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A Valsa
Já se vão mais de quinze anos, mas a imagem não me sai da memória. Os seus maltratados sessenta davam a aparência de serem mais. Sujo, maltrapilho, barbudo e eternamente bêbado, Nini perambulava pela cidade. Talvez pela vida.
Eu já o conhecia porque não era raro que ele fosse dormir na sacada de minha casa. Não que ele fosse perturbador por ser agressivo ou inconveniente. O seu problema era o mau cheiro que a todos incomodava. Até ao cachorro que, coitado, tinha muito mais capacidade de olfato que nós outros.
E por tanto expulsá-lo, acabamos criando uma relação singular que se não era de franca amizade, deixara de ser de hostilidade; e foi assim que ao lhe ver naquela tarde uma onda de carinho por aquele homem - que deixara de ser, sabe-se lá por quantas desilusões, frustrações e mágoas - me tomou.
O botequim não diferia em essência de todos os outros. Talvez fosse mais limpo, o que, diga-se, não fazia muita diferença para a fauna que o habitava, mais que freqüentava, naquele Sábado. Pinga, vermute, cerveja e, aí sim, o inabitual som de um acordeom, cujo proprietário tocava uma valsa antiga.
Como por puro reflexo, Nini tomou a imaginária dama e com ela valsou. Dançou, rodopiou e ao passarmos por ele não se conteve e com gestos largos fez-nos uma mesura que se dos outros arrancou gargalhadas, de mim arrancou um suspiro de pura saudade.
Saudade do tempo em que valsas só eram interrompidas pelas mesuras. Saudade do tempo em que se é limpo de corpo e de alma. Saudades de um tempo em que os salões eram acessíveis. Saudades de um tempo em que Nini podia dançar sem que rissem de sua capacidade de sonhar.
Saudade do tempo em que meu nome era Fabio e não Nini. Saudade do tempo em que a dama não era só uma outra saudade. Era Lilian que comigo dançava como se a vida nunca fosse ser interrompida pelo silêncio de uma música que acaba. Pelo silêncio de uma Musa que se cala.
Para Lilian
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