reforçou a sua tese de que o mundo é uma construção mental, uma representação que fazemos e a partir dessa consolidação ele parte para a segunda parte de sua obra, onde reafirma ser a Vontade a essência desse mundo. É o que veremos na sequência.
Ao contrário de Kant, Hegel, Spinoza e outros, que se caracterizaram pela dificuldade de suas linguagens, Schopenhauer é coloquial, direto e pródigo em oferecer exemplos concretos do cotidiano, que facilitam a compreensão de seus argumentos e conclusões, cujo eixo, diga-se, gira em torno da ideia central de que o Mundo é a Representação Mental que fazemos dele; e que a sua essência é a Vontade.
Uma ideia pinçada diretamente da Filosofia/Teologia Hindu – especialmente explicitada no Budismo – e que outorga ao homem a plena responsabilidade por suas dores, sofrimentos e angústias, já que elas são o resultado de sua ganância desmedida, de seu apego à matéria, e do tédio que lhe sobrevém por lhe faltar conteúdo interior.
Ao endossar essa tese, Schopenhauer descartava qualquer interferência divina, mística, sobre a vida do homem, sugerindo, portanto, um ateísmo que à época soava como uma blasfêmia terrível e isso, certamente, foi uma das causas da rejeição que o seu Pensamento despertou, haja vista que a penúria e a desesperança que campeavam na ocasião quase que exigiam o consolo, mesmo que falacioso, de um socorro divino. Embora a sua Filosofia fosse compreensível, clara, ordenada e aceitável para grande parte da população, ela fora maculada pelo “defeito” de negar uma ilusão. Outro motivo para essa rejeição encontra-se no fato de que ele atacava sistematicamente aqueles indivíduos que poderiam facilitar-lhe a aprovação e granjear-lhe simpatia: os Professores universitários e os Doutores em Filosofia. A esse respeito, aliás, tornou-se célebre o seu ataque a Hegel, o “ditador intelectual”, no prefácio da segunda edição da obra. Abaixo algumas sentenças do mesmo, a título de ilustração:
“Nenhum período pode ser mais desfavorável à Filosofia do que aquele no qual ela é vergonhosamente usada de forma incorreta, de um lado para favorecer objetivos políticos, e de outro, como meio de vida (...). Não haverá, então, nada para se opor à máxima ‘primeiro viver, depois filosofar’? Esses cavalheiros desejam viver e, na verdade, viver à custa da filosofia. À Filosofia se dedicam, com suas esposas e filhos (...). Nada se consegue em troca de ouro, a não ser mediocridade (...). É impossível que uma era que há vinte anos vem aplaudindo um Hegel – esse Caliban intelectual – como o maior dos Filósofos (...) faça com que alguém que tenha observado isso fique desejoso de sua aprovação”.
Ao bem da verdade se deve dizer que as censuras de Schopenhauer não podem ser consideradas sinceras, pois ele também ambicionava a glória, a fama e a fortuna e alguns de seus críticos mais severos chegam a afirmar que as invectivas que ele proferia amiúde, eram fruto apenas de uma inveja vil e de um sórdido despeito pelo sucesso alheio.
Contudo, apesar da glória não ter chegado, o seu ideário havia sido colocado na cena da Filosofia e de modo paulatino as suas concepções começaram a ganhar os adeptos necessários para sobreviverem até que o reconhecimento pleno enfim chegasse.
Dessa sorte, amparado pela resistência que as suas teorias demonstravam em meio a tantas hostilidades, ele continuou a exercer a sua natural imodéstia e foi com ela que ele abriu o seu livro, declarando: “O Mundo é a minha ideia”, sem se importar com as críticas que anteriormente ridicularizaram uma sentença semelhante que fora proferida pelo filósofo Fichte, com a pergunta sarcástica: “O que é que a mulher dele diz disso?”.
Pouco ou nada lhe importava a opinião de terceiros, pois a sua intenção era agregar credibilidade à sua teoria, utilizando-se do Pensamento de Kant como um avalista inquestionável. Afinal, fora o mestre que afirmara que o mundo externo só chega ao nosso conhecimento através de nossas Sensações e Ideias.
Após essa entrada “avalizada” pela tese kantiana, ele colocou uma bem ordenada crítica ao Materialismo, a qual, alguns estudiosos julgam dispensável; enquanto outros, inclusive esse escrevinhador, julgam útil para o público que ele buscava atingir, ou seja, os iniciantes nas lides filosóficas. De todo modo, todos reconhecem a valia de seus argumentos ali contidos.
Ele inicia o capitulo com a seguinte indagação: “Como explicar a Mente como matéria, quando só conhecemos a matéria através da mente?”. Na sequência ele afirma que:
“Se tivéssemos seguido o materialismo até agora com ideias claras, quando atingíssemos o ponto mais elevado seriamos tomados de um acesso do inextinguível riso dos Olimpio. Como que acordando de um sonho, ficaríamos de imediato, cientes de que o fatal resultado – o conhecimento – que ele atingira com tanto esforço estava pressuposto como condição indispensável de seu próprio ponto de partida: pura matéria; e quando imaginávamos que pensávamos matéria, na realidade só pensávamos o sujeito que percebe a matéria: o olho que a vê, a mão que a sente, a compreensão que a conhece. Assim, o tremendo erro inicial revela-se de forma inesperada; porque subitamente se percebe que o último elo é o ponto de partida, a cadeia de um círculo (...). O Materialismo grosseiro que mesmo agora, em meados do século XIX, tem sido novamente servido na ignorante ilusão de que é original (...) estupidamente nega a força vital e, antes de tudo, tenta explicar os fenômenos da vida com base em forças físicas e químicas, e estas também com base nos efeitos mecânicos da matéria (...) mas eu nunca acreditarei que até mesmo a mais simples combinação química possa dar margem, alguma vez, a uma explicação mecânica; muito menos no caso das propriedades da luz, do calor e da eletricidade. Estas irão, sempre, exigir uma explicação dinâmica”.
De fato, é impossível solucionar os enigmas metafísicos ou revelar a essência da matéria, estudando-se primeiramente a mesma e só depois o Pensamento. É imperioso que comecemos com aquilo que entendemos direta e intimamente, ou seja, nós mesmos. Nunca se chegará à verdadeira natureza das coisas, à sua essência, partindo-se do exterior para o interior, pois, por mais que exista esforço e boa vontade, só se chegará a imagens e a nomes. Porém, se partirmos para uma investigação séria sobre a natureza, estrutura e funcionamento da nossa mente será possível descobrir “a coisa em si” do mundo externo.
Com esse discurso contra o Materialismo, Schopenhauer reforçou a sua tese de que o mundo é uma construção mental, uma representação que fazemos e a partir dessa consolidação ele parte para a segunda parte de sua obra, onde reafirma ser a Vontade a essência desse mundo. É o que veremos na sequência.
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.
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quinta-feira, junho 19, 2014 - 19:09
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