Rudolf CARNAP - Filósofos Modernos e Contemporâneos
1891- 1970
O Círculo de Viena e o Positivismo Lógico
Ali, enquanto escrevia sobre Física, CARNAP estudou cuidadosamente a “Critica da Razão Pura”, de Kant (como se sabe, essa obra investiga o alcance e os limites do raciocínio Humano), em um curso ministrado por Bruno Bauch e a “Lógica Matemática” de Gottlob Frege (1848 – 1925).
Tais interesses já sinalizavam sua inclinação para o aspecto “prático, concreto” da Filosofia. Já era possível vislumbrar a sua disposição em ver o papel da Filosofia no Século XX apenas como a tarefa de fazer a análise lógica e os esclarecimentos dos Conceitos Científicos. Para ele, vários dos “Problemas Filosóficos (ou das questões analisadas pela Filosofia)” que aparentemente são intrincados e profundos, em verdade, inexistem, pois – de acordo com suas concepções materialistas – não podem ser comprovados (tampouco refutados) por Experiências Cientificas. Seriam, com efeito, pseudoproblemas originados apenas por confusões lógicas advindas da forma equivocada de como a Linguagem é utilizada.
Após servir ao Exército alemão e lutar na 1ª Guerra Mundial por três anos, CARNAP obteve permissão para prosseguir seus estudos em Física na Universidade de BERLIN, entre 1917 e 1918. Nessa ocasião, aliás, foi aluno de Albert Einstein.
Da capital alemã, o Filósofo transferiu-se para a Universidade de Freiburg onde escreveu sua Tese em que estabeleceu uma Teoria Axiomática (ie, composta por Axiomas – as premissas evidentes e aceitas como verdadeiras, sem a necessidade de comprovação dessa condição) sobre o Espaço/Tempo.
O resultado alcançado pela Tese não foi, porém, tão favorável quanto era esperado. O Departamento de Física julgou-a “muito filosófica” e Bruno Bauch, do Departamento de Filosofia, considerou-a “pura Física ortodoxa (sem qualquer acrescimento ao Saber já estabelecido. Sem qualquer ousadia que lançasse novas luzes sobre o tema)”, que apenas repetia as Teorias de Espaço/Tempo já conhecidas. Porém, apesar do malogro no meio acadêmico, a obra foi publicada em 1922.
Antes dessa publicação, CARNAP travou relações com o Filósofo Bertrand RUSSELL que gentilmente respondeu à sua missiva com um longo manuscrito em que copiou trechos de sua obra máxima “Principia Mathemática (escrita em parceria com Alfred N. Whitehead)” e lhe ofereceu como um presente providencial, haja vista que a miséria em que a Alemanha ficou após a derrota na Guerra não permitia ao Filósofo, nem à Universidade, comprar os exemplares necessários. E também providencial por lhe dar alguns subsídios para consolidar seu Ideário em que a Lógica (a Racionalidade) e Materialismo Positivista tiveram lugar destacado.
Em 1924 e 1925 CARNAP também participou de Seminários com o inglês Edmundo Husserl – o fundador da Fenomenologia – e o contato com esse Mestre reforçou seu cabedal de conhecimentos e embasou a continuidade de seu trabalho sobre a Física, olhada sob o ponto de vista do “Positivismo Lógico”.
NOTA do AUTOR – o Positivismo Lógico, como se sabe, é o Sistema Filosófico que rejeita toda visão Metafísica, Sobrenatural e afirma que só existe efetivamente aquilo que é material, físico, concreto. E, ainda, que possa ser verificada, comprovada ou refutada.
Todos os Pensadores que conheceu tiveram decisiva importância em seu Saber, mas foi em Hans Reichenbach que CARNAP encontrou seu espírito irmão, com o qual manteve estreita colaboração e fraternal amizade durante toda vida. Hans, durante uma Conferência em 1923, apresentou-o a Moritz Schbick que o convidou para trabalhar em seu departamento na Universidade de Viena. Ali, CARNAP foi empossado em 1926 e a partir daí reuniu-se aos outros intelectuais que formaram o famoso “Circulo de Viena”. Liderados por Schlick, o grupo incluía Hans Hann, Friedrich Waimann, Otho Neurath e Herbert Feigl, além de CARNAP.
NOTA do AUTOR – Veja nessa série de Ensaios, aquele dedicado a esse agrupamento de Pensadores.
Além das ações em conjunto com esse grupo, CARNAP manteve proveitoso contato com Wittgenstein. Em parceria com Hans e com Neurath escreveu, em 1929, o importante “Manifesto do Círculo de Viena”; e com Reichenbach fundou a Revista “Erkenntnis” que até hoje é considerada como um dos principais periódicos filosóficos.
Ainda no campo da produção literária, não se pode deixar de citar dois importantes livros que o Filósofo publicou em 1928 – AUFBAU, A Estrutura Lógica do Mundo e Pseudoproblemas em Filosofia – que resumem suas concepções filosóficas. Adiante voltaremos aos mesmos.
Em fevereiro de 1930, CARNAP visitou Varsóvia e ali desenvolveu seus conhecimentos sobre a abordagem da Semântica, a partir da Teoria de “Filosofia de Modelos” do célebre Pensador Tarski.
Em 1931, foi nomeado Professor na Universidade de Praga (onde se falava alemão) e ali escreveu sua “Sintaxe Lógica da Linguagem”, publicado em 1934, que o tornou o “Positivista Lógico” mais aclamado à época. Em 1933, o Filósofo Quine o visitou e a “Sintaxe” serviu como centro da conversa entre ambos e como ponto de inicio para a admiração que Quine passou a ter por CARNAP. Admiração e respeito mútuo, diga-se, ainda que houvesse divergências pontuais sobre as conclusões filosóficas de Rudolf.
No campo da Política, CARNAP perdeu todas as ilusões com o avanço do Nazismo. E como o seu Pacifismo e a sua inclinação ao Socialismo tornaram-no um alvo para os asseclas de Hitler, emigrou para os EUA em 1935 e em 1941 naturalizou-se estadunidense.
Na nova pátria, de 1936 a 1942 lecionou na Universidade de Chicago onde fez dupla com Charles W. Morris em defesa da primazia a ser dada à Ciência e à Lógica. Defesa, aliás, que não trouxe muita simpatia à dupla, mas que não impediu que sua produção fosse profícua e importante. Seus escritos sobre Semântica e Lógica Modal permanecem válidos ainda hoje e muito próximos da abordagem hodierna sobre a “Semântica dos Mundos Possíveis” e das Fundações (ou Bases) da Probabilidade e Indução.
CARNAP também trabalhou por um curto tempo no “Instituto para o Estudo Avançado” de Princeton. Em 1954 ele se juntou ao Depto de Filosofia da Universidade da Califórnia (ULCA) em Los Angeles.
NOTA do AUTOR – Essa adesão, aliás, só aconteceu após um segundo convite, já que ele recusara o primeiro, por este estar condicionado à exigência de que fizesse uma “declaração de lealdade”, aos moldes do Movimento “Mccarthysta”; que, como é sabido, foi um Movimento de extrema-direita que vigorou no Congresso e na Sociedade estadunidense e se propunha “a defender a democracia (sic)” perseguindo com selvageria todos os Intelectuais e Artistas que fossem suspeitos de qualquer ligação com os Movimentos de Esquerda.
Na ULCA, o Filósofo escreveu sobre Conhecimentos Científicos, sobre a Dicotomia entre o Analítico e o Sintético e sobre o Principio da Verificação. Temas afins ao seu Ideário, no qual o Progresso Científico é o objetivo e o condutor dos Homens.
Na sequência abordaremos suas duas obras fundamentais, onde ele detalha sua concepção em defesa da Lógica, do Positivismo, do rigor no emprego da Linguagem e a sua contestação à Metafísica.
Estrutura Lógica do Mundo “AUFBAU” – nessa obra, CARNAP reflete sobre o Empirismo*, afirmando que todos os Termos Científicos são análogos aos termos que nomeiam os Fenômenos (lembrando que Fenômenos são os fatos, as coisas que captamos através dos nossos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]).
*Empirismo – o Sistema Filosófico que defende a tese de que o Conhecimento que adquirimos nos chega exclusivamente através do que os nossos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) conseguem captar, para só depois serem Racionalizados.
O Sistema que ele utilizou para montar, ou estruturar seu Livro escora-se no critério único de que um Elemento é semelhante ao outro. Ou seja, um termo, ou um nome científico é análogo ao seu correspondente fenomênico.
Ora, se os termos científicos são naturalmente Lógicos, os termos que definem os fenômenos também o serão, portanto a Estrutura, ou o Formato do Mundo, formado pelos Fenômenos, só pode ser Lógica.
Sua obra foi fortemente influenciada pelo trabalho de Russerl, “Principia Mathemática”, contudo, com o correr do tempo, ele se afastou dos Conceitos que ali defendera e chegou até a proibir a tradução da obra para o inglês até 1967.
Pseudoproblemas em Filosofia – nesse livro, CARNAP defendeu seu ponto de vista de que muitas questões filosóficas não tem qualquer significado, haja vista que aquilo que as sustem é apenas erro de Linguagem. Aliás, foi por isso que ele, e inúmeros outros Pensadores contemporâneos, rejeitou peremptoriamente toda Metafísica, alegando que nada que seja Sobrenatural pode ser comprovado.
Essa rejeição foi o tema que mais lhe deu fama, mas não necessariamente prestigio, pois, além daqueles que viam (e veem) essa posição como uma ótica medíocre*, alguns Filósofos importantes, como Willard Quine e Karl Popper, argumentaram que seus padrões sobre o que seria “Significativo, ou Importante” eram tão rígidos que se tornaram meras Idealizações, ao contrário do que se verifica na prática das Ciências.
*NOTA do AUTOR - afinal, como se pode ter a petulância de negar alguma coisa pelo simples fato de não se ter a capacidade para percebê-la através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato)? Seria como negar a existência de um homem desconhecido que resida na China, apenas por não ser possível tocar-lhe, escutar-lhe, vê-lo etc. Por não poder estudar seu peso, sua altura e suas outras características físicas.
O imponderável deve sempre ser aceito, ao menos como possibilidade, pois como afirmava Popper em sua “Teoria da Falsificabilidade”, nenhuma quantidade de comprovações positivas pode, ou deve assegurar que uma Teoria é verdadeira, já que bastará um único resultado negativo para demonstrar a sua incorreção.
Logo, afirmar a completa inexistência do Sobrenatural, ou Metafísico e reduzir a importância e a função da Filosofia (ao decretar que seu único papel, em virtude do sucesso e da hegemonia das Ciências, é a Análise Racional ou Lógica e o esclarecimento dos Conceitos Científicos) configura um grave erro na medida em que suprime do Homem o arcabouço mental que o diferencia das outras criaturas. Será torná-lo um mero “Ser” ocupado com a monótona burocracia dos Conceitos estipulados e prisioneiro dos estreitos liames do Materialismo.
Sobre esse aspecto, outra censura se juntou à dos Filósofos citados. Foi proferida pelo Erudito Thomas Kuhn que na década de 1960 – tanto quanto outros Pensadores da época – iniciou seus estudos sobre as implicações impostas à Sociedade pelo Progresso Científico (poluição, aquecimento global etc.). Esse questionamento iniciou a desconstrução do “totem” em louvor ao “Avanço das Ciências” que fora erigido nos anos anteriores. Com isso, teve inicio a rejeição ao Materialismo que embasa o Positivismo Lógico, a arena em que CARNAP brilhara.
Todavia, antes de encerrarmos será justo vermos em seu Ideário – bem como nos Sistemas similares – um luta honesta, embora incorreta, contra o “excesso” de Metafísica que, seguramente, é tão pernicioso quanto a sua supressão total. Afinal, foi em razão desse excesso que prosperaram as Crenças religiosas e as crendices místicas que manipularam a Humanidade ao longo dos séculos, com funestas consequências.
Outro ponto a lhe ser creditado é o que se refere à sua importante contribuição ao Pensamento Ocidental ao pregar o necessário cuidado no uso da Linguagem para se evitar ambiguidades ao se falar sobre as Ciências; e o aparecimento de falsos problemas a serem resolvidos pela Filosofia.
São Paulo, 18 de Junho de 2012.
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Obgrigada pela
Obrigada pela partilha, amigo, fabiovillela. Li com interesse este escrito, ficando mais enriquecida.
Bjo :)