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Spinoza e o Panteísmo - Parte XIII - O Tratado Politico


 
Agora, completaremos as considerações sobre o primeiro livro de Spinoza, Tratado sobre a Religião e o Estado (Tractatus Theologico-Politicus), no quesito relativo aos Estados e aos Governos.
Nesse trecho o filósofo revela-se totalmente amadurecido ao emitir seus argumentos e conclusões, os quais, ainda hoje, são plenamente válidos e verdadeiros, revelando, assim, o quão pouco o homem progrediu em sua jornada.
Lamentavelmente continuamos a ser apenas uma mera cópia mal feita de um Ser que insistimos em deturpar ao lhe conferir traços antropomórficos e ao utilizá-lo como justificativa para a ganância excessiva e para a violência bestial.
Ler as considerações de Spinoza sobre o tema é um exercício que nos choca pela fidelidade de nosso retrato, mas, também é a oportunidade de saborearmos a profundidade de seu ideário e magnitude de sua inteligência.
O “Tratado” foi escrito quando o autor já tinha certa idade e ficou incompleto devido à morte prematura do filósofo, mas, ainda assim, seu conteúdo é tão pleno de significação, que embasa vários outros Sistemas políticos e filosóficos.
Membro da mesma geração de Hobbes, que não se furtou em exaltar a monarquia absoluta e a execrar a rebelião dos súditos ingleses; de Milton, que, ao contrário, defendeu vigorosamente o povo rebelado e de Jan de Witts, que foi um ardoroso defensor da república e seu amigo dileto, Spinoza concebeu uma “Filosofia Política” de tal porte, que as suas ideias liberais e democráticas serviram de embasamento para o filósofo Jean Jacques Rosseau e para a ideologia da Revolução Francesa, entre outros.
Para ele, toda Filosofia Política deve ser gerada a partir da diferenciação existente entre a Ordem Natural e a Ordem Moral; ou seja, entre a existência primitiva, anterior à formação da Sociedade; e a existência a partir do acordo entre os indivíduos que formou o primeiro agrupamento social. O famoso Contrato Social de Rosseau.
Segundo Spinoza, no inicio dos tempos, os homens viviam isolados, exceto, talvez, pelas presenças do cônjuge, da descendência e de outros membros da família ou do clã. Viviam sem outra lei que não fosse a “do mais forte” e, obviamente, inexistiam conceitos como “Bem”, “Mal”, “Certo”, “Errado”, “Justo”, “Injusto” etc.
O Poder e o Direito constituíam uma coisa apenas, sendo a força física, guerreira, o único lastro para ambos. Nas palavras do filósofo:
“Em um estado natural, nada pode existir que possa ser chamado de bom ou mau* de comum acordo, já que cada homem que está em estado natural consulta apenas a sua vantagem e determina o que é bom ou mau segundo a sua própria imaginação e na medida em que só leva em consideração a sua vantagem e não se acha responsável para com ninguém, exceto para consigo mesmo, perante lei alguma; portanto, o pecado não pode ser concebido em estado natural, mas apenas em um estado civil, onde aquilo que é bom ou mau* é decretado de comum acordo e cada indivíduo é responsável perante o Estado. (...) A lei e os regulamentos da natureza sob os quais todos os homens nascem e na maior parte vivem não proíbem coisa alguma a não ser aquilo que ninguém quer ou pode fazer, e não se opõem à rivalidade, ao ódio, à raiva, à traição ou, de modo geral, a nada que o apetite sugira”.
Atualmente, esse “Estado de Natureza” pode nos parecer muito remoto, distante e superado; mas, um olhar mais atento nos revela que ele ainda vigora fortemente em nossos dias, embora já não seja praticado pelos indivíduos e, sim, pelas Nações ou Estados.
Nações que agem sem qualquer outra motivação que não seja o seu interesse próprio, direto e imediato, o qual, geralmente, refere-se ao aumento de riquezas, de terras, de recursos minerais e/ou energéticos etc. Aumento de seu Poder, em resumo.
A propósito, tornou-se célebre a sentença do Marechal e Presidente alemão Bismarck: “Não existe altruísmo entre as nações”.
E com a devida licença do amável leitor (a), eu acrescento: nem decência!
Com efeito, entre os países só existe rivalidade, inveja, preconceito e rancor, do que não resulta um número proporcional de guerras, apenas pelo medo da autodestruição, pois o mesmo instinto de autopreservação que há em todos os seres vivos, também se faz presente em todos os outros organismos ou organizações.
É certo que existem casos de auxilio, bem como se tem alguns órgãos supranacionais, como a ONU, que tentam exercer algum tipo de governança, mas, em essência, a relação entre os países é marcada por disputas e hostilidades, declaradas ou escamoteadas, que reproduzem fielmente a primitiva ordem natural onde o único critério é a força bruta.
E isso acontece porque só é possível existirem a Lei e a Moralidade se também existir uma autoridade que tenha poder efetivo para implantá-las e mantê-las. E como se sabe, essa autoridade mundial inexiste.
Os chamados “Direito de Estado” são, em verdade, “Poderes (econômico, bélico etc.)”, sendo que quanto maior forem esses últimos, maiores serão aqueles primeiros.
Um comportamento muito próximo, aliás, daquele que se verifica entre os animais, pois como entre as espécies não há qualquer organização, Lei ou regras morais, cada uma se impõe às outras na proporção direta de sua força. Faz, portanto, o que quer, dentro de suas possibilidades.
Em relação aos indivíduos, como se sabe, em certo momento o homem viu que precisava unir-se aos outros para conseguir sobreviver e prosperar em um mundo tão hostil. Dessa sorte, a ordem natural foi substituída pela ordem moral e com isso o poder natural foi sufocado, mas não extinto totalmente; e é por essa razão que o homem continua a agir de acordo com o mesmo enquanto não é impedido pelas Leis ou até que lhe seja impossível manter o disfarce sob o qual vinha agindo.
Na verdade, aliás, é muito mais comum que o indivíduo dê vazão aos seus instintos primitivos de forma dissimulada e sob uma capa de moralidade do que enfrentar diretamente as proibições de forma direta, já que isso poderia causar-lhes efeitos deletérios.
Exceto em casos raríssimos, os homens não são, por natureza, dotados de solidariedade, bondade etc. Embora as manifestações dessas características sejam relativamente comuns, a verdade é que o seu real motivo é apenas a hipocrisia, a covardia e/ou o desejo de manipular outrem ou todo o grupo social.
É uma fraude tão corriqueira que se tornou inconsciente; e de tão comum, acaba sendo esperada e, às vezes, até considerada genuína. Espera-se que aparentando bondade, honestidade, coragem etc. a recíproca seja verdadeira e que tais qualidades possam ser cobradas dos demais.
Mas, ainda que não seja naturalmente talhado para a convivência social, o homem se vê obrigado a tolerá-la, pois depende de outrem para sobreviver.
E já que essa imposição é inelutável, o indivíduo é adestrado pela família, pela escola e pela sociedade para dissimular seus reais sentimentos e com isso parecer “amistoso”, “agradável” e tornar-se “querido” pelo agrupamento social. Nas palavras de Spinoza: “o homem não nasceu para a cidadania, mas deve ser preparado para ela”.
Esse preparo, segundo o filósofo, tem inicio tão logo a criança demonstre possuir um mínimo de capacidade de compreensão e prossegue por toda a vida do sujeito, sendo variável apenas o tipo de coerção que o obriga a sufocar seus instintos básicos.
Porém, inobstante, a presença constante desses freios, a maioria da população é constituída por rebeldes contra a Lei e/ou contra o subproduto das mesmas: os “Costumes”.
É uma situação quase irreversível por uma questão de antiguidade e de enraizamento na mente humana, haja vista que os Instintos surgiram muito antes que a capacidade de racionalização, de compreensão das convenções sociais. Processo, aliás, que se repete em toda criança que nasce, pois antes de poder compreender qualquer coisa, o bebê age movido apenas pelos instintos.
Assim sendo, ao contrário do que acreditava Jean Jacques Rosseau, seus adeptos e outros, o homem não é “bom por natureza”.
Contudo, a união com outros homens possibilita o surgimento de alguns sentimentos mais brandos, decodificados como “senso de família”, de “clã” etc., pois, segundo Spinoza, o homem desenvolve a capacidade de gostar daquilo que se parece consigo** e, dessa forma, surge o que ele chamou de “imitação de emoções” e, até, alguma estima verdadeira.
Processo que auxilia a continuidade do estado de “Ordem Moral”, da qual resulta o “Poder Legal e Moral” do grupo social, da sociedade, em detrimento do “Poder Individual”, já que parte da soberania individual é transferida para a Comunidade em troca do auxilio e da defesa que ela pode oferecer.
O indivíduo abdica, por exemplo, do “poder” ou do “direito” de surrar quem lhe incomoda, para ter a “garantia (ou a sua presunção)” de que não será surrado por quem ele incomoda.
O “Poder (a capacidade de influenciar, de interferir, de comandar etc.)” ainda continua sendo o lastro do Direito, mas o Poder do “Todo”, da Sociedade, limita o do indivíduo, do homem físico; ao contrário do acontece entre as Nações, como se disse anteriormente.
Essa visão “ácida” que Spinoza faz do homem; e que, em principio, parece destoar de sua proverbial suavidade e desagrada alguns leitores (as) por parecer excessivamente rígida e negativa
 
Continua....

Nota do Autor** - essa capacidade de gostar do semelhante seria a explicação para o maior apego que sentimos pelos mamíferos do que pelas serpentes, por exemplo?

Nota do Autor – mau*, mantida a grafia original.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

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terça-feira, agosto 26, 2014 - 15:45

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