Trecho de diário - Chile 2003

Andei, andei e andei. E quando não agüentava mais andei mais ainda.
Vi prédios, vi ruas, vi arquiteturas abandonadas, vi senhores jogando ping pong na praça. Vi brigas, vi crianças caçoando dos mais velhos. Vi as pequenas gangues de skate. Vi universidades, vi avenidas, ruínas e feiras. Vi os espetáculos de rua. Vi a bondade humana e a competência profissional. Vi tristeza nos olhares e medo em suas faces e vi o sol, o sol se por e a noite chegar...

Foi só um dia? Sim, fora só um dia, mas este não era um dia como outro qualquer.

Conhecer uma cultura, ver seu povo, ouvir sua língua e saber que no fim toda cultura sucumbe ao capitalismo, a exploração. Um país vale quanto pesa, a exploração de suas belezas, suas riquezas. Não importando a que custo isso foi conseguido.
Entretanto o que importa é que na temporada, todos os hotéis estejam cheios de turistas, com seus cartões de crédito prontos para desfrutar de todo o conforto que lhes é ofertado a preço “justo” e depois dizer em casa para os amigos, “há eu conheço o país X”, será?
Longe de mim criticá-los, pois provavelmente num futuro próximo, eu seja só mais um turista com cartão de crédito contabilizando uma vaga a menos num hotel da estação...

Mas não ainda, não hoje...
Feliz sábado
Quando me pergunto será que um turista conhece o país que visita?

- A expressão de seu povo
- Sua comida
- Suas riquezas
- Suas pobrezas
- Seus mendigos
- Suas ruas escuras
- Seus prédios abandonados
- Suas lutas e derrotas

A verdadeira cultura vive nas ruas. Foi marginalizada, obstante sobrevive. Sobrevive nas mãos dos malabaristas em semáforos. Na voz dos cantores de rua e praças. No artista pintado e no mímico a distrair a todos. No palhaço sorridente, nos punks indiferentes. No artesanato que não encontrou espaço nos shoppings para se mostrar, mas sobrevive nas alegres vielas da cidade, ganhando vida nos camelôs, agora donos de seus próprios destinos.

As ruas são um verdadeiro show para todos aqueles que estão dispostos a abrir os olhos e conhecer o verdadeiro cheiro das ruas

Lágrimas que não serão
Enxugadas
Sorrisos que não serão
Fotografados
Canções que não serão
Gravadas
Beijos que não serão
Filmados

Presenças e eventos
que se perderam no
vento do momento

Esquecidos na retina
Marginalizada das ruas
Que retrocedem a verdadeira
Vida nua e crua
Santiago – Chile
25/07/2003

para as ruas e seus
atores
deste
enorme palco chamado

R U A