Manhã Submersa
Lentamente, o casarão foi rodando com a curva da estrada, espiando-nos do alto da sua quietude lôbrega pelos cem olhos das janelas. Até que, chegados à larga boca do portão, nos tragou a todos imediatamente, cerrando as mandíbulas logo atrás. Enrolado na multidão silenciosa, fui subindo a larga escadaria em cujo topo um padre quieto, de mãos escondidas nas mangas do viatório, ia separando as divisões para as respectivas camaratas. Mudos e quedos, ao pé dos muros, aparecerem-me ainda, ao longo do corredor, vários padres de sentinela. E na pura ameaça do seu olhar de sombra eu sentia, mais escura, a grandeza ilimitada de um pavor abstracto
Falo agora à memória destes últimos vinte anos e pergunto- me que destino atravessou a minha vida além desse pavor, que outra voz mensageira lhe chamou ao futuro além da voz de uma noite sem fim.
Eu vivia, de resto, agora, e cada vez mais, da minha imaginação. E foi por isto a partir de então que eu descobri a violência da realidade. Nada era como eu tinha fantasiado e não sabia porquê. Parecia-me que havia sempre outras coisas à minha volta e que eu não supunha, e que essas coisas tinham sempre mais força do que eu julgava. Assim, a minha pessoa e tudo aquilo que eu escolhera para mim não tinham sobre o mais a importância que eu lhes dera. Chegado à realidade, muita coisa erguia a voz por sobre mim e me esquecia.
Dói-me o que sofri e recordo, não o que sofri e evoco.
Porque o peso da dor nada tem a ver com a qualidade da dor. A dor é o que se sente.
… que a descoberta de nós próprios era a descoberta maravilhosa de uma força inesperada.
http://topeneda.blogspot.pt/ Vergílio Ferreira
Submited by
Poesia :
- Login to post comments
- 1984 reads
Add comment
other contents of topeneda
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia/Thoughts | Ideologias Fósseis | 0 | 5.697 | 08/31/2011 - 07:44 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Desafio da raça humana | 0 | 2.399 | 08/31/2011 - 07:41 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Cultura da baixa produtividade | 0 | 2.712 | 08/31/2011 - 07:38 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Exercer o controlo sobre o destino | 0 | 2.627 | 08/31/2011 - 07:31 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Desafio Hercúleo | 0 | 4.599 | 08/31/2011 - 07:28 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Cordão de solidariedade | 0 | 4.317 | 08/31/2011 - 07:24 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | A violência faz parte do curriculum | 2 | 3.719 | 08/30/2011 - 18:02 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | A revolução preserva a vitalidade | 0 | 1.730 | 08/30/2011 - 08:14 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Pintura de um Sobrevivente | 0 | 2.994 | 08/29/2011 - 11:51 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Ideologia | 2 | 1.483 | 08/29/2011 - 07:37 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | FMI | 2 | 3.536 | 08/28/2011 - 21:10 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Obedecer é para qualquer um | 2 | 2.737 | 08/28/2011 - 20:04 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Sentimento de impunidade | 0 | 2.580 | 08/28/2011 - 14:40 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | A justiça é neve no Verão | 0 | 2.485 | 08/28/2011 - 14:37 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | O nu mortifica | 0 | 3.645 | 08/27/2011 - 10:47 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Evolução biológica | 0 | 4.013 | 08/27/2011 - 10:42 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Se dessem olhos ao povo o que faria ele? | 0 | 2.484 | 08/27/2011 - 10:30 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Loucos precisam-se ! | 0 | 3.636 | 08/27/2011 - 10:16 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Desejar de não precisar dos outros | 0 | 2.502 | 08/27/2011 - 10:04 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Falta de substância | 0 | 2.759 | 08/27/2011 - 09:59 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | O Pântano | 0 | 2.544 | 08/27/2011 - 09:56 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911) | 2 | 2.684 | 08/25/2011 - 17:24 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Estado da Educação | 0 | 3.021 | 08/25/2011 - 13:44 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Aquecimento global | 0 | 1.729 | 08/25/2011 - 13:29 | Portuguese | |
Poesia/Thoughts | Outra opção | 0 | 3.111 | 08/25/2011 - 13:18 | Portuguese |
Comments
Soberbo! Simplesmente,
Soberbo! Simplesmente, soberbo!