José Rodrigues dos Santos- A Fórmula de Deus

I- Einstein e Deus.
II- Explosão Nuclear- o que é.
III- Vida/Máquina/Alma.
IV- Teoria da Relatividade/Teoria Quântica…
V- Explicação do Sobrenatural.
VI- Livre Vontade ou Determinismo?
VII- Teoria do Caos. Subtilezas do Universo.
VIII- Formação do Universo. É o Universo Eterno?
IX- Fazer prova de Deus.
X- Misticismo Oriental. Paralelismo entre a Ciência Ocidental e o Misticismo Oriental.
XI-Einstein e a Idade do Universo da Bíblia.
XII- Uma Vida
XIII- A relação entre a Física e a Cabala. Como provar Deus. Universo Finito ou Infinito. Criação da matéria…
XIV- Sobrevivência da vida no futuro longínquo. Sobrevivência da Civilização.
XV-Epílogo.

Aviso: Muito menos do que 1% da população do mundo compreende os trechos transcritos

                                                                                                                                                                        www.topeneda.blogspot.pt

I- Einstein e Deus

O cérebro é feito de matéria, tal como uma mesa. Mas a mesa não pensa. O cérebro é parte de um organismo vivo, tal como as minhas unhas, mas as minhas unhas não pensam. E o meu cérebro, se for separado do corpo, também não pensa. É o conjunto do corpo com a cabeça que permite pensar. O que me leva a levantar a possibilidade de o universo ser, todo ele, um corpo pensante. (BEN GURION)

(EINSTEIN):

Deus não joga dados com o Universo.

A ideia de um Deus pessoal é um bocado ingénua, infantil até.
Por quê? Porque se trata de um conceito antropomórfico, uma fantasia criada pelo homem para tentar influenciar o seu destino e buscar consolo nas horas difíceis. Como nós não podemos interferir com a natureza, criamos esta ideia de que ela é gerida por um Deus benevolente e paternalista que nos ouve e que nos guia. É uma ideia muito reconfortante, não lhe parece? Criamos a ilusão de que, se rezarmos muito, conseguiremos que Ele controle a natureza e satisfaça os nossos desejos, assim por artes mágicas. Quando as coisas correm mal, e como não compreendemos que um Deus tão benevolente o tenha permitido, dizemos que isso deve obedecer a um qualquer desígnio misterioso e ficamos assim mais confortados.
Nós somos uma de entre milhões de espécies que ocupam o terceiro planeta de uma estrela periférica de uma galáxia mediana com milhares de milhões de estrelas, e essa galáxia é, ela própria, uma de entre milhares de milhões de galáxias que existem no universo. Como quer que eu acredite num Deus que se dá ao trabalho de, nesta imensidão de proporções inimagináveis, se preocupar com cada um de nós?
Ele é bom e omnipotente, é? Ora aí está uma ideia absurda! Se Ele é de fato bom e omnipotente, como pretende a Bíblia, por que razão permite a existência do mal? Por que razão deixou que ocorresse o Holocausto, por exemplo? Se for a ver bem, os dois conceitos são contraditórios, não são? Se Deus é bom, não pode ser omnipotente, uma vez que não consegue acabar com o mal. Se Ele é omnipotente, não pode ser bom, uma vez que permite a existência do mal. Um conceito exclui o outro. Qual é o que prefere?
Se ler a Bíblia com atenção, irá reparar que ela não transmite a imagem de um Deus benévolo, mas antes de um Deus ciumento, um Deus que exige fidelidade cega, um Deus que causa temor, um Deus que pune e sacrifica, um Deus capaz de dizer a Abraão para matar o filho só para ter a certeza de que o patriarca Lhe era fiel. Pois se Ele é omnisciente, não sabia já que Abraão Lhe era fiel? Para que, sendo Ele bom, esse teste tão cruel? Portanto, não pode ser bom.
Por que razão pune Ele as suas criaturas se tudo é Sua criação? Não estará a puni-las por coisas de que é Ele, afinal de contas, o exclusivo responsável? Ao julgar as suas criaturas, não estará Ele a julgar-se a si próprio? Na minha opinião, e para ser franco, só a Sua inexistência O poderá desculpar.
Há um paradoxo que explica a impossibilidade da onipotência e que pode ser formulado da seguinte maneira: se Deus é onipotente, pode criar uma pedra que seja tão pesada que nem Ele próprio a consegue levantar. É justamente aqui que radica a contradição. Se Deus não conseguir levantar a pedra, Ele não é omnipotente. Se conseguir, Ele também não é omnipotente porque não foi capaz de criar uma pedra que não conseguisse levantar. Conclusão, não existe um Deus omnipotente, isso é uma fantasia do homem em busca de conforto e também de uma explicação para o que não entende.
Não é possível provar a existência de Deus, da mesma maneira que não é possível provar a sua não-existência. Nós apenas temos a capacidade de sentir o misterioso, de experimentar a sensação de deslumbramento pelo maravilhoso esquema que se exprime no universo.

"A Natureza esconde o seu segredo devido à sua essência majestosa, nunca por ardil."

"Terrorismo? Em Lisboa? Ora aí estão duas palavras que não combinam. Não há terrorismo em Lisboa."
Sullivan interveio.
"Ó Tomás, não é bem assim", riu-se."Você já conduziu nas ruas desta cidade?"
"Ah, pois", concordou o português. "Há por aí malta que, ao volante, é mais perigosa do que o Bin Laden, lá isso é verdade."

II- Explosão Nuclear- o que é

“Os físicos aperceberam-se de que os protões têm carga positiva. Mas a força elétrica determina que cargas semelhantes se repelem, não é? Ora, se os protões têm cargas semelhantes, pois são todos positivos, obrigatoriamente têm de se repelir." Fechou o punho. "E, no entanto, apesar de toda esta força repulsiva, os protões mantêm-se unidos no núcleo. Porquê? Que força existe que é ainda mais forte do que a poderosa força elétrica?" Fez uma pausa dramática. "Os físicos puseram-se a estudar o problema e descobriram que existia uma força desconhecida. Chamaram-lhe força nuclear forte. É uma força tão grande, tão grande, que é capaz de manter os protões unidos no núcleo."
"Mas, apesar de toda a sua tremenda força, a força forte tem um raio de ação muito curto, menos que o tamanho de um núcleo atómico. Se um protão conseguir sair do núcleo, então deixa de estar sob a influência da força forte e submete-se apenas à influência das restantes forças.”
"Os físicos estudaram o problema e descobriram que, sob determinadas condições, era possível libertar a energia da força forte que se encontra no núcleo dos átomos. Consegue-se isso através de dois processos, a cisão e a fusão do núcleo. Ao partir-se um núcleo ou ao fundirem-se dois núcleos, a tremenda energia da força forte que une o núcleo é libertada. Devido à ação dos neutrões, os outros núcleos próximos vão também sendo quebrados, soltando ainda mais energia da força forte e provocando assim uma reação em cadeia. Ora, você já viu quão brutalmente forte é esta força forte, não viu? Agora imagine o que acontece quando a sua energia é libertada em grande quantidade."
"Há uma libertação da energia dos núcleos dos átomos, onde está a força forte. Chamamos-lhe, por isso, uma reação nuclear."
"É isso o que se passa no Sol. A fusão nuclear. Os núcleos dos átomos vão sendo fundidos, libertando-se assim a energia da força forte. Sempre se pensou que isto era algo só produzível pela natureza. Mas em 1934 houve um cientista italiano, chamado Enrico Fermi, que bombardeou urânio com neutrões. A análise dessa experiência permitiu descobrir que o bombardeamento produziu elementos mais leves do que o urânio. Mas como era isso possível? A conclusão foi a de que o bombardeamento quebrara o núcleo do urânio, ou, por outras palavras, provocara a sua cisão, permitindo assim a formação de outros elementos. Percebeu-se deste modo que era possível libertar artificialmente a energia da força forte, não através da fusão dos núcleos, como acontece no Sol, mas através da sua cisão."
"E é isso a bomba atómica."
"Nem mais. No fundo, a bomba atómica consiste na libertação em cadeia da energia da força forte através da cisão do núcleo dos átomos. Em Hiroxima foi usado o urânio para obter esse efeito, em Nagasáqui recorremos ao plutônio. Só mais tarde a bomba de hidrogênio pôs fim ao recurso à cisão dos núcleos, passando antes a usar a fusão dos núcleos, como acontece no interior do Sol."

III- Vida/Máquina/Alma

"Vivemos a vida como se ela fosse eterna, como se a morte fosse algo que só acontece aos outros e apenas nos está reservada ao fim de muito tempo, tanto tempo que nem merece a pena pensarmos nisso. Para nós, a morte não passa de uma abstração.(…) Olhou, pela janela da cozinha, para os clientes de uma esplanada, lá em baixo, na Praça do Comércio. "Sabes, as pessoas passam pela vida como sonâmbulas, preocupam-se com o que não é importante, querem ter dinheiro e notoriedade, invejam os outros e esmifram-se por coisas que não valem a pena. Levam vidas sem sentido. Limitam-se a dormir, a comer e a inventar problemas que as mantenham ocupadas. Privilegiam o acessório e esquecem o essencial." Abanou a cabeça. "Mas o problema é que a morte não é uma abstração. Em boa verdade, ela está já aqui ao virar da esquina. Um dia, estamos nós muito bem a deambular pela rua da vida como sonâmbulos, vem um médico e diz-nos: você pode morrer. E é nesse instante, quando de repente o pesadelo se torna insuportável, é que finalmente despertamos."

(…) “A sobrevivência da alma. A possibilidade de ela reencarnar mais tarde em alguém e eu poder voltar a viver. Que ideia tão bonita." Abanou a cabeça. "Mas eu sou um homem de ciência e tenho o dever de não me deixar iludir."

“O que sou eu? (…) "Eu sou os meus pensamentos, a minha experiência, os meus sentimentos. Isso sou eu. Eu sou uma consciência(…) Será que a minha consciência, este eu que sou eu, é a alma?"
Este eu que sou eu é produto de substâncias químicas que me circulam pelo corpo, de transmissões elétricas entre neurônios, de heranças genéticas codificadas no meu ADN, de um sem-número de condicionalismos exteriores e intrínsecos que moldam este eu que sou eu. O meu cérebro é uma complexa máquina eletroquímica que funciona como um computador e a minha consciência, esta noção que eu tenho da minha existência, é uma espécie de programa. De uma certa forma, e literalmente, os miolos são o hardware, a consciência o software. O que levanta naturalmente questões interessantes. Será que um computador tem alma? Se o ser humano é um computador muito complexo, será que ele próprio tem alma? Se todo o circuito morrer, a alma sobrevive? Sobrevive onde? Em que sítio?"
"Mas de que é feita essa alma que se ergue do corpo? De átomos?"
"Não, acho que não. Deve ser uma substância incorpórea."
"Não tem átomos?"
"Julgo que não. É um... uh... um espírito."
     
(…) "Será que, um dia, no futuro, a minha alma se lembra desta minha existência?"
(…) Eu sei que sou eu porque tenho memória de mim mesmo, de tudo o que me aconteceu, mesmo o que aconteceu há apenas um segundo. Eu sou a memória de mim mesmo. E onde se localiza essa memória?"
"No cérebro, claro."
"Nem mais. A minha memória encontra-se localizada no cérebro, armazenada em células. Essas células fazem parte do meu corpo. E é aqui que está a questão. Quando o meu corpo morre, as células da memória deixam de ser alimentadas por oxigênio e morrem também. Apaga-se assim toda a minha memória, a lembrança do que eu sou. Se assim é, como raio pode a alma lembrar-se da minha vida? Se a alma não tem átomos, não pode ter células da memória, não é? Por outro lado, as células onde a memória da minha vida se encontrava gravada já morreram. Nessas condições, como é que a alma se lembra do que quer que seja? Não achas tudo isso um pouco sem sentido?"
“Fala como se nós fôssemos todos umas máquinas, uns computadores. (…)Eu tenho uma novidade para lhe dar. Nós não somos computadores, somos gente, somos seres vivos."
"Ah, sim? E qual é a diferença entre os dois?"
"Bem, nós pensamos, sentimos, vivemos. Os computadores não."
"E tens a certeza de que somos mesmo diferentes?"
"Então não somos? Os seres vivos são biológicos, os computadores não passam de circuitos."
(…) " Se perguntares a um biólogo o que é a vida, ele vai-te responder mais ou menos assim: a vida é um conjunto de processos complexos baseados no átomo de carbono. Atenção. Mesmo o mais lírico dos biólogos reconhece, no entanto, que a expressão-chave desta definição não é átomo de carbono, mas processos complexos.
(…) “O que faz com que eu seja eu é um padrão, uma estrutura de informação. Ou seja, não são os átomos, é a forma como os átomos se organizam”.
(…) "O segredo da vida não está nos átomos que constituem a molécula, está na sua estrutura, na sua organização complexa. Essa estrutura existe porque obedece a leis de organização espontânea da matéria. E, da mesma maneira que a vida é o produto da complexificação da matéria inerte, a consciência é o produto da complexificação da vida. A complexidade da organização é que é a questão-chave, não é a matéria."
(…) “Houve até um físico que ganhou o Prêmio Nobel por demonstrar que as equações matemáticas por detrás das reações químicas inorgânicas são semelhantes às equações que regem os padrões de comportamento simples de sistemas biológicos avançados. Ou seja, os organismos vivos são, na verdade, o produto de uma incrível complexificação dos sistemas inorgânicos. E essa complexificação não resulta da atividade de uma qualquer força vital, mas da organização espontânea da matéria.”

"A vida é uma muito complexa estrutura de informação e todas as suas atividades envolvem processamento de informação. Esta definição, no  entanto, tem uma profunda consequência. É que, se o que constitui a vida é um padrão, uma estrutura de informação que se desenvolve e interage com o mundo em redor, nós, feitas as contas, somos uma espécie de programa. A matéria é o hardware, a nossa consciência é o software."
"Nós somos um muito complexo e avançado programa de computador."
"E qual é o programa desse... uh... computador?"
"A sobrevivência dos genes. Há biólogos que definiram o ser humano como uma máquina de sobrevivência, uma espécie de robô programado cegamente para preservar os genes. Eu sei que, assim postas as coisas, parece chocante, mas é isso que nós somos. Computadores  programados para preservar genes."
"Por essa definição, um computador é um ser vivo."

"Mas (…) os computadores são máquinas artificiais."
"Olha ali para as aves. Os ninhos que eles constroem nas árvores são naturais ou artificiais?"
"São naturais, claro."
"Então tudo o que o homem faz também é natural. Nós, que temos um conceito antropocêntrico da natureza, é que dividimos tudo entre coisas naturais e coisas artificiais, sendo que definimos que as artificiais são as feitas pelos homens e as naturais feitas pela natureza, pelas plantas e pelos animais. Mas isso é uma convenção humana. A verdade é que, se o homem é um animal, tal como as aves, então é uma criatura natural, certo?"
"Sendo uma criatura natural, tudo o que ele faz é natural. Logo, as suas criações são naturais, da mesma maneira que o ninho feito pelas aves é uma coisa natural."
"O que eu quero dizer é que tudo na natureza é natural. Se o homem é um produto da natureza, então tudo o que ele faz também é natural. Apenas por uma convenção de linguagem se estabeleceu que os objetos que ele cria são artificiais, quando, na verdade, são tão naturais quanto os objetos que as aves criam. Logo, sendo criações de um animal natural, os computadores, tais como os ninhos, são naturais."
"Mas não têm inteligência."
"Nem as aves ou os gafanhotos têm. Ou melhor, as aves, os gafanhotos e os computadores têm inteligência. O que eles não têm é a nossa inteligência. Mas, por exemplo, no caso dos computadores, nada garante que, daqui a cem anos, eles não venham a ter uma inteligência igual ou superior à nossa. E, se atingirem o nosso grau de inteligência, podes estar certo de que desenvolverão emoções e sentimentos e tornar-se-ão conscientes."
“As emoções e a consciência resultam de se atingir um determinado grau de inteligência. Ora, o que é a inteligência?
"A inteligência é a capacidade de fazer raciocínios complexos, acho eu."
“Ou seja, a inteligência é uma forma de elevada complexidade. E não é preciso atingir-se o grau da inteligência humana para se criar a consciência. Por exemplo, os cães são muito menos inteligentes do que os homens, mas, se perguntares ao dono de um cão se o seu cão tem emoções e consciência das coisas, ele dir-te-á, sem hesitar, que sim. O cão tem emoções e consciência. Logo, as emoções e a consciência são mecanismos que emergem a partir de um determinado grau de complexidade de inteligência."
“A ideia de máquinas possuírem consciência parece chocante ao comum dos mortais. E, no entanto, a maior parte dos cientistas que lida com este problema acredita ser possível tornar consciente uma mente simulada."
(…)
Tudo isso para te provar que não passamos de computadores muito sofisticados. Achas que os computadores podem vir a ter alma?"
(…) "Então, se nós somos computadores muito sofisticados, também não podemos ter. A nossa consciência, as nossas emoções, tudo o que sentimos é resultado da sofisticação da nossa estrutura. Quando morrermos, os chips da nossa memória e da nossa inteligência irão desaparecer e nós apagamo-nos." Respirou fundo e encostou-se na cadeira. "A alma, meu querido filho, não passa de uma invenção, de uma maravilhosa ilusão criada pelo nosso ardente desejo de escaparmos à inevitabilidade da morte."

IV- Teoria da Relatividade/Teoria Quântica…

"Nunca ouviu falar na Teoria de Tudo?"
"Digamos que a busca da Teoria de Tudo começou com a Teoria da Relatividade. Até Einstein, a física assentava no trabalho de Newton, que dava perfeita conta do recado na explicação do funcionamento do universo tal como ele é percepcionado pelos seres humanos. Mas havia dois problemas relacionados com a luz que não se conseguia resolver. Um era saber por que razão um objeto aquecido emitia luz e o outro era perceber o valor constante da velocidade da luz."
"Einstein concluiu em 1905 a sua Teoria da Relatividade Restrita, onde estabeleceu uma ligação entre o espaço e o tempo, dizendo que ambos são relativos. Por exemplo, o tempo muda porque há movimento no espaço. A única coisa que não é relativa, mas absoluta, é a velocidade da luz. Ele previu que, a velocidades próximas da luz, o tempo abranda e as distâncias contraem-se."
“A velocidade da luz é enorme. O quadrado da velocidade da luz é um número tão grande que isto implica que uma minúscula porção de massa contém uma brutal quantidade de energia.”
"Fique então com a ideia de que energia e massa são as duas faces da mesma moeda. Isto significa que se pode transformar uma coisa na outra, ou seja, energia transformar-se em matéria ou matéria em energia."
"Está a dizer que é possível fazer uma pedra a partir da energia?"
"Sim, teoricamente isso é possível, embora a transformação de energia em massa seja algo que nós normalmente não observamos. Mas acontece. Por exemplo, se um objeto se aproximar da velocidade da luz, o tempo contrai-se e a sua massa aumenta. Nessa situação, a energia do movimento dá lugar à massa."
"Isso já alguma vez foi observado?"
"Sim. No Acelerador de Partículas do CERN, na Suíça. Os electrões foram acelerados a tal velocidade que aumentaram quarenta mil vezes de massa. Há mesmo fotografias do rasto de protões depois de choques."

"O que, se calhar, você não sabe é que não há uma Teoria da Relatividade, mas duas."
"Einstein concluiu a Teoria da Relatividade Restrita em 1905, na qual explica uma série de fenômenos físicos, mas não a gravidade. O problema é que a Relatividade Restrita entrou em conflito com a descrição clássica da gravidade e era preciso resolver isso. Newton acreditava que uma alteração repentina de massa implicava uma alteração instantânea da força de gravidade. Mas isso não pode ser, uma vez que tal requer que exista algo mais veloz do que a luz. Suponhamos que o Sol explodia neste preciso momento. A Relatividade Restrita prevê que tal acontecimento só oito minutos depois será sentido na Terra, uma vez que esse é o tempo que a luz leva a fazer a viagem entre o Sol e a Terra. Mas Newton julgava que o efeito seria sentido instantaneamente. No exato momento em que o Sol explodisse, a Terra sentiria o efeito desse acontecimento. Ora, isso não é possível, dado que nada anda mais depressa do que a luz, não é? Para solucionar este e outros problemas, Einstein concluiu em 1915 a Teoria da Relatividade Geral, que resolveu as questões da gravidade e estabeleceu que o espaço é curvado. Quanto mais massa tem um objeto, mais curvado é o espaço em torno dele e, consequentemente, maior é a força de gravidade que exerce. Por exemplo, o Sol exerce mais força de gravidade sobre um objeto do que a Terra porque dispõe de muito mais massa, entendeu?"
"Hmm... não muito bem. O espaço curva-se? O que quer dizer com isso?"
"Faça de conta que o espaço é um lençol esticado no ar entre nós dois. Imagine que pomos uma bola de futebol no meio. O que acontece? O lençol curva-se em torno da bola, não é? Se eu atirar um berlinde para o lençol, ele vai ser atraído para a bola de futebol, não vai? No universo passa-se a mesma coisa. O Sol é tão grande que curva o espaço em torno de si. Se um objeto exterior se aproximar devagar, vai embater no Sol. Se um objeto se aproximar a uma certa velocidade, como a Terra, começará a andar à volta do Sol, sem cair nele nem fugir dele. E se um objeto andar a muita velocidade, como um fotão de luz, ao aproximar-se do Sol vai curvar um bocadinho a sua trajetória mas conseguirá fugir e prosseguir a sua viagem. No fundo, é isto o que diz a Relatividade Geral. Todos os objetos distorcem o espaço e, quanto mais massa tiver um objeto, mais distorcerá o espaço em torno de si. Como o espaço e o tempo são duas faces da mesma moeda, um pouco como a energia e a matéria, isto significa que os objetos também distorcem o tempo. Quanto mais massa tiver um objeto, mais lento será o tempo perto de si."
"Sabe o que é a Teoria Quântica?"
" A física de Newton é adequada para explicar o nosso mundo quotidiano. Quando constroem uma ponte ou põem um satélite a circular à volta da Terra, os engenheiros recorrem à física de Newton e de Maxwell. Os problemas desta física clássica só emergem quando estamos a lidar com aspetos que não fazem parte da nossa experiência diária, como por exemplo velocidades extremas ou o mundo das partículas. Para tratar os problemas das grandes massas e da grande velocidade, apareceram as duas teorias de Einstein, chamadas da Relatividade. E, para lidar com o mundo das partículas, surgiu a Teoria Quântica."
"A Teoria Quântica nasceu em 1900, na sequência de um trabalho de Max Planck sobre a luz emitida por corpos quentes. Foi depois desenvolvida por Niels Bohr, que concebeu o mais conhecido modelo teórico dos átomos, aquele que tem os eletrões a orbitar o núcleo da mesma maneira que os planetas orbitam o Sol."
"Tudo isso é conhecido."
"Pois é. Mas o que é menos conhecido são os comportamentos bizarros das partículas. Por exemplo, alguns físicos concluíram que as partículas subatómicas podem ir do estado de energia A ao estado de energia B sem passarem pela transição entre esses dois estados. Chama-se a isso um salto quântico. É como uma pessoa a subir os degraus de uma escada. Nós passamos de um degrau para o outro sem percorrermos o degrau intermédio, não é? Não há meio degrau. Saltamos de um para o outro. Há quem defenda que, no mundo quântico, as coisas também se passam assim ao nível da energia. Vai-se de um estado para o outro sem passar pelo estado intermédio."
"Mas isso é bizarro."
"Muito. Nós sabemos que as micropartículas dão saltos. Isso é consensual. O que se passa é que há quem ache que, quando estamos a falar do mundo subatómico, o espaço deixa de ser contínuo e torna-se granuloso. Dão-se saltos sem se passar pelo estado intermédio. Devo dizer que não acredito nisso e nunca encontrei qualquer prova ou indício de que assim seja."
"Mas há mais. Descobriu-se que a matéria se manifesta ao mesmo tempo por partículas e ondas. Tal como espaço e tempo ou energia e massa são duas faces da mesma moeda, ondas e partículas são as duas faces da matéria. O problema emergiu quando se teve de transformar isto numa mecânica." 
"Mecânica?"
"Sim, a física tem uma mecânica, que serve para prever os comportamentos da matéria. Nos casos da física clássica e da Relatividade, a mecânica é determinista. Se, por exemplo, nós soubermos onde está a Lua, em que direção ela circula e a que velocidade, nós seremos capazes de prever a sua evolução futura e passada. Se a Lua circula para a esquerda a mil quilômetros por hora, daqui a uma hora estará mil quilómetros à esquerda. É isto a mecânica. Consegue-se prever a evolução dos objetos, desde que se saiba a respetiva velocidade e posição. Tudo muito simples. Mas, no mundo quântico, descobriu-se que as coisas funcionam de uma maneira diferente. Quando sabemos bem a posição de uma partícula, não conseguimos perceber qual a sua velocidade exata. E quando conhecemos bem a velocidade, não podemos determinar a posição exata. Chama-se a isso o Princípio da Incerteza, uma ideia que foi formulada em 1927 por Werner Heisenberg. O Princípio da Incerteza estabelece que podemos saber com rigor a velocidade ou a posição de uma partícula, mas nunca as duas coisas ao mesmo tempo."
"Então como se sabe a evolução de uma partícula?"
"É esse o problema. Não se sabe. Eu posso saber qual a posição e velocidade da Lua, e assim sou capaz de prever todos os seus movimentos passados e futuros. Mas não tenho maneira de determinar com exatidão a posição e a velocidade de um eletrão, pelo que não consigo prever os seus movimentos passados e futuros. É essa a incerteza. Para resolver isso, a mecânica quântica recorreu ao cálculo de probabilidades. Se um eletrão tiver de escolher entre dois buracos por onde passar, há cinquenta por cento de probabilidades de o eletrão passar pelo buraco da esquerda e outros cinquenta por cento pelo da direita. Mas Niels Bohr complicou a coisa e disse que o eletrão passa pelos dois buracos ao mesmo tempo. Passa pelo da esquerda e pelo da direita."
"Como?"
"É como eu lhe estou a dizer. Ao escolher entre duas rotas, o eletrão passa pelas duas em simultâneo, pelo buraco da esquerda e pelo da direita. Ou seja, está nos dois sítios ao mesmo tempo!"
"Mas isso não é possível."
"E, no entanto, é o que a Teoria Quântica prevê. Por exemplo, se pusermos um eletrão numa caixa dividida em dois lados, o eletrão estará nos dois lados ao mesmo tempo em forma de onda. Quando espreitamos a caixa, a onda desfaz-se imediatamente e o eletrão transforma-se em partícula num dos lados. Se não olharmos, o eletrão permanecerá nos dois lados ao mesmo tempo sob a forma de onda. Mesmo que os dois lados sejam separados e colocados a milhares de anos-luz de distância um do outro, o eletrão continuará nos dois lados ao mesmo tempo. Só quando espreitarmos para um dos lados é que o eletrão decidirá qual o lado onde vai ficar."
"Só quando nós espreitamos é que ele se decide?", perguntou Tomás com ar incrédulo. "Que conversa é essa?"
"O papel do observador foi estabelecido inicialmente pelo Princípio da Incerteza. Heisenberg concluiu que nunca poderemos saber com precisão e em simultâneo qual a posição e velocidade de uma partícula devido à presença do observador. A teoria evoluiu até ao ponto de ter havido quem considerasse que o eletrão só decide em que lugar está quando existe um observador."
"Isso não faz sentido nenhum..."
"Foi o que também disseram os outros cientistas, incluindo Einstein. Como o cálculo passou a ser probabilístico, Einstein declarou que Deus não jogava aos dados, isto é, a posição de uma partícula não podia estar dependente da presença de observadores e, sobretudo, de cálculos de probabilidade. A partícula ou está num sítio ou está no outro, não pode estar nos dois ao mesmo tempo. A incredulidade foi tal que houve até um outro físico, chamado Schrödinger, que concebeu uma situação paradoxal para pôr a nu este absurdo. Ele imaginou que era colocado um gato numa caixa com um frasco fechado de cianeto. Um processo quântico poderia levar um martelo, com uma probabilidade de cinquenta por cento, a quebrar o frasco ou não. De acordo com a teoria quântica, os dois acontecimentos igualmente prováveis ocorreriam em simultâneo enquanto a caixa permanecesse encerrada, fazendo com que o gato estivesse simultaneamente vivo e morto, da mesma maneira que um eletrão está simultaneamente nos dois lados da caixa enquanto não é observado. Ora, isso é um absurdo, não é?"
"Claro que é. Isso não faz sentido nenhum. Como é possível que essa teoria seja ainda defendida?"
"É justamente isso o que Einstein pensava. O problema é que esta teoria, por muito bizarra que pareça, bate certo com todos os dados experimentais. Qualquer cientista sabe que, sempre que a matemática contradiz a intuição, a matemática tende a ganhar. Isso aconteceu, por exemplo, quando Copérnico disse que era a Terra que andava à volta do Sol e não o contrário. A intuição dizia que a Terra é que era o centro, uma vez que tudo parecia girar em torno da Terra. Perante o ceticismo de toda a gente, Copérnico apenas encontrou aliados entre os matemáticos, os quais, com as suas equações, constataram que só a possibilidade de a Terra andar à volta do Sol concordava com a matemática. Sabemos hoje que a matemática estava certa. Com as Teorias da Relatividade foi a mesma coisa. Há muitos elementos dessa teoria que são contra-intuitivos, como ideias de que o tempo dilata e outras bizarrias do gênero, mas a verdade é que esses conceitos são aceites pelos cientistas porque condizem com a matemática e com as observações da realidade. É o que acontece aqui. Não faz sentido dizer que um eletrão está em dois sítios ao mesmo tempo enquanto não é observado, isso é contra-intuitivo. E, no entanto, bate certo com a matemática e com todas as experiências efetuadas."
"Mas Einstein não se conformou com esta ideia, por uma razão muito simples. É que a Teoria Quântica começou por não condizer com a Teoria da Relatividade. Isto é, uma é boa para compreender o universo dos grandes objetos e a outra é eficiente na explicação do universo dos átomos. Mas Einstein achava que o universo não pode ser gerido por leis diferentes, umas deterministas para os grandes objetos e outras probabilísticas para os pequenos objetos. Tem de haver um único conjunto de regras. Começou assim a busca de uma teoria unificadora que apresentasse as forças fundamentais da natureza como manifestações de uma força única. As suas Teorias da Relatividade reduziam a uma única fórmula todas as leis que regem o espaço, o tempo e a gravidade. Com a nova teoria ele procurava reduzir a uma única fórmula os fenómenos da gravidade e do eletromagnetismo. Ele acreditava que a força que faz mover o eletrão à volta do núcleo é do mesmo tipo da que faz mover a Terra à volta do Sol."
"Uma nova teoria, é?"
"Sim. Ele chamou-lhe a Teoria dos Campos Unificados. Era a sua versão da Teoria de Tudo."

(…) habituara-se à sua doce companhia, cultivara o gosto de lhe cheirar o perfume e sentir a presença serena, aquela era uma mulher com a qual seria capaz de falar até perder a noção do tempo, até os minutos se fazerem horas, até as palavras se tornarem beijos.

V- Explicação do Sobrenatural

(…) "não conheço provas da existência de Deus, mas, sabendo o que sei sobre o universo, também não tenho a certeza de que Ele não exista. Há uma parte de mim que é ateia. Sempre me pareceu que Deus não passa de uma criação humana, de uma maravilhosa invenção que nos conforta e que preenche convenientemente lacunas do nosso conhecimento. (…) É isto o que se chama o Deus-das-lacunas. Quando ignoramos algo, invocamos Deus e a coisa fica explicada, quando, na verdade, existem outras explicações mais verdadeiras, embora possamos não as conhecer."
"Acha que não é possível uma intervenção do sobrenatural?"
"O sobrenatural é aquilo que nós invocamos quando desconhecemos uma coisa natural. Antigamente, uma pessoa adoecia e dizia-se: está possuído pelos maus espíritos. Hoje, a pessoa adoece e nós dizemos: está possuído por bactérias ou por vírus ou por outra coisa qualquer. A doença é a mesma, o nosso conhecimento sobre as suas causas é que mudou, percebes? Quando desconhecíamos as causas, invocávamos o sobrenatural. Agora que as conhecemos, invocamos o natural. O sobrenatural não é mais do que uma fantasia alimentada em torno do nosso desconhecimento sobre o natural."
"Então não há sobrenatural."
"Não, há apenas o natural que nós desconhecemos. O ateu que há em mim aceita que não foi Deus que criou o homem, mas o homem que criou Deus. "Tudo o que nos rodeia tem uma explicação. Acredito que as coisas se regem por leis universais, absolutas e eternas, omnipotentes, omnipresentes e omniscientes."
"Um pouco como Deus..."
"Sim, se quiseres. É verdade que as leis do universo têm os atributos que nós geralmente relacionamos com Deus, mas isso acontece por razões naturais, não por razões sobrenaturais."
"As leis do universo têm esses atributos porque é essa a sua natureza. Por exemplo, elas são absolutas porque não dependem de nada, afetam os estados físicos mas não são afetadas por eles. São eternas porque não mudam com o tempo, eram as mesmas no passado e continuarão certamente a ser as mesmas no futuro. São omnipotentes porque nada lhes escapa, exercem a sua força em tudo o que existe. São omnipresentes porque se encontram em qualquer parte do universo, não há umas leis que se aplicam aqui e outras diferentes que se aplicam ali. E são oniscientes porque exercem automaticamente a sua força, não precisam que os sistemas as informem da sua existência."
"E de onde é que vêm essas leis?"
"Agora é que me apanhaste. A origem das leis do universo constitui um grande mistério. É verdade que essas leis têm todos os atributos que normalmente nós conferimos a Deus. Mas, atenção, o fato de não conhecermos a sua origem não implica necessariamente que elas provenham do sobrenatural. Lembra-te que usamos o sobrenatural para explicar o que ainda não sabemos, mas que tem uma explicação natural. Se usarmos o sobrenatural de cada vez que não sabemos algo, estamos a recorrer ao Deus-das-lacunas. Daqui a algum tempo descobrir-se-á a verdadeira causa e nós fazemos figura de parvos. A Igreja, por exemplo, fartou-se de usar o Deus-das-lacunas para explicar coisas que antigamente não tinham explicação, e depois sofreu o enorme embaraço de ter de se desdizer quando foram feitas descobertas que desmentiam a explicação divina. Copérnico, Galileu, Newton e Darwin são os casos mais conhecidos. De qualquer modo, Tomás, a questão da origem das leis do universo constitui algo que não conseguimos explicar. Aliás, existe um determinado número de propriedades do universo que me impedem de afirmar liminarmente que Deus não existe. A questão da origem das leis fundamentais é uma delas. A sua existência serve para nos lembrar que se esconde um grande mistério por detrás do universo."

VI- Livre Vontade ou Determinismo?

"Até que ponto somos mesmo livres? Não se estará a dar o caso de tomarmos decisões que parecem ser livres mas que, se formos a analisar a sua origem profunda, são condicionadas por um número sem fim de fatores, de cuja existência muitas vezes nem nos apercebemos? Será que a livre vontade não passa afinal de uma ilusão? Será que está tudo determinado, apesar de não termos consciência disso?"
"Qual é a resposta da ciência? Somos livres ou não?"
"O primeiro grande defensor do determinismo foi um grego chamado Leucipo. Ele afirmou que nada acontece por acaso e tudo tem uma causa. Platão e Aristóteles, no entanto, pensavam de outra maneira e deixaram espaço aberto à livre vontade, um ponto de vista que a Igreja adotou. Convinha-lhe, não é? Se o homem tinha livre vontade, Deus ficava desresponsabilizado de todo o mal que ocorria no mundo. Durante séculos prevaleceu assim a ideia de que os seres humanos dispõem de livre vontade. Só com Newton e o avanço da ciência é que o determinismo foi recuperado, ao ponto de um dos mais importantes físicos do século XVIII, o marquês Pierre de Laplace, ter feito uma importante constatação. Ele observou que o universo obedece a leis fundamentais e previu que, se conhecermos essas leis e se soubermos a posição, a velocidade e a direção de cada objeto e de cada partícula existente no universo, seremos capazes de conhecer todo o passado e todo o futuro, uma vez que tudo já se encontra determinado. Chama-se a isso o Demónio de Laplace. Tudo está determinado."
"E o que diz a ciência moderna?"
"Einstein concordava com este ponto de vista e as teorias da Relatividade foram construídas segundo o princípio de que o universo é determinista. Mas a coisa complicou-se quando apareceu a Teoria Quântica, que veio trazer uma visão indeterminista ao mundo dos átomos. A formulação do indeterminismo quântico deve-se a Heisenberg, que, em 1927, constatou que não é possível determinar ao mesmo tempo, e de forma rigorosa, a velocidade e a posição de uma micropartícula. Nasceu assim o Princípio da Incerteza, que veio..."
"O comportamento dos grandes objetos é determinista, o comportamento dos pequenos é indeterminista."
(…)"Não é essa mecânica quântica que, apesar de ser estranha e contra-intuitiva, bate certo com a matemática e a realidade?"
"Claro que bate certo". "Mas a questão não é saber se bate certo, porque está visto que bate certo. A questão é saber se a interpretação está correta."
"Como assim? Se bate certo é porque está correta.
"Aí é que entra a subtileza inerente ao universo", disse. "Repara, Heisenberg estabeleceu que não é possível determinar em simultâneo, e de modo exato, a posição e velocidade de uma partícula devido à influência do observador. Foi este enunciado que levou a que se afirmasse que o universo das micropartículas tem um comportamento indeterminista. É que não se consegue determinar o seu comportamento. Mas isso não quer dizer que o comportamento seja indeterminista, percebes?
"Ai que trapalhada! Não percebo nada."
" Toma atenção à sutileza. Heisenberg começou por estabelecer que a  posição e velocidade de uma partícula não podem ser determinados em simultâneo e com exatidão devido à presença do observador. Repito, devido à presença do observador. Este é o ponto crucial. O Princípio da Incerteza jamais estabeleceu que o comportamento das micropartículas é indeterminista. O que se passa é que esse comportamento não pode ser determinado, devido à presença do observador e à sua interferência nas partículas observadas. Ou seja, as micropartículas têm um comportamento determinista, mas indeterminável. Entendeste?"
"É essa a subtileza. Com uma subtileza adicional. É que o Princípio da Incerteza diz-nos também que jamais poderemos provar que o comportamento da matéria é determinista, uma vez que, quando o tentamos fazer, a interferência da observação impede-nos de obter essa prova."
O essencial é que, ao negar a possibilidade de algum dia podermos saber todo o futuro e o passado, o Princípio da Incerteza veio expor uma subtileza fundamental do universo. É como se o universo nos dissesse o seguinte: a história encontra-se determinada desde o nascer dos tempos, mas vocês jamais o poderão provar e jamais poderão conhecê-la com exatidão. É esta a subtileza. Através do Princípio da Incerteza, ficamos a saber que, embora esteja tudo determinado, a derradeira realidade é indeterminável. O universo ocultou o seu mistério por detrás desta subtileza."
"O universo esconde o seu segredo, mas fá-lo devido à sua imensa complexidade."
"No entanto, a indeterminabilidade do comportamento da matéria só se aplica ao universo atômico, não é?"
"Bem, a verdade é que essa subtileza existe a todos os níveis."
"Eu pensei que tinha dito que só havia indeterminabilidade quântica..."
"Quer dizer, isso é o que se pensava antigamente. Só que houve outras descobertas que foram feitas entretanto."
"Que descobertas?"

VII- Teoria do Caos. Subtilezas do Universo

"A Teoria do Caos constitui um dos mais fascinantes modelos matemáticos existentes e ajuda a explicar muitos comportamentos do universo. A ideia fundamental dos sistemas caóticos é simples de formular. Pequenas alterações nas condições iniciais provocam profundas alterações no resultado final. Ou seja, pequenas causas, grandes efeitos."
"O exemplo mais famoso é o chamado Efeito Borboleta. O bater de asas de uma borboleta aqui em Coimbra vai alterar milionesimamente a pressão do ar em redor de si. Essa pequeníssima alteração irá produzir um efeito dominó nas moléculas de ar, ao ponto de, daqui a algum tempo, provocar uma colossal tempestade na América. É isso o Efeito Borboleta. Agora, transporta o efeito desta pequena borboleta para o efeito de todas as borboletas no mundo, de todos os animais, de tudo o que mexe e respira. O que resulta daqui?" Abriu as mãos, como quem expõe uma evidência. "A imprevisibilidade."
"Que remete para o indeterminismo."
"Não. A imprevisibilidade não remete para o indeterminismo, mas para a indeterminabilidade. O comportamento da matéria continua a ser determinista. O que se passa é que a matéria organiza-se de tal maneira que não é possível prever o seu comportamento a longo prazo, embora ele já esteja determinado. Se quiseres, poderemos dizer que o comportamento dos sistemas caóticos é causal, mas parece casual."
"O caos está em toda a parte, incluindo nos grandes objetos. O próprio sistema solar, que parece ter um comportamento previsível, é, na verdade, um sistema caótico. O que se passa é que nós não nos apercebemos disso porque observamos movimentos muito lentos. Mas o sistema solar é caótico. Uma projeção feita por um computador calculou, por exemplo, que se a Terra começasse a orbitar o Sol a apenas cem metros de distância do local onde efetivamente começou, ao fim de cem milhões de anos afastar-se-ia quarenta milhões de quilômetros da rota original. Pequenas causas, grandes efeitos."
"Até as nossas vidas são geridas pelo caos. Imagina, por exemplo, que te metes no carro e, antes de arrancares, percebes que a aba do teu casaco ficou presa na porta. O que fazes então? Abres a porta, ajeitas a aba, fechas a porta e arrancas. Perdeste cinco segundos nesse processo. Quando chegares à primeira esquina, aparece um camião que te abalroa. Resultado, ficas paraplégico a vida toda. Agora imagina que não prendeste a aba do casaco na porta. O que acontece? Arrancas imediatamente o carro e chegas à esquina cinco segundos antes, não é? Olhas para a direita, vês o caminhão a aproximar-se, esperas que ele passe e depois prossegues a tua viagem. É isto a Teoria do Caos. Por causa da aba do casaco presa na porta do carro, perdeste cinco segundos que te vão fazer a diferença o resto da vida." Fez um gesto resignado. "Pequenas causas, grandes efeitos."
Mas atenção. Já estava determinado que tu irias prender a aba do casaco à porta do carro. É que vestiste mal o casaco de manhã. E vestiste-o mal porque acordaste maldisposto. E acordaste maldisposto porque dormiste pouco. E dormiste pouco porque te deitaste tarde. E deitaste-te tarde porque tinhas um trabalho para fazer para a faculdade. E tinhas esse trabalho para fazer por isto ou por aquilo. Tudo é causa de tudo e provoca consequências que se tornam causas de outras consequências, num eterno efeito dominó, em que tudo está determinado mas permanece indeterminável. O próprio motorista do camião podia ter travado a tempo, mas não o fez porque viu uma rapariga bonita a passar e olhou para o lado. E a rapariga passou ali naquele instante porque se atrasou. E ela atrasou-se por causa de um telefonema do namorado. E o namorado ligou-lhe por isto ou por aquilo. Tudo é causa e consequência."
Todo o passado e o futuro já existem e se nós soubéssemos todas as leis e conseguíssemos definir com precisão, e em simultâneo, a velocidade, direção e posição de toda a matéria, conseguiríamos ver todo o passado e o futuro."
"Se nós conseguíssemos saber tudo sobre o estado presente do universo, conseguiríamos determinar o passado e o futuro, uma vez que já está tudo determinado. Mas mesmo do ponto de vista teórico não é possível saber tudo sobre o estado presente do universo."
" E por que não?"
"Por causa de outra subtileza inerente ao universo", respondeu o matemático. "O infinito."
"O infinito?"
"Sim. Nunca ouviste falar no Paradoxo de Zenão?"
"Se bem me lembro, é aquela história da corrida entre uma tartaruga e uma lebre, não é? A tartaruga arranca primeiro, mas a lebre, que é muito mais rápida, depressa a ultrapassa. O problema é que, segundo Zenão, a lebre nunca poderá apanhar a tartaruga porque o espaço que as divide é infinitamente divisível. É isso, não é?"
"Sim". "O Paradoxo de Zenão ilustra o problema matemático do infinito. Para correr um metro, a lebre tem de correr metade dessa distância. E essa metade também é divisível por outra metade, e a outra metade por outra metade, e assim infinitamente."
"Mas o que quer provar com isso?"
"O que quero provar é que o infinito é um problema inultrapassável para a questão da previsibilidade."
(…)
"Lembra-te, o raciocínio por detrás do Paradoxo de Zenão mostra-nos que existe tanto espaço num metro como no universo inteiro, existe tanto tempo num segundo como em toda a eternidade, e esta é uma propriedade misteriosa do universo."

"Teoremas da Incompletude, de Gödel (…) mostram que um sistema matemático não consegue provar todas as suas afirmações.
" O que tem isso assim de tão extraordinário?"
"Os teoremas da Incompletude desvendaram uma nova característica misteriosa do universo. Através desses dois teoremas, o que o universo nos diz é o seguinte: há certas coisas que vocês, seres humanos, sabem que são verdadeiras, mas jamais poderão prová-lo devido à forma majestosa como eu, o universo, ocultei o último resto da verdade. Vocês poderão conhecer grande parte da verdade, mas as coisas estão concebidas de tal modo que jamais conseguirão apreendê-la na íntegra. Entendes agora?"
"Voilá. "O Princípio da Incerteza, os sistemas caóticos e os teoremas da Incompletude têm um significado profundo, ao revelarem-nos subtilezas incríveis do funcionamento do universo." Abarcou o céu com um gesto. "Todo o cosmos está assente na matemática. As leis fundamentais do universo expressam-se em equações e fórmulas matemáticas, as leis da física são algoritmos para o processamento de informação e o segredo do universo encontra-se codificado em linguagem matemática. Tudo está ligado a tudo, até o que não parece ter ligação. Mas mesmo a linguagem matemática não consegue descodificar totalmente esse código. É essa a propriedade mais enigmática do universo: a forma como ele oculta a verdade final. Está tudo determinado, mas tudo é indeterminável. A matemática é a linguagem do universo, mas não temos maneira de o provar para além de qualquer dúvida. Quando vamos ao fundo das coisas, encontramos sempre um estranho véu que oculta as derradeiras facetas do enigma. O criador esconde aí a sua assinatura. As coisas estão concebidas com tal subtileza que não é possível desvendar por completo o seu segredo mais profundo.

VIII- Formação do Universo. É o Universo Eterno?

"Em Astrofísica, o que é o ponto Alfa?"
"É o início do universo"
"E o ponto Ómega?"
"É o fim do universo, professor."
"O Alfa e o Ómega, o princípio e o fim, o nascimento e a morte do universo. Pergunto-vos eu: por que razão o universo tem de ter um princípio e um fim? Qual o problema de o universo ser eterno? Poderá ele ser eterno?"
"A questão do princípio e do fim do universo não é uma questão exclusivamente científica, é um problema também teológico. Sendo uma questão essencial, ela bordeja já as fronteiras da física, ao ponto de quase entrar, ou entrar mesmo, na metafísica. Houve ou não houve Criação?" Deixou a pergunta pairar um instante no anfiteatro. "Baseada no que está escrito na Bíblia, a Igreja sempre preconizou um princípio e um fim, um Génesis e um Apocalipse, um Alfa e um Omega. Mas a ciência começou, a certa altura, a aparecer com uma resposta diferente. Na sequência das descobertas de Copérnico, Galileu e Newton, os cientistas passaram a achar que a hipótese de um universo eterno era a mais provável. É que, por um lado, o problema da Criação remete para o problema do Criador, pelo que, eliminando-se a Criação, elimina-se a necessidade de um criador. Por outro, a observação do universo parece indiciar um mecanismo constante e estável, mais consonante com a ideia de que esse mecanismo sempre existiu e sempre existirá. Portanto, o problema está resolvido, não acham?"
"E é possível demonstrar o contrário?"
Será possível demonstrar que o universo não é eterno? Na verdade, esta pergunta remete para um problema crucial: o fato de as observações contradizerem a teoria.
"No século XIX foi feita uma descoberta de grande importância, uma das maiores descobertas jamais efetuadas pela ciência, uma revelação que veio pôr em causa a ideia do universo com idade infinita. A segunda lei da termodinâmica."(…) "A entropia existe em todo o universo.
"Qual é a consequência desta descoberta?"
"As coisas envelhecem"
"A segunda lei da termodinâmica veio provar três coisas.
A primeira é que, se as coisas envelhecem, então haverá um ponto no tempo em que vão morrer. Isso acontecerá quando a entropia atingir o seu ponto máximo, no momento em que a temperatura se espalhar uniformemente pelo universo.
A segunda é que existe uma flecha do tempo. Ou seja, o universo pode estar determinado e toda a sua história já existir, mas a sua evolução é sempre do passado para o futuro. Esta lei implica que tudo evolui com o tempo.
A terceira coisa que a segunda lei da termodinâmica veio provar é que, se está tudo a envelhecer, é porque houve um momento em que tudo era novo. Mais ainda, houve um momento em que a entropia era mínima. O momento do nascimento ( …) um nascimento do universo."
"O universo está a evoluir para um estado de equilíbrio termodinâmico, em que deixa de haver zonas frias e zonas quentes, antes uma temperatura constante em toda a parte, o que implica entropia total, ou máxima desordem."
"O Paradoxo de Olbers está relacionado com a escuridão do céu. Se o universo é infinito e eterno, então não pode haver escuridão à noite, uma vez que o céu estaria obrigatoriamente inundado de luz proveniente de um número infinito de estrelas, não é? Mas a escuridão existe, o que é um paradoxo. Este paradoxo só se resolve se se atribuir uma idade ao universo, dado que assim se pode postular que a Terra só recebe a luz que teve tempo de viajar até ela desde o nascimento do universo. Essa é a única explicação para o facto de existir escuridão à noite."
" Os cientistas presumiam que o universo, sendo eterno, era também estático, e foi nesse pressuposto que assentou toda a física de Newton. O próprio Newton, porém, apercebeu-se de que a sua lei da gravidade, que estabelece que toda a matéria atrai matéria, tinha como consequência última que todo o universo estaria amalgamado numa grande massa. A matéria atrai a matéria. E, no entanto, olhando para o céu, percebe-se que não é isso o que se passa, pois não? A matéria está distribuída. Como explicar este fenómeno?"
"Não foi Newton que recorreu ao infinito?"
"Sim, Newton disse que era o fato de o universo ser infinito que impedia que a matéria se amalgamasse toda. Mas a verdadeira resposta foi dada por Hubble."
"O telescópio ou o astrónomo?"
"O astrónomo, claro. Na década de 1920, Edwin Hubble confirmou a existência de galáxias para além da Via Láctea, e, quando se pôs a medir o espectro da luz que elas emitiam, percebeu que se estavam todas a afastar de nós. Mais ainda, ele verificou que quanto mais longe se encontrava uma galáxia, mais depressa ela se afastava. Foi assim que se percebeu a verdadeira razão pela qual, em obediência à lei da gravidade, toda a matéria do universo não estava amalgamada numa única e enorme massa. É que o universo está em expansão."
"Houve um padre belga, chamado Georges Lemaitre, que, na década de 1920, propôs uma nova ideia. Big Bang "
"O Big Bang. A grande explosão. Lemaítre sugeriu que o universo nasceu de uma brutal explosão inicial. A ideia era extraordinária e resolvia de uma assentada todos os problemas existentes com o conceito de um universo eterno e estático. O Big Bang estava em consonância com a segunda lei da termodinâmica, solucionava o Paradoxo de Olbers, explicava a atual configuração do universo perante as exigências da lei da gravidade de Newton e batia certo com as teorias da Relatividade de Einstein. O universo começou com uma grande explosão súbita... embora talvez a expressão mais adequada não seja explosão, mas expansão."
"E antes dessa... expansão o que havia? Apenas o vácuo?"
"Não houve antes. O universo começou com o Big Bang." A estudante fez
"Sim, mas... uh... o que havia antes da expansão? Tinha de haver alguma coisa, não?"
"É isso o que eu lhe estou a dizer. Não houve antes. Não estamos a falar aqui de um espaço que existia vazio e que começou a ser preenchido. O Big Bang implica que não havia espaço sequer. O espaço nasceu com a grande expansão súbita, está a entender? Ora, as teorias da Relatividade estabelecem que espaço e tempo são duas faces da mesma moeda, não é? Assim sendo, a conclusão é lógica. Se o espaço nasceu com o Big Bang, o tempo também nasceu com esse acontecimento primordial. Não havia antes porque não existia o tempo. O tempo começou com o espaço, que começou com o Big Bang. Perguntar o que havia antes de haver o tempo …não faz sentido. Este problema do momento inicial é, aliás, o mais complexo de toda a teoria. Chamam-lhe uma singularidade. Pensa-se que todo o universo se encontrava comprimido num ponto infinitamente pequeno de energia e que, de repente, houve uma erupção, na qual se criou a matéria, o espaço, o tempo e as leis do universo."
"Mas o que provocou essa erupção?"
Este era o ponto mais delicado de toda a teoria, aquele em que havia mais dificuldades em explicar as coisas; não só porque as explicações eram contra-intuitivas, mas também porque os próprios cientistas se mostram ainda perplexos perante este problema. "Bem, este é o ponto onde o mecanismo causal não se aplica", argumentou.
"Não se aplica, como?"
"O professor está a insinuar que não houve causa?"
"Mais ou menos. Reparem, eu sei que tudo isto parece esquisito, mas é importante que sigam o meu raciocínio. Todos os acontecimentos têm causas e os seus efeitos tornam-se causas dos acontecimentos seguintes. Certo?" Algumas cabeças assentiram, essa era uma evidência da física. "Ora bem, o processo causa-efeito-causa implica uma cronologia, não é? Primeiro vem a causa, depois produz-se o efeito." Ergueu a mão, tentando enfatizar o que ia dizer a seguir. "Agora reparem: se o tempo ainda não existia naquele ponto infinitamente pequeno, como podia um acontecimento gerar outro? Não havia antes nem depois. Logo, não havia causas nem efeitos, porque nenhum acontecimento podia preceder o outro."
"O professor não acha que essa é uma explicação um pouco insatisfatória?"
"Eu não acho, nem deixo de achar. Estou apenas a tentar explicar-vos o Big Bang com os dados que temos hoje. A verdade é que, tirando o problema da singularidade inicial, esta teoria resolve de fato os paradoxos suscitados pela hipótese do universo eterno. Mas houve cientistas que, tal como alguns de vós, se sentiram insatisfeitos com o Big Bang e procuraram uma explicação alternativa. A hipótese mais interessante que apareceu foi a da teoria do universo em estado permanente, baseada na ideia de que a matéria de baixa entropia está constantemente a ser criada. Em vez de a matéria surgir toda numa grande expansão inicial, ela vai aparecendo gradualmente, em pequenas erupções ao longo do tempo, compensando a parte da matéria que morre ao atingir a máxima entropia. Assim sendo, o universo pode ser eterno. Esta possibilidade foi encarada seriamente pela ciência, ao ponto de, durante muito tempo, a teoria do universo em estado permanente ter sido sempre apresentada em pé de igualdade com a teoria do Big Bang." "E por que motivo já não estão as duas em pé de igualdade?" "Por causa de uma previsão da teoria do Big Bang. A haver uma grande expansão inicial, os cientistas perceberam que teria de existir uma radiação cósmica de fundo, uma espécie de eco dessa erupção primordial do universo. A existência desse eco foi prevista em 1948 e preconizava que teria uma temperatura por volta dos cinco graus Kelvin, ou seja, cinco graus acima do zero absoluto. Mas onde diabo estava o eco?" Encolheu o pescoço, arregalou os olhos e abriu os braços, numa expressão interrogativa. "Por mais que se procurasse, nada se encontrava. Até que, em 1965, dois astrofísicos americanos estavam a levar a cabo trabalho experimental numa grande antena de comunicações de New Jersey quando depararam com um irritante barulho de fundo, uma espécie de assobio provocado por vapor. O barulho era enervante e parecia vir de toda a parte do céu. Por mais que virassem a antena para um lado ou para outro, na direção de uma estrela ou de uma galáxia, de um espaço vazio ou de uma nebulosa distante, o som persistia. Andaram um ano a tentar eliminá-lo. Verificaram cabos elétricos, procuraram uma qualquer fonte que estivesse na origem da avaria, fizeram tudo, mas não havia meio de localizarem o problema que provocava aquele ruído insuportável. Em desespero de causa, decidiram ligar aos cientistas da Universidade de Princeton, a quem relataram o que estava a acontecer e pediram uma explicação. E a explicação veio. Era o eco do Big Bang."
"Como assim, o eco? Que eu saiba, no espaço não há som..."
"O eco é uma força de expressão, claro. O que eles estavam a captar era a luz mais antiga que chegou até nós, uma luz que o tempo tinha transformado em micro-ondas. Chama-se a isso radiação cósmica de fundo e as medições térmicas revelaram que ela se encontra nos três graus Kelvin, muito próximo da previsão feita em 1948." "Oiçam, nunca vos aconteceu ligarem um televisor numa frequência em que não há emissão? O que vêem vocês?
"Estática, professor." "Barulho. Vemos aqueles pontinhos todos a pulularem no ecrã e um ruído enervante, assim crrrrrrrrrrrr, não é? "
"Pois ficam a saber que um por cento desse efeito é proveniente deste eco." Sorriu. "Portanto, se um dia estiverem a ver televisão e nada vos interessar, sugiro-vos que sintonizem um canal sem programação e fiquem a ver o nascimento do universo. Não há melhor reality show que esse."
"E essa erupção inicial, professor, é possível demonstrá-la matematicamente ?"
"Sim. Aliás, Penrose e Hawking provaram uma série de teoremas que mostraram que o Big Bang é inevitável, desde que a gravidade consiga ser uma força de atração nas condições extremas em que se formou o universo."
"Mas, ó professor, explique lá um pouco melhor o que aconteceu logo a seguir ao Big Bang. Formaram-se as estrelas, é?"
"Tudo aconteceu algures entre há dez e vinte mil milhões de anos, provavelmente há quinze mil milhões de anos. A energia estava concentrada num ponto e expandiu-se numa monumental erupção."Voltou-se para o quadro e escreveu a famosa equação de Einstein. E = mc2 "Como, segundo esta equação, a energia equivale a massa, o que se passou foi que a matéria emergiu da transformação da energia. No primeiro instante apareceu o espaço e logo se expandiu. Ora, como o espaço está ligado ao tempo, o aparecimento do espaço implicou automaticamente o aparecimento do tempo, que também se expandiu. Nesse primeiro instante nasceu uma superforça e apareceram todas as leis. A temperatura era imensa, umas dezenas de milhares de milhões de graus. A superforça começou a separar-se em forças diferentes. Iniciaram-se as primeiras reações nucleares, que criaram os núcleos dos elementos mais leves, como o hidrogênio e o hélio, e ainda vestígios de lítio. Em três minutos foi produzida noventa e oito por cento da matéria que existe ou alguma vez existirá."
"Os átomos que fazem parte do nosso corpo remontam a esse momento?"
"Sim. Noventa e oito por cento da matéria que existe foi formada a partir da erupção de energia do Big Bang. Isso significa que quase todos os átomos que se encontram no nosso corpo já passaram por diversas estrelas e já ocuparam milhares de organismos diferentes até chegarem a nós. E temos tantos e tantos átomos que se calcula que cada um de nós possui pelo menos um milhão que já pertenceu a qualquer pessoa que viveu há muito tempo." Ergueu o sobrolho. "Isto significa, meus caros, que cada um de nós tem muitos átomos que já estiveram nos corpos de Abraão, Moisés, Jesus Cristo, Buda ou Maomé." Fez-se um burburinho na sala. "Mas regressemos então ao Big Bang: depois da erupção inicial, o universo começou a organizar-se automaticamente em estruturas, obedecendo às leis criadas nos primeiros instantes. Com o tempo, as temperaturas baixaram até atingirem um ponto crítico em que a superforça se desintegrou em quatro forças: primeiro a força da gravidade, depois a força forte, finalmente separaram-se a força electromagnética e a força fraca. A força da gravidade organizou a matéria em grupos localizados. Ao fim de duzentos milhões de anos, acenderam-se as primeiras estrelas. Nasceram os sistemas planetários, as galáxias e os grupos de galáxias. Os planetas eram inicialmente pequenos corpos incandescentes que orbitavam as estrelas, como se fossem estrelas pequenas. Esses corpos arrefeceram ao ponto de solidificarem, como aconteceu com a Terra." Abriu os braços e sorriu. "E aqui estamos nós."
"O professor disse há pouco que os planetas pareciam pequenas estrelas que acabaram por solidificar. Isso quer dizer que o Sol também vai solidificar?"
"É sempre simpático falar no nascimento, já viram? Quem não gosta de ver crianças a nascer?" Sacudiu a mão. "Mas, agora, falar na morte... hmm, isso é outra coisa. E, no entanto, a resposta à sua pergunta é afirmativa. Sim, o Sol vai morrer. Aliás, primeiro vai morrer a Terra, depois morrerá o Sol, depois morrerá a galáxia, por último morrerá o universo. É essa a consequência inevitável da segunda lei da termodinâmica. O universo caminha para a entropia total." Fez um gesto teatral. "Tudo o que nasce, morre. O que nos remete diretamente do ponto Alfa para o ponto Ómega." "O fim do universo." “Tudo indica que existem duas possibilidades diante de nós: Big Freeze; Big Crunch.
1. Big Freeze
"A primeira é o chamado Big Freeze, ou grande gelo. Trata-se da consequência última da segunda lei da termodinâmica e da expansão eterna do universo. Com o aumento da entropia, as luzes vão-se apagando gradualmente até haver uma temperatura uniforme em todo o lado, transformando o universo num imenso e gelado cemitério galáctico. Calcula-se que será daqui a uns cem mil milhões de anos, no mínimo." Eu sei que é um valor tão grande que não vos diz nada, por isso é melhor eu apresentar as coisas de uma maneira mais compreensível. Imaginem que o universo é um homem que morrerá aos cento e vinte anos. Então, o que vos posso dizer é que o Sol apareceu aos dez anos de vida e nós estamos nos quinze anos de vida. Isto significa que ainda existem cento e cinco anos de vida pela frente. Não é mau, pois não?
2. Big Crunch
"A segunda possibilidade é a do Big Crunch, ou o grande esmagamento."A expansão do universo abranda e chegará a um momento em que irá parar, começando depois a encolher." Fez um movimento largo com as mãos, como se tivesse entre elas um balão gigante a crescer, a parar e a encolher. "Devido à força da gravidade, o espaço, o tempo e a matéria começarão a convergir entre si até se esmagarem num ponto infinito de energia." As palmas das mãos juntaram-se. " O Big Crunch é, se quiserem, o Big Bang ao contrário."
"Como um balão que incha e desincha?"
"Exato. No entanto, a contração não se deve a um desinchar, antes aos efeitos da gravidade." Luís Rocha pôs a mão no bolso e tirou uma moeda. "Como esta moeda, estão a ver?" Atirou a moeda ao ar, a moeda subiu um metro nas alturas e caiu de novo na sua mão. "Viram? A moeda subiu, parou a ascensão e desceu, voltando ao ponto inicial. Primeiro venceu a gravidade, depois foi vencida pela gravidade."
"Professor, qual dessas duas possibilidades de morte do universo é a mais forte?"
"Os astrofísicos inclinam-se para o Big Freeze."
"Porquê?"
"Por dois motivos, ambos resultantes das observações astronómicas. Em primeiro lugar, porque o Big Crunch requer que haja muito mais matéria no universo do que a que nós vemos. A matéria encontrada é insuficiente para, através da gravidade, provocar a contração do universo. Para resolver este problema, avançou-se com a hipótese de existir matéria negra, ou seja, uma matéria que permanece invisível aos nossos olhos, devido à sua fraca interação. Essa matéria negra constituiria noventa por cento ou mais da matéria existente no universo. O problema é que é difícil encontrar a tal matéria negra. Além disso, se ela existir, será que se encontra disponível em quantidade suficiente para travar a expansão?" Encolheu os ombros. "Em segundo lugar, o Big Freeze parece mais provável por causa de novas observações justamente sobre a expansão do universo. Em 1998 descobriu-se que a velocidade a que as galáxias se afastam está a aumentar. Repito, está a aumentar. Isso acontece provavelmente devido a uma nova força que até aqui se desconhecia, a que se designou força escura, já prevista por Einstein e que combate a força de gravidade. Ora, o Big Crunch requer que a velocidade de expansão diminua até parar e começar a contração, não é? Mas se a velocidade de expansão está a aumentar, a conclusão que se tira só pode ser uma." Passou os olhos pela turma.
"Alguém me sabe dizer qual é essa conclusão?"
"O universo caminha para o Big Freeze."
O professor abriu as mãos e sorriu. "Bingo."

IX- Fazer prova de Deus

"Foi no Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura que Kant estabeleceu os limites da ciência. "Ele concluiu que há três problemas fundamentais da metafísica que a ciência jamais será capaz de resolver. "Deus, a liberdade e a imortalidade."
"Kant era da opinião de que os cientistas nunca serão capazes de provar a existência de Deus, de determinar se temos ou não livre vontade e de perceber com toda a certeza o que se passa depois da morte. Essas questões, na sua opinião, já não pertencem ao domínio da física, mas da metafísica. Estão para além da prova."
" O que é Deus?"
" O que é Deus? Se estamos à espera de ver um patriarca velho e barbudo, a mirar a Terra com ar preocupado, vigiando o que cada um de nós faz e pensa e pede e que fala com uma voz grossa... bem, acho que iremos esperar até à eternidade para provar a existência de tal personalidade. Esse Deus pura e simplesmente não existe, é apenas uma construção antropomórfica que nos permite visualizar algo que está acima de nós. Nesse sentido, construímos Deus como uma figura paternal. Precisamos de alguém que nos proteja, que nos defenda do mal, que nos abrigue na sua concha protetora, que nos dê consolo nas horas difíceis, que nos ajude a aceitar o inaceitável, a compreender o incompreensível, a enfrentar o que é terrível. Esse alguém é Deus." Apontou para o teto. "Imaginamos que existe Alguém lá em cima que se preocupa imensamente connosco, Alguém a quem recorremos na hora da aflição em busca de reconforto, Alguém que nos observa e ampara, e... pumba! Ei-Lo! Aí está Deus!"
"Mas, então, se Deus não existe, do que estamos para aqui a falar?"
"Eu não disse que Deus não existe", corrigiu o físico. "O que eu disse é que não existe o Deus antropomórfico que nós habitualmente imaginamos e que herdamos da tradição judaico-cristã."
"Está-me a dizer que o Deus da Bíblia não existe?"
"Mas quem é o Deus da Bíblia? Aquela personagem que manda Abraão matar o filho só para ver se o patriarca Lhe era fiel? Aquela personagem que lança a humanidade na desgraça só porque Adão comeu uma maçã? Mas alguém de bom senso acredita num Deus tão mesquinho e caprichoso? Claro que esse Deus não existe!"
"Mas, então, que Deus existe?"
(…)  Deus está em tudo o que nos rodeia. Não como uma entidade acima de nós, que nos vigia e protege, conforme preconizado pela tradição judaico-cristã, mas como uma inteligência criadora, subtil e omnipresente, talvez amoral, que se encontra a cada passo, a cada olhar, a cada respiração, presente no cosmos e nos átomos, que tudo integra e a tudo dá sentido."
"Mas, diga-me uma coisa, acredita mesmo que é possível fazer a prova da existência de Deus?"
"Depende."
"Depende de quê?"
"Depende do que você define por prova."
"Como assim? Explique lá isso melhor."
"Ouça, o que é o método científico?"
"Bem, é um processo de recolha de informação sobre a natureza, suponho eu."
"É uma definição. Mas eu tenho outra.O método científico é um diálogo entre o homem e a natureza. Através do método científico, o homem faz perguntas à natureza e obtém respostas. O segredo está na forma como formula as perguntas e entende as respostas. Não é qualquer pessoa que é capaz de interrogar a natureza ou de compreender o que ela lhe diz. É preciso ter treino, é fundamental ser-se sagaz e perspicaz, é imprescindível possuir suficiente inteligência para captar a subtileza de muitas das respostas." O que eu quero dizer é que se pode perceber a existência ou inexistência de Deus em função da forma como se formulam as perguntas e em função da nossa capacidade de compreender as respostas. Por exemplo, a segunda lei da termodinâmica resulta de perguntas que foram feitas à natureza através de experiências sobre o calor. A natureza respondeu, mostrando que a energia passa do quente para o frio e nunca ao contrário, e que a transformação da energia entre corpos resulta sempre em desperdícios. "O mesmo se passa com a questão de Deus. Temos de saber quais as perguntas que precisamos de formular e como as vamos formular, e depois temos de ter capacidade para saber interpretar as respostas que vamos obter. É por isso que, quando se fala em fazer a prova da existência de Deus, temos de ser cautelosos. Se alguém está à espera de que arranjemos imagens em DVD de Deus a observar o universo, com as Tábuas da Lei numa mão e a outra a cofiar as suas grandes barbas brancas, desengane-se. Essa imagem jamais será captada porque esse Deus não existe. Mas se estamos a falar em determinadas respostas da natureza a perguntas específicas... bem, aí poderá ser diferente."

"Deus é um problema natural. A conversa do sobrenatural, dos milagres, da magia... tudo isso é um disparate. A existir, Deus faz parte do universo. Deus é o universo. Percebe? A criação do universo não foi um ato artificial, foi um ato natural, em obediência a leis específicas e a determinadas constantes universais. Mas a questão volta sempre ao mesmo ponto. Quem foi que concebeu as leis do universo? Quem foi que determinou as constantes universais? Quem foi que deu o sopro de vida ao universo?"  "Estas é que são as questões centrais da lógica. A Criação remete para um criador."
"Você está a dizer-me que, através da lógica, poderemos provar a existência de Deus?"
"Não, de modo nenhum. A lógica não faz prova nenhuma. Mas a lógica dá-nos indícios."  "Ouça, você tem de perceber que Deus, a existir, apenas deixa ver uma parcela da Sua existência e esconde a prova final por detrás de um véu de elegantes subtilezas. " Os teoremas da Incompletude, ao demonstrarem que um sistema lógico jamais poderá provar todas as afirmações nele contidas, apesar das afirmações não demonstráveis serem verdadeiras, constituem uma mensagem com um profundo significado místico. É como se Deus, a existir, nos dissesse: Eu expresso-Me através da matemática, a matemática é a Minha linguagem, mas não vos darei a prova de que assim é."Temos ainda o Princípio da Incerteza. Esse princípio revela que nunca poderemos determinar em simultâneo com exatidão a posição e velocidade de uma partícula. É como se Deus nos dissesse: as partículas têm um comportamento determinista, Eu já defini todo o passado e o futuro, mas Eu não vos darei a prova final de que assim é."  "A busca de Deus é como a busca da verdade das afirmações de um sistema lógico ou do comportamento determinístico das partículas. Nós nunca poderemos obter a prova final de que Deus existe, no sentido em que nunca poderemos obter a prova final de que as afirmações não demonstráveis de um sistema lógico são verdadeiras ou de que as partículas se comportam deterministicamente. E, no entanto, sabemos que as consequências dessas afirmações são verdadeiras e sabemos que as partículas se comportam de forma determinística. O que nos está vedado é a prova final, não os indícios de que assim é de fato."
"Então, quais são, afinal, os indícios da existência de Deus?"
"No campo da lógica, o indício mais interessante foi apresentado por Platão e Aristóteles, desenvolvido por São Tomás de Aquino e afinado por Leibniz. Trata-se do argumento causal. A ideia fundamental é simples de formular. Sabemos na física e na nossa experiência do dia-a-dia que todos os acontecimentos têm uma causa, sendo que as suas consequências se tornam causas de outros acontecimentos, num interminável efeito dominó. Agora imaginemos que vamos procurar as causas de todos os acontecimentos do passado. Mas, se o universo teve um início, isso significa que esta cadeia teve também um início, não é? Indo de causa em causa chegamos assim ao momento da criação do universo, aquilo a que hoje designamos de Big Bang. Qual a primeira causa de todas? O que pôs a máquina em movimento? Qual o motivo do Big Bang?"
"Não tendo ainda sido criado o tempo, não podia haver causas que precedessem o Big Bang."
"É verdade". "Mas, deixe-me que lhe diga, essa é a forma que nós, os cientistas, usamos para contornar essa desconfortável questão. A verdade é que tudo indica que o Big Bang existiu. Se existiu, algo o fez existir. A questão regressa sempre ao mesmo ponto. Qual a primeira causa? E o que causou a primeira causa?"
"Deus?"
"É uma possibilidade", sussurrou. "Se for a ver bem, a hipótese de o universo ser eterno indicia a exclusão de Deus. O universo sempre existiu, não tem propósito, ele é. Simplesmente, é. No universo eterno, sem começo nem fim, o dominó de causas é infinito, não existe uma primeira causa nem uma derradeira consequência." "Mas a Criação remete para uma primeira causa. Mais do que isso, havendo Criação é de admitir a existência de um criador. Daí a pergunta: quem pôs a máquina em movimento?"
"Já vi que a resposta é Deus."
"Repito que essa é apenas uma possibilidade. Este argumento lógico não constitui prova, apenas um indício. Afinal de contas, pode existir um mecanismo qualquer, ainda desconhecido, que resolve esse problema, não é? Temos de ter cuidado para não usarmos o Deus-das-lacunas, de modo a não cairmos no erro de invocarmos Deus sempre que não temos resposta para um problema, quando, afinal, existe uma qualquer outra explicação. Tendo dito isto, importa sublinhar que a Criação remete para o problema do Criador e, por mais voltas que demos, a questão regressa sempre a este ponto crucial." "Por outro lado, se colocarmos Deus na equação, dizendo que foi Ele quem criou a Criação, deparamos logo com uma multiplicidade de problemas novos, não é?"
"Tais como?"
"Bem... o primeiro problema é saber onde estava Deus se, antes do Big Bang, não existia tempo nem espaço? E o segundo problema é determinar o que causou Deus. Isto é, se tudo tem uma causa, Deus também tem uma causa." "Então não há causa primeira..." "Ou talvez haja, quem sabe? Nós, os físicos, chamamos ao Big Bang uma singularidade. Nesse sentido, poderíamos dizer que Deus é uma singularidade, da mesma maneira que o Big Bang é uma singularidade."
"Esse argumento parece interessante, mas não é conclusivo, pois não?"
"Não", concordou o físico. "Não é conclusivo. Mas há um segundo argumento que parece ter ainda maior força. Os filósofos dão-lhe nomes diferentes, mas o professor Siza chamava-lhe... Chamava-lhe o argumento da intencionalidade."
"Intencionalidade? De intenção?"
"Exato. A questão da intencionalidade é, como sabe, do foro puramente subjetivo no que diz respeito à interpretação. Isto é, alguém pode fazer algo intencionalmente, mas quem está de fora nunca pode ter a certeza absoluta de que foi essa a intenção. Pode-se presumir que a intenção seja uma, mas só o autor do ato sabe a verdade." Fez um gesto na direção de Tomás. "
"Mas onde quer você chegar?" "Eu quero chegar a esta pergunta: qual a intenção da criação do universo?"
"Ora aí está uma pergunta que vale muito dinheiro", comentou o historiador com um sorriso. "Qual é a resposta?"
"Se eu soubesse, ficava eu com esse dinheiro", disse Luís com uma gargalhada.
Acha que é possível alguém vir a responder a essa pergunta?"
"Acho que não é fácil responder afirmativamente a essa pergunta, mas existem alguns indícios interessantes."
"Diga lá."
"Se tudo o que vemos à nossa volta mostra um propósito e uma inteligência, por que não admitir que existe uma intenção na Criação? Se as coisas revelam inteligência na conceção, por que não admitir que isso se deve à possibilidade de ter sido algo ou alguém inteligente que as concebeu? Por que não admitir que existe uma inteligência por detrás destas criações inteligentes?"

"A vida descreve-se em dois planos. Um é o plano reducionista, onde se encontram os átomos, as moléculas, as células, toda a mecânica da vida. O outro plano é semântico. A vida é uma estrutura de informação que se movimenta com um propósito, em que o conjunto é mais do que a soma das partes, em que o conjunto nem sequer tem consciência da existência e funcionamento de cada parte que o constitui. Enquanto ser vivo inteligente, eu posso estar num plano semântico a discutir aqui consigo a existência de Deus e uma célula do meu braço estar num plano reducionista a receber oxigênio de uma artéria. O eu semântico nem se apercebe do que o eu reducionista está a fazer, uma vez que se situam ambos em planos diferentes."
"Quando eu estudo o universo de forma a conhecer a sua matéria fundamental, a sua composição, as suas forças, as suas leis, que tipo de análise estou a fazer?"
"Reducionista"
Não haverá também uma semântica no universo? Não existirá igualmente uma mensagem para além dos átomos? Qual a função do universo? Por que razão ele existe?" Suspirou. "É esse o problema da matemática e da física hoje em dia. "
"Mas como se pode estudar o software do universo?"
"Eu acho que a resposta a essa pergunta depende da resposta a uma outra pergunta, muito simples de formular: o que vemos em torno de nós, tanto no microcosmos como no macrocosmos, é uma criação ou é o próprio ser inteligente?"
"Como assim?"
O físico exibiu a palma da sua mão esquerda. "Quando olhamos para a minha mão, estamos a ver uma criação minha ou estamos a ver uma parte de mim?" Olhou em redor. "Quando olhamos para o universo, estamos a ver uma criação de Deus ou estamos a ver uma parte de Deus?"
"O que acha você?"
"Eu não acho nada. Mas o professor Siza achava que tudo é uma parte de Deus. Se ele tiver razão, quando for concebida a Teoria de Tudo será possível, em princípio, conter aí uma descrição de Deus."
"Você acha?"
"É isso o que os físicos estão a tentar fazer agora, não é? Conceber uma Teoria de Tudo. Embora eu ache que não vão conseguir."
"Porquê?"
"Por causa dos teoremas da Incompletude. Esses teoremas, mais o Princípio da Incerteza, mostram que nunca se conseguirá fechar o círculo. Haverá sempre um véu de mistério no fim do universo."
"Então por que razão continuam a tentar formular essa teoria?"
"Porque nem todos concordam comigo. Há quem ache que é possível conceber uma Teoria de Tudo. Há quem ache até que é possível conceber uma equação fundamental." "Uma equação fundamental? O que quer dizer com isso?" "É o Santo Graal da matemática e da física. Formular uma equação que contenha em si toda a estrutura do universo."
"E isso é possível?"
"Talvez, não sei. "Sabe, existe a crescente convicção de que a atual profusão de leis e forças existentes no universo se deve ao fato de nos encontrarmos num estado de baixa temperatura. Há muitos indícios de que, quando se eleva a temperatura a partir de um determinado nível, as forças fundem-se. Por exemplo, durante muito tempo houve a convicção de que existiam quatro forças fundamentais no universo: a força da gravidade, a força eletromagnética, a força forte e a força fraca. Mas já se descobriu que são, na verdade, três forças, uma vez que a força eletromagnética e a força fraca constituem, na realidade, a mesma força, que se designa agora de força electrofraca. Há também quem ache que a força forte constitui uma outra faceta da força eletrofraca. Se assim for, só falta unir essas três forças à força da gravidade para chegarmos a uma única força. Muitos físicos acreditam que, quando ocorreu o Big Bang, e debaixo das elevadíssimas temperaturas que então existiam, todas as forças estavam unidas numa única superforça, que pode ser descrita numa equação matemática simples. "Ora, quando começamos a falar em superforça, que entidade nos vem logo à mente?"
"Deus?"
O físico sorriu. "Os cientistas estão a descobrir que, à medida que se aumenta a temperatura, a energia une-se e as complexas estruturas subatómicas quebram-se, revelando estruturas simples. Debaixo de um calor muito intenso, as forças simplificam-se e fundem-se, emergindo assim a superforça. Nessas circunstâncias, é possível conceber uma equação matemática fundamental. Trata-se de uma equação capaz de explicar o comportamento e a estrutura de toda a matéria e capaz também de descrever tudo o que acontece." Abriu as mãos, como se tivesse acabado de executar um passe de mágica. "Tal equação seria a fórmula mestra do universo."
"A fórmula mestra?"
"Sim. Há quem lhe chame a fórmula de Deus."

X- Misticismo Oriental. Paralelismo entre a Ciência Ocidental e o Misticismo Oriental

"Depois de ler muitos livros, percebi finalmente o que é o budismo", comentou. "É um jogo de pontos."
"Como assim, um jogo de pontos?"
"É simples", sorriu o mexicano. "Quanto mais mérito tivermos durante a vida, maiores as nossas possibilidades de conseguirmos uma boa reencarnação da próxima vez. Se fizermos poucos pontos, havemos de reencarnar como insetos ou lagartos, por exemplo. Mas se formos muito piedosos e atingirmos um determinado nível de pontos, poderemos voltar como seres humanos outra vez. E se formos mesmo bonzinhos... bueno, nesse caso regressaremos como homens ricos ou até como lamas. Percebe? É um pouco como num jogo de computador. Mais pontos agora significam uma melhor vida na próxima reencarnação.
Tomás riu-se com a forma simplória como o budismo era apresentado por aquele turista.
"E como é que se conseguem esses pontos?"
O mexicano fez um gesto em direção à multidão que enchia o Jokhang. "Prostrando-se, caray! Está a ver? Quanto mais se prostram, mais pontos obtêm. Há tipos que se prostram mais de mil vezes num único dia."... A maior parte do pessoal fica-se pelas cento e oito vezes, dizem que é um número sagrado e sempre poupa no esforço, não é?" Mirou uma cabra que alguém trouxera para o templo. "Mas há outras maneiras. Por exemplo, salvando a vida de um animal. Isso vale pontos, o que pensa você? Ou dar esmola a um pedinte, isso também conta para o somatório da boa reencarnação."
"E quem tiver uma vida perfeita?"
"Oh, isso é a lotaria do budismo! O El Gordo! É que o número máximo de pontos leva-nos para o nirvana, sabia? O nirvana significa que quebramos o ciclo vicioso da vida terrena. Aí, no pasa nada! Acabam-se os problemas com as reencarnações."
"Isso é um pouco como o cristianismo, não acha?", observou Tomás. "Quanto mais bonzinhos formos, mais pontos somamos no céu e maiores as possibilidades de ganharmos um lugar no paraíso."
O mexicano encolheu os ombros. "Ora aí está", exclamou. "O grande tema de todas as religiões é, afinal, a soma de pontos."
"Há mais de dois mil e quinhentos anos, nasceu no Nepal um homem chamado Siddharta Gautama, um príncipe pertencente a uma casta nobre e que vivia num palácio. Ao constatar, porém, que para lá do palácio a vida era feita de sofrimento, Siddharta abandonou tudo e foi para a Índia viver numa floresta como um asceta, dilacerado por uma pergunta: para quê viver quando tudo é dor? Durante sete anos deambulou pela floresta em busca da resposta a essa pergunta. Cinco ascetas convenceram-no a jejuar, por acreditarem que a renúncia às necessidades do corpo criaria a energia espiritual que os conduziria à iluminação. Siddharta jejuou tanto que ficou esquelético e o umbigo tocou-lhe na coluna vertebral. No final, constatou que o esforço de nada servira e concluiu que o corpo necessita de energia para alimentar a mente na sua busca. Decidiu, por isso, abandonar os caminhos extremos. Para ele, o verdadeiro caminho não era o da luxúria dos palácios nem o da mortificação dos ascetas, onde se encontram os dois extremos. Escolheu antes o caminho do meio, o do equilíbrio. Um dia, após banhar-se no rio e comer um arroz-doce, sentou-se em meditação debaixo de uma figueira, uma Árvore da Iluminação a que chamamos Bodhi, e jurou que não sairia dali enquanto não atingisse a iluminação. Após quarenta e nove dias de meditação, chegou a noite em que alcançou finalmente a clarificação final de todas as suas dúvidas. Ele despertou por completo. Siddharta tornou-se Buda, o Iluminado."
"Mas ele despertou de quê?"
"Despertou do sonho da vida." "Enfim iluminado, o Buda expressou o caminho para o despertar através das Quatro Nobres Verdades. A Primeira é a constatação de que a condição humana é sofrimento. Esse sofrimento emerge da Segunda Nobre Verdade, que é a nossa dificuldade em encarar um fato básico da vida, o de que tudo é transitório. Todas as coisas nascem e morrem, disse o Buda. Nós sofremos porque nos agarramos ao sonho da vida, às ilusões dos sentidos, à fantasia de que é possível manter tudo como está, e não aceitamos que o mundo é um rio que passa. É esse o nosso karma. Vivemos na convicção de que somos seres individuais, quando na verdade fazemos parte de um todo indivisível. A Terceira Nobre Verdade estabelece justamente que é possível quebrar o ciclo do sofrimento, é possível libertarmo-nos do karma e atingir um estado de total libertação, de iluminação, de despertar. O nirvana. É aqui que a ilusão da individualidade se desfaz e nasce a constatação de que tudo é uno e que nós fazemos parte do uno." Suspirou. "A Quarta Nobre Verdade é o óctuplo caminho sagrado destinado à supressão da dor, à fusão com o uno e à elevação ao nirvana. É o caminho para nos tornarmos Buda."

"O que é um bodhisattva exatamente?"
"É uma espécie de Buda."
"Uma espécie de Buda? O que quer dizer com isso?"
"É alguém que atingiu a iluminação mas saiu do nirvana para ajudar os outros seres humanos. É um santo, um homem que recusou a salvação para si enquanto não se salvarem os outros."
"O senhor estudou numa escola inglesa?"
O bodbisattva assentiu com a cabeça. "Durante muitos anos, meu amigo."
" Calculo que tenha achado tudo um pouco diferente..."
"Muito diferente. O tipo de disciplina era diferente e os rituais também. Mas a principal diferença radicava na metodologia. Quando se trata de analisar uma questão, há todo um universo a separar-nos. Descobri que vocês, os ocidentais, gostam de dividir um problema em vários problemas menores, gostam de o separar e isolar para melhor o analisar. É um método que tem as suas virtudes, não o nego, mas possui um defeito terrível."
"Qual é?"
"Cria a impressão de que a realidade é fragmentada. Foi isso o que eu descobri com os vossos professores. Para vocês, uma coisa é a matemática, outra a química, outra a física, outra o inglês, outra o desporto, outra a filosofia, outra a botânica. Na vossa maneira de pensar, todas as coisas são separadas."Isso é uma ilusão, claro. A natureza das coisas está na sunyata, o grande vazio, e está também na Dharmakaya, o Corpo do Ser. A Dbarmakaya encontra-se em todas as coisas materiais do universo e reflete-se na mente humana como bodhi, a sabedoria iluminada. O Avatamsaka sutra, que é o texto fundamental do budismo mabayana, assenta na ideia de que a Dbarmakaya está em tudo. Todas as coisas e todos os acontecimentos encontram-se relacionados, unidos por fios invisíveis. Mais do que isso, todas as coisas e todos os acontecimentos são a manifestação da mesma unidade. "Tudo é um."
"O senhor foi então confrontado com dois mundos totalmente diferentes."
"Totalmente diferentes", concordou o bodhisattva. "Um que tudo fragmenta, outro que tudo une."
"O budismo tem as suas origens remotas no hinduísmo, cuja filosofia assenta numa coleção de velhas escrituras anónimas redigidas em sânscrito antigo, os Vedas, os textos sagrados dos Arianos. A última parte dos Vedas chama-se Upanisbads. A ideia básica por detrás do hinduísmo é que a variedade de coisas e acontecimentos que vemos e sentimos à nossa volta não passa de diferentes manifestações da mesma realidade. A realidade chama-se Brahman e está para o hinduísmo como a Dharmakaya está para o budismo. Brahman significa crescimento e é a realidade em si, a essência interior de todas as coisas. Nós somos Brahman, embora possamos não o perceber devido ao poder mágico criativo de maya, que cria a ilusão da diversidade. Mas a diversidade, sublinho, não passa de uma ilusão. Só há um real e o real é Brahman."
"Sempre tive a ideia de que o hinduísmo estava cheio de deuses diferentes."
"Isso é parcialmente verdade. Os hindus têm muitos deuses, de facto, mas as sagradas escrituras tornam claro que todos esses deuses não passam de reflexos de um único deus, de uma única realidade. É como se Deus tivesse mil nomes e cada nome fosse de um deus, mas todos eles remetessem para o mesmo, diferentes nomes e diferentes rostos para uma única essência. "Brahman é todos e um. É ele o real e o único que é real."
"A mitologia hindu assenta na história da criação do mundo através da dança de Shiva, o Senhor da Dança. Conta a lenda que a matéria se encontrava inerte até que, na noite do Brahman, Shiva iniciou a sua dança num anel de fogo. Nesse instante também a matéria começou a pulsar ao ritmo de Shiva, cujo bailar transformou a vida num grande processo cíclico de criação e destruição, de nascimento e morte. A dança de Shiva é o símbolo da unidade e da existência e é através dela que decorrem os cinco atos da divindade: a criação do universo, a sua sustentação no espaço, a sua dissolução, a ocultação da natureza da divindade e a concessão do verdadeiro conhecimento. Dizem as sagradas escrituras que, primeiro, a dança provocou uma expansão, em que se criou o material de construção da matéria e das energias. O primeiro estágio do universo foi preenchido por espaço, para onde tudo se expandiu com a energia de Shiva. Preveem os textos sagrados que a expansão irá acelerar-se, tudo se misturará e, no fim, Shiva executará a terrível dança da destruição." O bodhisat-tva inclinou a cabeça. "Não lhe parece tudo isto familiar?"
"Incrível. O Big Bang e a expansão do universo. A equivalência entre massa e energia. O Big Crunch."
"Notável, sim", concordou o tibetano. "O universo existe devido à dança de Shiva e também ao auto-sacrifício do ser supremo."
"Auto-sacrifício? Como no cristianismo?"
"Não. A expressão sacrifício é usada aqui no seu termo original, no sentido de fazer com que algo se torne sagrado, e não no sentido de sofrimento. A história hindu da criação do mundo é a do ato divino de criar o sagrado, um ato pelo qual Deus se torna no mundo, o qual se torna Deus. O universo é um gigantesco palco de uma peça divina, na qual Brabman desempenha o papel do grande mágico que se transforma no mundo através do poder criativo da maya e da ação do karma. O karma é a força da criação, é o princípio ativo da peça divina, é o universo em ação. A essência do hinduísmo radica na nossa libertação em relação às ilusões da maya e à força do karma, levando-nos a perceber, através da meditação e do ioga, que todos os diferentes fenómenos captados pelos nossos sentidos fazem parte da mesma realidade, que tudo é Brabman." O bodhisattva pousou a mão no peito. "Tudo é Brabman", repetiu. "Tudo. Incluindo nós próprios."
"Não é isso o que defende também o budismo?"
"Exatamente", assentiu o velho tibetano. "Em vez de Brabman, preferimos usar a palavra Dharmakaya para descrever essa realidade una, essa essência que se encontra nos diferentes objetos e fenômenos do universo. Tudo é Dharmakaya, tudo está relacionado por fios invisíveis, as coisas não passam de diferentes rostos da mesma realidade. Mas esta não é uma realidade imutável, é antes uma realidade marcada pela samsara, o conceito de que as coisas são impermanentes, de que tudo muda sem cessar, de que o movimento e a transformação são inerentes à natureza."
"Mas, então, qual é a diferença entre hinduísmo e budismo?"
"Há diferenças na forma, há diferenças nos métodos, há diferenças nas histórias. Buda aceitava os deuses hindus, mas não lhes atribuía grande importância. Há  imensas diferenças entre as duas religiões, embora a essência seja a mesma. O real é uno, apesar de parecer múltiplo. As coisas diferentes não passam de diferentes máscaras da mesma coisa, essa realidade última que é também impermanente. Ambos os pensamentos ensinam a ver para além das máscaras, ensinam a perceber que a diferença esconde a unidade, ensinam a caminhar para a revelação do uno. Mas recorrem a métodos diversos para chegar ao mesmo objetivo. Os hindus atingem a iluminação através do vedanta e do ioga, os budistas através do óctuplo caminho sagrado do Buda."
"Portanto, a essência do pensamento oriental radica na noção de que o real, embora assuma diferentes formas, é, na sua essência, a mesma coisa."
"Sim. Apesar de as ideias fundamentais estarem já incorporadas no hinduísmo e no budismo, os taoistas vieram depois sublinhar alguns elementos essenciais já existentes no pensamento dominante."
"O quê?"
"Alguma vez leu o Tao Te Ching?"
"Uh... não."
"É o texto fundamental do Tao."
"E o que é o Tao?"
"Disse Chuang Tzu: se alguém perguntar o que é o Tao e outro responder, nenhum dos dois sabe o que é o Tao."
Tomás riu-se. "Bem, então já vi que não nos pode explicar o que é o Tao..."
"O Tao é outro nome para Brahman e para Dharmakaya", enunciou o tibetano. "O Tao é o real, é a essência do universo, é o uno do qual deriva o múltiplo. O caminho taoista foi enunciado por Lao Tzu, que resumiu o pensamento num conceito essencial."
"Qual?"
"O Tao Te Ching começa com palavras reveladoras". "O Tao que pode ser dito não é o verdadeiro Tao. O Nome que pode ser nomeado não é o verdadeiro Nome."
"O que quer isso dizer?"
"O Tao sublinhou o papel do movimento na definição da essência das coisas. O universo balança entre o yin e o yang, as duas faces que pautam o ritmo dos padrões cíclicos do movimento e através das quais o Tao se manifesta. A vida, disse Chuang Tzu, é a harmonia do yin e do yang. Tal como o ioga é o caminho hindu para a iluminação de que tudo é Brabman, tal como o óctuplo caminho sagrado do Buda é o caminho budista para a iluminação de que tudo é Dharmakaya, o taoísmo é o caminho taoista para a iluminação de que tudo é Tao. O taoísmo é um método que usa a contradição, os paradoxos e a subtileza para chegar ao Tao."
"Disse Lao Tzu: para contrair uma coisa, é preciso expandi-la." Inclinou a cabeça. "É essa a sabedoria subtil. Através da relação dinâmica entre o yin e o yang, os taoístas explicam as mudanças da natureza. O yin e o yang são dois polos antagónicos, dois extremos ligados um ao outro por um cordão invisível, duas diferentes faces do Tao, a  unidade de todos os opostos. O real está em permanente mudança, mas as mudanças são cíclicas, ora tendem para o yin, ora voltam para o yang."
"Mas, atenção, os extremos são ilusões do uno e tanto assim é que o Buda falou em não dualidade. O Buda disse: luz e sombra, longo e curto, preto e branco só podem ser conhecidos um em relação ao outro. A luz não é independente da sombra nem o negro do branco. Não há opostos, apenas relações."
"Quais são então as principais novidades do taoísmo?"
"O taoísmo não é bem uma religião, mas um sistema filosófico nascido na China. Algumas das suas ideias essenciais, porém, coincidem com o budismo, como a noção de que o Tao é dinâmico e de que o Tao é inacessível."
"Inacessível, em que sentido?"
"Lembre-se de Lao Tzu: o Tao que pode ser dito não é o verdadeiro Tao. Lembre-se de Chuang Tzu: se alguém perguntar o que é o Tao e outro responder, nenhum dos dois sabe o que é o Tao. O Tao está para além do nosso entendimento. É inexprimível."
"Engraçado", sorriu Tomás. "É justamente o que diz a Cabala judaica. Deus é inexprimível."
"O real é inexprimível. Já os Upanishads dos hindus se referiam à intangibilidade da realidade última em termos inequívocos: lá onde o olho não chega, a palavra não chega, a mente não chega, não sabemos, não compreendemos, não podemos ensinar. O próprio Buda, questionado por um discípulo que lhe pediu para definir a iluminação, respondeu com silêncio e limitou-se a levantar uma flor. O que Buda queria expressar com este gesto, que ficou conhecido por Sermão das Flores, é que as palavras só servem para objetos e ideias que nos são familiares. O Buda disse: um nome é imposto no que se pensa ser uma coisa ou um estado e isso separa-o de outras coisas e outros estados, mas, quando se vai ver o que está por detrás do nome, encontra-se uma maior e maior subtileza que não tem divisões." Suspirou. "A iluminação da realidade última, da Dharmakaya, está para além das palavras e das definições. Chamemos-lhe Brahman, Dharmakaya, Tao ou Deus, essa verdade mantém-se imutável. Podemos sentir o real numa epifania, podemos quebrar as ilusões de maya e o ciclo do karma de modo a atingirmos a iluminação e chegarmos ao real. "Porém, façamos o que fizermos, digamos o que dissermos, nunca o poderemos descrever. O real é inexprimível. Está para lá das palavras."
"Fez Yang disse: quando te sentes iludido e cheio de dúvidas, nem mil livros bastarão. Quando tiveres alcançado o entendimento, uma palavra já é de mais."
"Entende?"
"Uh... mais ou menos."
"Essas suas palavras hesitantes parecem gotas de chuva, o que me lembra um ditado Zen", insistiu Tenzing. "As gotas de chuva batem na folha de basbo, mas não são lágrimas de pesar, é apenas a angústia de quem as escuta."
(…) Disse Lao Tzu: age sem fazer, trabalha sem esforço."
(…) "Proximidades entre o pensamento oriental e a física? Do que está o senhor a falar concretamente?" "Misturar ciência com misticismo é... enfim... é uma coisa um pouco estranha, não lhe parece?"
"Não, se ambos disserem a mesma coisa", replicou o tibetano. "Revelam os Upanishads: tal como o corpo humano, assim é o corpo cósmico. Tal como a mente humana, assim é a mente cósmica. Tal como o microcosmos, assim é o macrocosmos. Tal como o átomo, assim é o universo."
"Isso está onde?"
"Está nos Upanisbads, o último dos Vedas, os textos sagrados do hinduísmo."  "Mas poderia encontrar-se num qualquer texto científico, não acha?"
"Bem... uh... de certo modo."
"Lembram-se de Lao Tzu dizer que o Tao que pode ser dito não é o verdadeiro Tao e que o Nome que pode ser nomeado não é o verdadeiro Nome? Lembram-se dos Upanishads se referirem à realidade última como sendo algo onde o olho não chega, a palavra não chega, a mente não chega, não sabemos, não compreendemos, não podemos ensinar? Lembram-se do Buda usar o Sermão das Flores para explicar que a iluminação da Dbarmakaya é inexprimível?"
"Sim..."
"E eu pergunto-vos: o que diz o Princípio da Incerteza? Diz-nos que não podemos prever com precisão o comportamento de uma micropartícula, apesar de sabermos que esse comportamento já está determinado. E eu pergunto-vos: o que dizem os teoremas da Incompletude? Dizem-nos que não podemos provar a coerência de um sistema matemático, apesar de as suas afirmações não demonstráveis serem verdadeiras. E eu pergunto-vos: o que diz a Teoria do Caos? Diz-nos que a complexidade do real é de tal grandeza que não é possível prever a evolução futura do universo, apesar de sabermos que essa evolução já está determinada. O real esconde-se por detrás da ilusão de tnaya. O Princípio da Incerteza, os teoremas da Incompletude e a Teoria do Caos provaram que o real é inacessível na sua essência. Podemos tentar aproximar-nos dele, podemos tentar descrevê-lo, mas nunca chegaremos verdadeiramente a ele. Haverá sempre mistério no fim do universo. Em última instância, o universo é inexprimível na sua plenitude, devido à subtileza da sua conceção." Abriu as mãos. "Regressamos, por isso, à questão essencial. O que é a matéria imprevisível a que o Princípio da Incerteza se refere senão Brahman? O que é a verdade que os teoremas da Incompletude mostram não poder ser provada senão Dhamarkaya? Eo que é o real infinitamente complexo e inatingível descrito pela Teoria do Caos senão Tao? O que é afinal o universo senão um gigantesco e inexprimível enigma?" "Depois há o problema da dualidade", retomou Tenzing. "Como devem estar recordados, o pensamento oriental estabelece o dinamismo do universo através da dinâmica das coisas. O Brahman dos hindus significa crescimento. A samsara dos budistas quer dizer movimento incessante. O Tao dos taoístas remete para a dinâmica dos opostos representada pelo yin e pelo yang. Tudo são opostos e os opostos são a mesma coisa, os dois extremos unidos por um fio invisível. Yin e yang. Lembram-se de eu vos ter dito isso?"
"Sim, claro."
"Então lembrem-se agora das teorias da Relatividade: a energia e a massa são a mesma coisa em estados diferentes. Então lembrem-se agora da física quântica: a matéria é, ao mesmo tempo, onda e partícula. Então lembrem-se agora das teorias da Relatividade: o espaço e o tempo estão ligados. Tudo é yin e yang. O universo move-se pelo dinamismo dos opostos. Os extremos revelam-se, afinal, diferentes expressões de uma mesma unidade. Yin e yang. Energia e massa. Ondas e partículas. Espaço e tempo. Yin e yang."
"O universo movimenta-se pela dialética dos opostos"
"O universo é uno, mas não é estático, é dinâmico", enunciou Tenzing. "Lembram-se de eu vos falar na criação do universo pela dança de Shiva, através da qual a matéria começou a pulsar e a bailar ao ritmo dessa dança, transformando a vida num grande processo cíclico?"
"Sim."
"Então vejam o ritmo dos eletrões em torno dos núcleos, vejam o ritmo das oscilações dos átomos, vejam o ritmo do movimento das moléculas, vejam o ritmo do movimento dos planetas, vejam o ritmo a que pulsa o cosmos. Em tudo há ritmo, em tudo há sincronismo, em tudo há simetria. A ordem emerge do caos como um bailarino rodopia na pista. Já repararam onde está o ritmo do cosmos?"
"Uh... o ritmo do cosmos?"
"Todas as noites, ao longo dos rios da Malásia, milhares de pirilampos juntam-se no ar e emitem luz em uníssono, obedecendo a um sincronismo secreto. Todos os instantes, ao longo do nosso corpo, os fluxos elétricos bailam em cada órgão ao ritmo de sinfonias silenciosas, cujo compasso é coordenado por milhares de células invisíveis. Todas as horas, ao longo dos nossos intestinos, os restos dos alimentos são empurrados pela ondulação ritmada das paredes do tubo intestinal, obedecendo a uma estranha cadência ondulada. Todos os dias, quando o homem penetra a mulher e o seu fluido vital corre na direção do óvulo, os espermatozóides abanam as caudas ao mesmo tempo e na mesma direção, respeitando uma coreografia misteriosa. Todos os meses, sempre que algumas mulheres passam muito tempo juntas, os seus ciclos menstruais sincronizam-se de forma inexplicável. O que é isto senão o ritmo enigmático da música universal a que dança o cósmico Shiva?"
"Mas na vida é natural que haja sincronia", argumentou Tomás. "Há sincronia na respiração, há sincronia no coração, há sincronia na circulação do sangue..."
"É natural justamente porque a vida flui ao ritmo das batidas da dança de Shiva. Mas não é só a vida, sabe? Também a matéria que não é viva dança ao som da mesma música."
"A matéria que não é viva?"
"Isso foi descoberto no século XVII, quando Christiaan Huygens observou acidentalmente que os pêndulos de dois relógios de sala colocados lado a lado oscilavam em simultâneo sem variação. Por mais que os tentasse dessincronizar, alterando as oscilações dos pêndulos, Huygens constatou que, ao fim de apenas meia hora, os relógios voltavam a acertar as suas batidas, como se os pêndulos obedecessem a um maestro invisível. Huygens descobriu que a sincronia não é um ritmo exclusivo das coisas vivas. A matéria inerte dança ao mesmo ritmo."
"Bem... uh... é estranho, sem dúvida", reconheceu Tomás. "Mas não se pode generalizar a partir de um único caso descoberto entre a matéria inerte, não é?
"A dança sincronizada dos pêndulos de relógios colocados lado a lado foi apenas a primeira de muitas descobertas semelhantes. Descobriu-se que os geradores colocados em paralelo, mesmo que comecem a funcionar dessincronizados, sincronizam automaticamente o seu ritmo de rotação e é essa estranha batida da natureza que possibilita o funcionamento das redes elétricas. Descobriu-se que o átomo do césio oscila como um pêndulo entre dois níveis de energia e essa oscilação é ritmada com tal precisão que permitiu recorrer ao césio para criar os relógios atómicos, que só erram menos de um segundo em vinte milhões de anos. Descobriu-se que a Lua roda no seu eixo exatamente ao mesmo ritmo com que orbita a Terra e é esse bizarro sincronismo que permite que a Lua tenha sempre a mesma face voltada para nós. Descobriu-se que as moléculas da água, que se movem livremente, quando a temperatura desce aos zero graus juntam-se num movimento sincronizado, e é esse movimento que permite a formação do gelo. Descobriu-se que alguns átomos, quando colocados a temperaturas próximas do zero absoluto, começam a comportar-se como se fossem um único, são trilhões de átomos envolvidos num gigantesco bailado sincronizado. Essa descoberta permitiu que os seus autores ganhassem o Prémio Nobel da Física em 2001. O Comité Nobel disse que eles tinham conseguido fazer com que os átomos cantassem em uníssono. Essa foi a expressão usada pelo Comité no seu comunicado. Que os átomos cantassem em uníssono. Ao ritmo de que música?" "Ao ritmo da música cósmica, a mesma música que inspira Shiva na sua dança (…) O universo baila a um ritmo misterioso. O ritmo da dança de Shiva."
"E de onde vem esse ritmo?".
"Vem da Dharmakaya, vem da essência do universo", disse. "Nunca ouviram falar das ligações entre a música e a matemática?"
Os dois visitantes assentiram com a cabeça.
"Pois a música do universo oscila ao ritmo das leis da física", afirmou Tenzing. "Em 1996 descobriu-se que os sistemas vivos e a matéria inerte se sincronizam em obediência a uma mesma formulação matemática. Quero com isto dizer que a batida da música cósmica que provoca os movimentos nos intestinos é a mesma que faz com que os átomos cantem em uníssono, a batida que põe os espermatozóides a abanarem a cauda em sincronia é a mesma que orquestra o gigantesco bailado da Lua em torno da Terra. E a formulação matemática que organiza este ritmo cósmico emerge dos sistemas matemáticos sobre os quais assenta a organização do universo: a Teoria do Caos. Descobriu-se que o caos é síncrono. O caos parece caótico, mas tem, na verdade, um comportamento determinista, obedece a padrões e é regido por regras muito bem definidas. Apesar de ser síncrono, o seu comportamento nunca se repete, pelo que podemos dizer que o caos é determinista mas indeterminável. É previsível a curto prazo, devido às leis determinísticas, e imprevisível a longo prazo, devido à complexidade do real." Abriu as mãos. "Haverá sempre mistério no fim do universo."
"Admito que tudo isso é misterioso", disse. "Mas acha que os sábios anónimos que descreveram a dança de Shiva sabiam da existência desse... desse ritmo cósmico?"
Tenzing sorriu. "A propósito de como devemos pensar o mundo, disse o Buda: uma estrela ao anoitecer, uma bolha na corrente, um rasgo de luz numa nuvem de Verão, uma candeia tremulante, um fantasma e um sonho." Os visitantes hesitaram, desconcertados com a resposta.
"O que quer dizer com isso?"
"Quero dizer que o ritmo cósmico não é percetível para quem não está iluminado. É preciso ser Buda para observar esse ritmo emergir das coisas. Como podiam os autores das sagradas escrituras saber da existência do ritmo cósmico se ele não é audível para quem não está preparado para o escutar?"
"Pode ser coincidência", argumentou Tomás. "Inventaram a história da dança de Shiva, um belo mito primordial, e depois, por coincidência, descobriu-se que existe um ritmo no universo."
"Será coincidência que, agora, a ciência ocidental venha dizer o mesmo que os nossos sábios orientais já diziam há dois mil anos ou mais?"
"Não estou a entender", indicou Tomás.
O bodhisattva respirou fundo. "Como sabe, o pensamento oriental defende que o real é uno e as diferentes coisas não passam de manifestações da mesma coisa. Tudo está relacionado."
"Sim, já disse isso."
"A Teoria do Caos veio confirmar que assim é. O bater de asas de uma borboleta influencia o estado do tempo num outro ponto do planeta."
"É verdade."
"Mas a ligação da matéria entre si não se limita a um simples efeito dominó entre as coisas, em que cada uma influencia a outra. A verdade é que a matéria está ligada organicamente entre si. Cada objeto é uma diferente representação da mesma coisa."
"Isso é o que diz o pensamento oriental", insistiu Tomás.
"É o que diz a ciência ocidental também", argumentou Tenzing.
"Onde é que está dito que a matéria tem ligação orgânica? Onde é que está dito que cada objeto é uma diferente representação da mesma coisa? É a primeira vez que ouço tal coisa..." O bodhisattva sorriu.
"Os senhores já ouviram falar na experiência Aspect?" "Já vi que a menina está a par desta experiência", observou Tenzing, o olhar perscrutador.
"Sim", confirmou ela. "Qualquer físico conhece essa experiência "
"Alain Aspect é um físico francês que liderou uma equipa da Universidade de Paris-Sul numa experiência de grande importância, efectuada em 1982. É verdade que ninguém falou dela na televisão ou nos jornais. Em bom rigor, apenas os físicos e alguns outros cientistas a conhecem, mas não se esqueça do que lhe vou dizer."  "É possível que, no futuro, a experiência Aspect venha a ser recordada como uma das experiências mais extraordinárias da ciência no século XX." Olhou para Ariana. "Concorda comigo, menina?"
Ariana assentiu com a cabeça. "Sim."
O bodhisattva manteve o olhar preso na iraniana. "Um ditado Zen diz: se encontrares no caminho um homem que sabe, não digas nada, não fiques em silêncio." Fez uma pausa. "Não fiques em silêncio. "Abre-lhe a porta."
"Quer que eu lhe descreva a experiência Aspect?"
Tenzing sorriu. "Outro ditado Zen diz: quando um homem comum acede ao conhecimento, é um sábio. Quando um sábio acede ao conhecimento, é um homem comum."
"A experiência Aspect... uh... quer dizer....", gaguejou. Mirou o tibetano como se pedisse instruções. "Não se pode relatar a experiência Aspect sem falar no Paradoxo EPR, não é?"
"Nagarjuna disse: a sabedoria é como um lago límpido e fresco, pode-se entrar por um lado qualquer."
"Então tenho de entrar pelo lado do Paradoxo EPR", decidiu Ariana. Voltou-se para Tomás. "Lembras-te de eu te ter contado que a física quântica previa um universo indeterminista, em que o observador faz parte da observação, enquanto a Relatividade preconizava um universo determinista, em que o papel do observador é irrelevante para o comportamento da matéria. Lembras-te disso, não é?"
"Ora bem, quando essa inconsistência se tornou clara, começaram os esforços para conciliar os dois campos. Presumia-se, e ainda se presume, que não pode haver leis discrepantes em função da dimensão da matéria, umas para o macrocosmos e outras diferentes para o microcosmos. Tem de haver leis únicas. Mas como explicar as divergências entre as duas teorias? O problema suscitou uma série de debates entre o pai da relatividade, Albert Einstein, e o principal teórico da física quântica, Niels Bohr. Para demonstrar que a interpretação quântica era absurda, Einstein focou um pormenor muito bizarro da teoria quântica: o de que uma partícula só decide a sua posição quando é observada. Einstein, Podolski e Rosen, cujas iniciais formam EPR, formularam então o seu paradoxo, baseado na ideia de medir dois sistemas separados, mas que tinham estado previamente unidos, para ver se eles tinham comportamentos semelhantes quando observados. Os três propuseram o seguinte: coloquem-se os dois sistemas em caixas, posicionadas em pontos diferentes de uma sala ou até a muitos quilômetros de distância, abram-se as caixas em simultâneo e meçam-se os seus estados internos. Se o seu comportamento for automaticamente idêntico, então isso significa que os dois sistemas conseguiram comunicar um com o outro instantaneamente. Ora, isto é um paradoxo. Einstein e os seus apoiantes observaram que não pode haver transferência instantânea de informação uma vez que nada anda mais depressa do que a luz." " Bohr respondeu que, se se pudesse fazer essa experiência, verificar-se-ia que havia, de fato, comunicação instantânea. Se as partículas subatômicas não existem até serem observadas, argumentou, então não poderão ser encaradas como coisas independentes. A matéria, disse, faz parte de um sistema indivisível."
"Indivisível como a realidade última de Brahman. Indivisível como o real unificado por fios invisíveis da Dharmakaya. Indivisível como a unidade do Tao do qual deriva o múltiplo. Indivisível como a essência derradeira da matéria, o uno de que todas as coisas e todos os acontecimentos não são senão manifestações do mesmo, a realidade única com diferentes máscaras."
"Einstein achava que esta interpretação era absurda e considerava que o Paradoxo EPR, se pudesse ser testado, o demonstraria." "O problema é que esse paradoxo não pode ser testado..." "No tempo de Einstein, não podia", disse a iraniana. "Mas, logo em 1952, um físico da Universidade de Londres chamado David Bohm indicou que havia uma maneira de testar o paradoxo. Em 1964 coube a outro físico, John Bell, do CERN de Genebra, a tarefa de demonstrar esquematicamente como levar a cabo a experiência. Bell não fez o teste, que só viria a ser concretizado em 1982 por Alain Aspect e uma equipa de Paris. É uma experiência complicada e difícil de explicar a um leigo, mas foi de fato efetuada."
"Os franceses testaram o paradoxo?"
"Sim."  "Bohr tinha razão.  "Aspect descobriu que, sob determinadas condições, as partículas comunicam automaticamente entre si. Essas partículas sub-atómicas podem até estar em pontos diferentes do universo, umas numa ponta do cosmos e outras noutra, mas a comunicação é instantânea.
" O historiador fez um ar incrédulo. "Isso não é possível", disse. "Nada viaja mais depressa do que a luz."
"É o que diz Einstein e a Teoria da Relatividade Restrita", devolveu a iraniana. "Mas Aspect provou que as micropartículas comunicam instantaneamente entre si."
"Novas experiências efetuadas em 1998, em Zurique e Innsbruck, usando técnicas mais sofisticadas, confirmaram tudo.
"Isso quer dizer que as teorias da Relatividade estão erradas?"
"Não, não, elas estão certas."  "Só há uma explicação", disse Ariana. "Aspect confirmou uma propriedade do universo. Ele verificou experimentalmente que o universo tem ligações invisíveis, que as coisas estão relacionadas entre si de um modo que não se suspeitava, que a matéria possui uma organização intrínseca que ninguém imaginava. Se as micropartículas comunicam entre si à distância, isso não se deve a nenhum sinal que estejam a enviar umas às outras. Isso deve-se simplesmente ao fato de que elas constituem uma entidade única. A sua separação é uma ilusão.(…) Duas micropartículas podem estar separadas pelo universo inteiro, mas quando uma se mexe, a outra mexe-se instantaneamente. Penso que isso acontece porque, na verdade, não se trata de duas micropartículas diferentes, mas da mesma micropartícula. A um nível profundo da realidade, a matéria não é individual, mas uma mera representação de uma unidade fundamental."
"A variedade de coisas e acontecimentos que vemos e sentimos à nossa volta são diferentes manifestações da mesma realidade", murmurou o budista em tom contemplativo. "Tudo está relacionado por fios invisíveis. Todas as coisas e todos os acontecimentos não passam de diferentes rostos da mesma essência. O real é o uno do qual deriva o múltiplo. É isso Brabman, é isso Dharmakaya, é isso Tao. Os textos sagrados explicam o universo." "Está escrito na Prajnaparamita, o poema de Buda sobre a essência de tudo." Começou a recitar, como se entoasse um mantra sagrado: "Vazia e calma e livre de si É a natureza das coisas. Nenhum ser individual Na realidade existe. Não há fim nem princípio, Nem meio. Tudo é ilusão, Como numa visão ou num sonho. Todos os seres do mundo Estão para além do mundo das palavras. A sua natureza última, pura e verdadeira, É como a infinidade do espaço."
"Chou Chou disse: o Caminho não é difícil, basta que não haja querer ou não querer." Fez um gesto na direção do seu visitante. "Os professores abrem a porta, mas tens de entrar sozinho."

"Os chineses têm um provérbio", disse. "Os professores abrem a porta, mas tens de entrar sozinho."
"Nós, os budistas, temos um provérbio", proclamou. "Quando o estudante está preparado, o mestre aparece."

O universo resumia-se agora a duas coisas e a duas só. Tomás e Ariana, ele e ela, o verde e o dourado, o ferro e o veludo, o suor e a lavanda, o chocolate e o mel, o tronco e a rosa, a prosa e a poesia, a voz e a melodia, o yin e o yang, dois corpos fundidos num só, dissolvidos sobre a pedra dura, unidos num movimento ritmado, moldados numa dança longa, lenta e rápida, sôfrega, esfaimada, os gestos coordenados, bailando ao ritmo dos gemidos, ele dando e ela recebendo, sempre com mais força, mais força, mais força.
Gritaram.
No momento em que sentiu uma explosão de cores e luzes e sensações percorrerem-lhe o corpo, em que toda a eternidade se estendeu por um efémero e infinito instante, em que a paixão se elevou acima da montanha mais alta e a fusão ficou enfim completa, nesse momento de epifania Tomás soube que a sua busca terminara, que aqueles olhos de mel eram a sua perdição, que aqueles lábios eram a sua flor, que aquele corpo era a sua casa. Que aquela mulher era o seu destino.

"Shunryu Suzuki disse: no espírito do principiante há muitas possibilidades, mas estas são poucas no espírito do sábio."
"O poeta Bashô disse", começou. "Não procures as pisadas dos anciãos, procura o que eles procuraram."
"Krishnamurti disse: a meditação não é um meio para atingir um fim, é tanto o meio como o fim."
Tsai Ken Tan disse: água que é demasiado pura não tem peixe."

XI- Einstein e Idade do Universo da Bíblia

Einstein, sendo judeu, não era um homem religioso. Ele acreditava que algo transcendente poderia estar por detrás do universo, mas esse algo não seria certamente o Deus que mandou Abraão matar o seu filho para ter a certeza de que o patriarca Lhe era fiel. Einstein acreditava numa harmonia transcendente, não num poder mesquinho. Acreditava numa presença inteligente, não numa entidade bondosa. Acreditava numa força universal, não numa divindade antropomórfica. Mas seria possível encontrá-la na Bíblia? Quanto mais analisava as sagradas escrituras hebraicas, mais se convencia de que a resposta se escondia algures no Génesis, e em particular na questão dos seis dias da Criação. Seria possível tudo criar em apenas seis dias?"
"O que entende pela palavra tudo?", perguntou Ariana. "Os cálculos relativos ao Big Bang preveem que toda a matéria foi criada nas primeiras frações de segundo. Antes do primeiro segundo ficar completo já o universo se tinha expandido um bilião de quilômetros e a superforça se tinha fragmentado em força da gravidade, força forte e força eletrofraca."
"Por tudo entende-se, aqui, a luz, as estrelas, a Terra, as plantas, os animais e o homem. Diz a Bíblia que o homem foi criado ao sexto dia."
"Ah, isso não é possível."
"Foi o que Einstein pensou. Não era possível a criação de tudo em apenas seis dias.
"Estudando o Livro dos Salmos, um texto hebraico com quase três mil anos, Einstein deparou-se com uma frase no salmo 90 que dizia mais ou menos o seguinte." "Mil anos são como um dia que passa? Mas o que significa esta observação? Será apenas uma metáfora? Einstein concluiu que se tratava de uma metáfora, mas a verdade é que o salmo 90 remeteu Einstein instantaneamente para as suas próprias teorias da Relatividade. Mil anos à Tua vista representa o tempo numa perspetiva, um dia que passa representa o mesmo período de tempo noutra perspetiva."
"O tempo é relativo."
(…) O paradoxo dos gémeos ... tanto quanto sei, Einstein dizia que o tempo passa a velocidades diferentes consoante a velocidade do movimento no espaço. Para melhor explicar isso, deu o exemplo da separação de dois gêmeos. Um deles parte numa nave espacial muito rápida e o outro fica na Terra. O que está na nave espacial regressa um mês depois à Terra e descobre que o seu irmão é agora um velho. É que, enquanto na nave decorreu apenas um mês, na Terra decorreram cinquenta anos."
"O tempo está relacionado com o espaço como o yin está relacionado com o yang. Em termos técnicos, as duas coisas nem se distinguem com clareza, de tal modo que se criou até o conceito de espaço-tempo. O factor-chave é a velocidade e a referência é a velocidade da luz, que Einstein estabeleceu como sendo constante. O que as teorias da Relatividade nos vieram dizer é que, por causa da constância da velocidade da luz, o tempo não é universal. Pensava-se antes que havia um tempo único global, uma espécie de relógio invisível comum a todo o universo e que media o tempo da mesma maneira em toda a parte, mas Einstein veio provar que não era assim. Não há um tempo único global. A marcha do tempo depende da posição e da velocidade do observador."
Colocou os dois indicadores lado a lado. "Suponhamos que ocorrem dois acontecimentos, o A e o B. Para um observador que está equidistante, estes acontecimentos decorrem em simultâneo, mas quem estiver mais próximo do acontecimento A vai achar que o acontecimento A ocorreu antes do B, enquanto quem estiver mais próximo do B vai achar o contrário. E, na verdade, os três observadores têm razão. Ou melhor, têm razão segundo o seu ponto de referência, uma vez que o tempo é relativo à posição do observador. Não há um tempo único. Está claro isto?"
"Sim."
"Ora, tudo isto significa que não há um presente universal. O que é presente para um observador é passado para outro e futuro para um terceiro. Já viu o que isto significa? Uma coisa ainda não aconteceu e já aconteceu. Yin e yang. Esse acontecimento é inevitável porque, embora já tenha acontecido num ponto, ainda não aconteceu noutro, mas vai acontecer."
"Isso é uma coisa estranha, não é?"
"Muito", concordou o bodhisattva. "E, no entanto, é o que dizem as teorias da Relatividade. Além do mais, isto bate certo com a afirmação de Laplace de que o futuro, tal como o passado, já se encontra determinado."
"Indo de encontro ao paradoxo dos gémeos, é importante estabelecer que a perceção temporal do observador depende da própria velocidade a que ele se movimenta. Quanto mais próximo da velocidade da luz o observador se move, mais devagar circula o seu relógio. Quer dizer, para esse observador o tempo é normal, claro, um minuto continua a ser um minuto. É só para quem está a mover-se a velocidade mais lenta que parece que o relógio do observador rápido é mais lento. Da mesma forma, o observador que circula próximo da velocidade da luz vai ver a Terra a rodopiar à volta do Sol a grande velocidade. Parecer-lhe-á que o tempo da Terra está acelerado, que se passa um ano em apenas um segundo, mas, na Terra, um ano continua a ser um ano."
"Isso é apenas teoria, não é?"
"Em bom rigor, isto já está provado. Em 1972 foi colocado um relógio de alta precisão dentro de um jato muito rápido, para comparar depois a sua medição do tempo com a de outro relógio de alta precisão que ficou em terra. Quando o aparelho voou na direção leste, o relógio que seguia a bordo perdeu quase sessenta nanossegundos em relação ao terrestre. Quando se dirigiu para oeste, o relógio voador ganhou mais de duzentos e setenta nanossegundos. Esta diferença deve-se, como é evidente, à associação da velocidade do jacto com a velocidade da rotação da Terra. De qualquer modo, tudo isto foi depois confirmado pelos astronautas do Space Shuttle."
O que a Teoria da Relatividade Geral veio dizer é que a passagem do tempo é mais lenta em locais de alta gravidade e mais rápida nos locais de fraca gravidade. Isto tem várias consequências, todas elas relacionadas entre si. A primeira é que cada objeto existente no cosmos possui a sua própria gravidade, fruto das suas características, o que significa que o tempo passa de modo diferente em cada ponto do universo. A segunda consequência é que o tempo na Lua é mais rápido do que o tempo na Terra e o tempo na Terra é mais rápido do que o tempo no Sol. Quanto mais massa tem o objeto, mais lento é o tempo à sua superfície. Os objetos com maior gravidade que se conhecem são os buracos negros, o que significa que, se uma nave se aproximasse de um buraco negro, veria a história do universo acelerar e chegar ao fim diante dos olhos dos seus tripulantes."
"Isto é relevante para lhe explicar que Einstein resolveu partir do princípio de que os seis dias da Criação, conforme são descritos pela Bíblia, devem ser vistos à luz da relação entre o tempo na Terra e o espaço-tempo no universo. Quando fala num dia, o Antigo Testamento está a referir-se, como é evidente, a um dia terrestre. Mas, segundo as teorias da Relatividade, quanto maior é a massa de um objeto, mais lenta é a passagem do tempo à sua superfície. E a pergunta que Einstein colocou foi esta: quanto tempo à escala temporal do universo é um dia na Terra?"
"A própria Bíblia estabelece que a Terra só foi criada ao terceiro dia. Portanto, embora a medição fosse assente em dias terrestres, o Antigo Testamento está evidentemente a referir-se ao terceiro dia à escala do universo, uma vez que nos dois primeiros dias não existia Terra."
"Mas qual o ponto de referência para a medição?"
"Einstein baseou-se numa previsão feita em 1948 relativa à teoria do Big Bang: a existência de luz reminiscente do grande ato de criação do universo. Cada onda de luz funcionaria como um tique do grande tiquetaque universal. As ondas que chegam à Terra são esticadas dois vírgula doze frações de um milhão, quando comparadas com as ondas geradas pela luz na Terra. Isto significa, por exemplo, que, por cada milhão de segundos terrestres, o Sol perde dois vírgula doze segundos. A pergunta seguinte é: se o Sol perde mais de dois segundos em relação à Terra, quanto tempo perde todo o universo, que tem muito mais massa?"
"Que eu saiba, a gravidade do universo é diferente ao longo do tempo. No início, quando a matéria estava toda concentrada, a gravidade era maior do que mais tarde. Einstein considerou isso?"
"Claro que considerou. Quando o universo começou, a matéria estava toda concentrada. Isso significa que a força de gravidade era inicialmente enorme e, consequentemente, a passagem do tempo muito lenta.  À medida que a matéria se foi afastando, a passagem do tempo foi acelerando porque a gravidade foi-se tornando menor."
"E quanto mais lento era o tempo antes?"
"Um milhão de milhão de vezes. Essa conta é confirmada pela medição das ondas de luz primordiais."
"Mas depois foi acelerando."
"Claro."
"Em que proporção?"
"Cada duplicação do tamanho do universo abrandou o tempo por um factor de dois."
"E o que resultou dessas contas?
" O bodhisattva abriu os braços. "Uma coisa extraordinária", exclamou. "O primeiro dia bíblico durou oito mil milhões de anos. O segundo dia durou quatro mil milhões, o terceiro durou dois mil milhões, o quarto durou mil milhões, o quinto durou quinhentos milhões de anos e o sexto dia durou duzentos e cinquenta milhões de anos."
"Isso tudo junto dá quanto?"
"Quinze mil milhões de anos."
A Bíblia diz que o universo começou há quinze mil milhões de anos!!!!!"
(…) uma avaliação recente da NASA colocou a idade do universo muito perto dos catorze mil milhões de anos."

Resolveu então comparar cada dia bíblico com os acontecimentos que ocorreram simultaneamente no universo:
"O primeiro dia bíblico tem oito mil milhões de anos. Começou há quinze vírgula sete mil milhões de anos e terminou há sete vírgula sete mil milhões de anos. A Bíblia diz que foi nessa altura que se fez luz e que foi criado o céu e a terra. Ora, sabemos que, nesse período, ocorreu o Big Bang e a matéria foi criada. Formaram-se as estrelas e as galáxias."
"O segundo dia bíblico durou quatro mil milhões de anos e terminou há três vírgula sete mil milhões de anos. A Bíblia diz que Deus fez o firmamento nesse segundo dia. Sabemos hoje que foi nessa altura que se formou a nossa galáxia, a Via Láctea, e o Sol, que se encontram visíveis no nosso firmamento. Isto é, tudo o que se encontra nas redondezas da Terra foi criado neste período."
"O terceiro dia bíblico, correspondente a dois mil milhões de anos terminados há um vírgula sete mil milhões de anos, fala na formação da terra e do mar e no aparecimento das plantas. Os dados científicos referem que a Terra arrefeceu neste período e apareceu água líquida, a que se seguiu imediatamente o aparecimento de bactérias e vegetação marinha, designadamente algas."
"O quarto dia bíblico durou mil milhões de anos e terminou há setecentos e cinquenta milhões de anos. A Bíblia diz que apareceram neste quarto dia luzes no firmamento, designadamente o Sol, a Lua e as estrelas."
"Espere aí", interrompeu Tomás. "Mas o Sol e as estrelas à nossa volta não tinham aparecido no segundo dia?"
"Sim. Mas não eram ainda visíveis. O Sol e as estrelas da Via Láctea apareceram no segundo dia bíblico, há cerca de sete mil milhões de anos, mas não eram visíveis da Terra. A Bíblia diz que só se tornaram visíveis ao quarto dia. Ora, o quarto dia corresponde justamente ao período em que a atmosfera da Terra se tornou transparente, deixando ver o céu. Corresponde também ao período em que a fotossíntese começou a lançar oxigênio para a atmosfera."
"O quinto dia bíblico durou quinhentos milhões de anos e terminou há duzentos e cinquenta milhões de anos. "Está escrito que, neste quinto dia, Deus disse: que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos e que na terra voem aves, sob o firmamento dos céus."Como é bom de ver, os estudos geológicos e biológicos apontam para este período o aparecimento dos animais multicelulares e de toda a vida marinha, mais os primeiros animais voadores."
"E chegamos ao sexto dia bíblico, que começou há duzentos e cinquenta milhões de anos." O tibetano desceu umas linhas com o dedo. "Segundo a Bíblia, Deus disse: que a terra produza seres vivos, segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo as suas espécies. E, mais à frente, Deus acrescenta: façamos o homem. "

"Mas os animais existem há mais de duzentos e cinquenta milhões de anos"
"Claro que existem."Mas não estes animais."
"O que quer dizer com isso?"
Em termos biológicos, sabe o que aconteceu há exatamente duzentos e cinquenta milhões de anos?"
"Bem... houve uma grande extinção, não foi?"
"Nem mais", murmurou o tibetano. "Há duzentos e cinquenta milhões de anos ocorreu a maior extinção de espécies de que há conhecimento, a extinção do Permiano. Por um motivo ainda não determinado, mas que alguns supõem estar relacionado com o impacto de um grande corpo celeste na Antártida, cerca de noventa e cinco por cento das espécies existentes extinguiram-se de um momento para o outro. Até mesmo um terço dos insetos desapareceu, no que foi a única vez que ocorreu uma extinção de insetos em massa. A extinção do Permiano foi aquela em que a vida na Terra esteve mais próxima da erradicação total. Esse grande cataclismo ocorreu há exatamente duzentos e cinquenta milhões de anos. Curiosamente, no momento em que começou o sexto dia bíblico. Depois dessa monumental extinção em massa, a Terra foi repovoada." "Já reparou nesta referência explícita da Bíblia aos répteis segundo as suas espécies?"
"Serão os dinossauros?"
"Dá essa impressão, não dá? De resto, coincide com o período. E, repare ainda, o homem surge no fim. Isto é, no fim da cadeia da evolução."
" O que é interessante neste trabalho de Einstein é que a história bíblica do universo, quando o tempo é medido de acordo com as frequências de luz previstas pela teoria do Big Bang, bate certo com a história científica do universo."
"Einstein não acreditava no Deus da Bíblia, não acreditava num Deus mesquinho e ciumento e vaidoso que exige adoração e fidelidade. Ele achava que o Deus da Bíblia era uma construção humana. Ao mesmo tempo, porém, chegou à conclusão de que a sabedoria antiga encerrava algumas verdades profundas e começou a acreditar que o Antigo Testamento escondia um grande segredo."
"Um grande segredo? Qual segredo?"
"A prova da existência de Deus." "Qual Deus? O Deus mesquinho, ciumento e vaidoso?" "Não. O verdadeiro Deus. A força inteligente por detrás de tudo. O Brahman, o Dharmakaya, o Tao. O uno que se revela múltiplo. O passado e o futuro, o Alfa e o Omega, o yin e o yang. Aquele que se apresenta com mil nomes e não é nenhum, sendo todos. Aquele que veste as roupas de Shiva e dança a dança cósmica. Aquele que é imutável e impermanente, grande e pequeno, eterno e efêmero, a vida e a morte, tudo e nada." Abarcou com os braços tudo em redor. "Deus."

XII- Uma vida.
Viveram cinquenta anos juntos, partilharam sabores e dissabores, dias soalheiros e noites sombrias, e tornava-se dolorosamente evidente que desfrutavam agora dos derradeiros momentos a dois, o caminho iria em breve apartá-los como o horizonte separa o céu da terra. Envolvia-os um amor maduro, não já feito de paixão nem de arrebatamento, mas de afetos carinhosos, de sentimentos vividos, de uma ligação profunda. Ela era a árvore, ele a folha, ela o sol, ele a praia, ela a abelha, ele o pólen; eram a luz e a cor, a terra e o céu, o lago e o nenúfar, o mar e a areia, a gaivota e o ovo.

"Como será a morte? Será igual ao que era a não-existência antes do nascimento? Será que a vida começa com um Big Bang e acaba com um Big Crunch?" Nascemos, crescemos, atingimos o apogeu, definhamos e morremos."Será que é só isso? Será que a vida se resume a isso?"
"Umas vezes penso que a vida não tem valor, é uma coisa insignificante. Eu vou morrer e a humanidade não sentirá a minha falta. A humanidade vai morrer e o universo não sentirá a sua falta. O universo vai morrer e a eternidade não sentirá a sua falta. Não passamos de uma irrelevância, simples poeira que se perde no tempo. Mas, outras vezes, penso que, afinal, todos nascemos com uma missão, todos desempenhamos um papel, todos fazemos parte de um grande esquema. Pode ser um papel minúsculo, pode parecer uma missão irrisória, talvez até a consideremos uma vida perdida, mas, feitas as contas, quem sabe se coisa tão minúscula se poderá revelar uma migalha crucial para a conceção do grande bolo cósmico." "Somos minúsculas borboletas cujo frágil bater de asas tem talvez o estranho poder de gerar longínquas tempestades no universo.
"Muita gente não sabe o que procura." Fixou os olhos no teto. "A maior parte das pessoas passa por esta vida como se fosse sonâmbula, percebes? Querem possuir coisas, fazer dinheiro, consumir tudo. As pessoas estão tão inebriadas com o acessório que perdem de vista o essencial. Desejam um novo carro, uma casa maior, umas roupas mais vistosas. Querem perder peso, tentam agarrar a juventude, sonham em impressionar os outros." Respirou fundo, para recuperar o fôlego, e olhou para o filho. "Sabes por que o fazem?"
"Porquê?" "Porque têm fome de amor. Têm fome de amor e não o encontram. É por isso que se voltam para o acessório. Os carros, as casas, as roupas, as joias... tudo isso são substitutos. Não têm amor e procuram substitutos." Abanou a cabeça. "Mas isso não resulta. O dinheiro, o poder, a posse de coisas... nada substitui o amor. É por isso que, quando compram um carro, uma casa, uma peça de roupa, a satisfação que sentem é efémera. Acabaram de comprar mas procuram já um novo carro, uma nova casa, uma nova peça de roupa. Procuram algo que não está ali. Nenhuma dessas coisas traz satisfação duradoura porque nenhuma dessas coisas é verdadeiramente importante. Estão todos com pressa à procura de algo que não encontram. Quando compram o que querem, descobrem que se sentem vazios. É porque o que compraram não era afinal o que queriam. Querem amor, não querem coisas. As coisas não passam de substitutos, de acessórios que mascaram o essencial."
"Sabes, chego à conclusão de que o mais importante é dedicarmo-nos às pessoas. Dedicarmo-nos à família e à comunidade. Só isso nos preenche. Só isso tem significado."
"Mas não encontrou significado no seu trabalho?"
"Claro que sim. Nunca percebi por que razão as pessoas não vêem o que me parece óbvio e andam tão ocupadas a fazer coisas irrelevantes. Zangam-se, afligem-se, preocupam-se com o que não tem importância, desgastam-se com o acessório. Foi um pouco por isso que me refugiei na matemática, sabes? Achei que nada era importante a não ser percebermos a essência do mundo que nos rodeia."
"Foi isso o que procurou na matemática?"
"Sim. Andei à procura da essência das coisas. Descubro agora, não sei se com embaraço, que, afinal, andei todo este tempo à procura de Deus." Sorriu. "Através da matemática, andei à procura de Deus."
"E encontrou-O?"
"Não sei." Suspirou. "Encontrei algo de muito estranho. Não sei se é Deus, mas é algo de... extraordinário."
"O quê? O que encontrou?"
"Encontrei inteligência na conceção do universo. Isso é inegável. O universo está concebido com inteligência. Às vezes descobrimos uma coisa curiosa na matemática, uma qualquer brincadeira que, à primeira vista, parece absolutamente irrelevante. Mais tarde acabamos por constatar que aquela curiosidade numérica desempenha afinal um fundamental papel na estruturação de alguma coisa feita pela natureza." "Estou a ver." "O que é mais estranho na natureza é que tudo está ligado. Percebes? Mesmo coisas que parecem absolutamente díspares, sem relação umas com as outras... mesmo essas coisas estão ligadas. Quando raciocinamos, alguns eletrões deslocam-se no nosso cérebro. Pois essa alteração ínfima acaba por influenciar, mesmo que minusculamente, a história de todo o universo." Fez um olhar sonhador. "Interrogo-me se nós não somos Deus."
"Como assim? Não percebo..."
"Deus é tudo. Quando olhas para algo da natureza, estás a ver uma faceta de Deus. Ora, como nós fazemos parte da natureza, nós somos também Deus. Entendes?"
"Estou a ver."
"É como se Deus fosse o nosso corpo e nós fôssemos os neurónios desse corpo. Imagina os nossos neurônios. Com toda a certeza, cada neurónio não sabe que faz parte da fatia pensante e consciente do meu corpo, pois não? Cada um acha que está separado de mim, que não faz parte de mim, que tem a sua
individualidade. E, no entanto, a minha consciência é a soma de todas essas individualidades, as quais, aliás, não são individualidades nenhumas, são antes partes de um todo. Quer dizer, uma célula do meu braço não pensa, é como uma pedra na natureza, não tem consciência. Mas os neurónios no cérebro pensam. Eles, se calhar, encaram-me a mim como se fosse Deus e não se apercebem de que eu sou eles em conjunto. Da mesma maneira, nós, os seres humanos, talvez sejamos os neurónios de Deus e não nos apercebemos disso. Achamos que somos individuais, separados do resto, quando afinal fazemos parte de tudo." Sorriu. "Einstein acreditava que Deus é tudo o que vemos e ainda tudo o que não vemos."
(…)"Há uma certa paz na ideia da morte", sussurrou. "Mas, para nos entregarmos a ela, temos de fazer as pazes com a vida. Percebes? Temos de perdoar aos outros. Para o conseguirmos, porém, precisamos primeiro de nos perdoarmos a nós próprios. Perdoa-te a ti mesmo e depois perdoa aos outros." Mais uma pausa para respirar. "Temos medo da morte porque achamos que não fazemos parte da natureza, que uma coisa somos nós e outra é o universo. Mas tudo na natureza morre. De certo modo, nós somos um universo, e, por isso, nós também morremos."Vou-te contar um segredo. O universo é cíclico." (…) os hindus acreditam que tudo no universo é cíclico, até o próprio universo. O universo nasce, vive, morre, entra na não-existência e volta a nascer, num ciclo infinito, num eterno retorno. Tudo é cíclico. Chamam-lhe o dia e a noite de Urahman. "Sabes que mais?"
"Diga."
"Os hindus têm razão."

XIII- A relação entre a Física e a Cabala. Como provar Deus. Universo Finito ou Infinito.

"Descobriu-se agora existir uma estranha correlação entre verdades cabalísticas, relacionadas com a interpretação do Antigo Testamento, e as mais avançadas teorias da física."
"Como assim?"
"Olhe, uma das mais promissoras candidatas à Teoria de Tudo é a Teoria das Cordas. É um pouco complicado explicá-la, mas as suas equações prevêem que a matéria básica é formada por cordas que vibram, existentes num espaço de vinte e seis dimensões para as micropartículas de energia, designadas bosões, e dez dimensões para as outras micropartículas, os fermiões. Tal como a força forte e a força fraca permaneceram circunscritas ao microcosmos depois do Big Bang, os físicos acreditam que vinte e duas dimensões permaneceram igualmente circunscritas ao microcosmos após a criação do universo. Por algum motivo, apenas a gravidade e a força eletromagnética estenderam uma influência visível ao macrocosmos e o mesmo aconteceu com apenas quatro dimensões espaço-temporais. É por isso que nos parece que o universo tem três dimensões espaciais e uma temporal. São essas que afectam o nosso mundo visível, mas há vinte e duas outras que permanecem invisíveis no microcosmos, capazes apenas de influenciarem o comportamento das micropartículas."
"Isso é possível?"
"A matemática indica que sim"
"A Árvore da Vida é a estrutura cabalística que explica o ato de nascimento do universo, a unidade elementar da Criação, a menor partícula indivisível contendo os elementos do todo. É constituída por dez sephirot, ou seja, dez emanações manifestadas por Deus na Criação. Cada um dos dez sephirot corresponde a um atributo divino."
(…) "A guematria é uma técnica cabalística que obtém o valor numérico das palavras da Bíblia através da correspondência entre as letras do alfabeto hebraico e os algarismos. Dizem os cabalistas que Deus criou o universo com números e palavras e que cada número e cada palavra contém um mistério e uma revelação. Por exemplo, a primeira palavra do Antigo Testamento é bereshith, que significa no princípio. Ora, se dividirmos bereshith em duas palavras fica bere, ou criou, e shith, seis. A Criação durou seis dias. Está a ver? Esta é uma forma de guematria. A primeira palavra do Antigo Testamento contém em si os seis dias da Criação. Outra forma de guematria é a pura contagem das letras. Diz o Génesis que Abraão levou 318 servos para uma batalha. Mas o valor numérico do nome do seu servo Eliezer, descobriram os cabalistas, é 318, o que quer dizer que Abraão só levou consigo o seu único servo."
"Já vi que está dentro do assunto", observou Luís Rocha. "Então diga-me lá agora qual é a guematria do maior nome de Deus?"
"Bem... uh... o maior nome de Deus é... uh... Yodhey Vavhey. Mas confesso que não sei qual a guematria a que corresponde este nome. Teria de fazer as contas..."
"A guematria do maior nome de Deus é vinte e seis."
"Quantas letras tem o alfabeto hebraico?"
"Vinte e duas."
"E agora uma última pergunta", disse o físico. "Segundo os cabalistas, quantos são os caminhos da sabedoria percorridos por Deus para criar o universo?"
"Trinta e seis. Os caminhos percorridos por Deus para criar o universo correspondem à ligação dos dez sephirot da Árvore da Vida com as vinte e duas letras do alfabeto hebraico, a que se acrescentam mais quatro caminhos." 
"Reparou nestas coincidências todas?"  "Dez sephirot cabalísticos para criar o universo, dez dimensões nas cordas dos fermiões para criar a matéria", disse, erguendo um dedo. Acrescentou um segundo dedo. "Vinte e seis é a guematria do maior nome de Deus, vinte e seis são as dimensões nas cordas dos bosões para criar a matéria." Veio o terceiro dedo. "Vinte e duas letras do alfabeto hebraico, vinte e duas as dimensões que permanecem ocultas no microcosmos." Agora o quarto. "Trinta e seis caminhos percorridos por Deus para criar o universo, trinta e seis é a soma das dimensões nas quais vibram os bosões e os fermiões." (…) "O que Einstein constatou é que os textos sagrados contêm verdades científicas profundas, impossíveis de conhecer no seu tempo. E não é só na Bíblia, sabe? Os textos hindus, os textos budistas, os textos taoistas, todos eles encerram verdades eternas, aquele tipo de verdades que só agora a ciência começa a desvendar. A questão é: como é que os sábios antigos tiveram acesso a essas verdades?"
Pode ser tudo coincidência, claro. Afinal de contas, o ser humano gosta de encontrar padrões em tudo, não é? Mas pode ser também que, tal como as micropartículas da experiência Aspect não passam de imanências de um único real, as verdades científicas contidas nas sagradas escrituras constituam imanências desse mesmo real único. É como se os sábios antigos tivessem sido inspirados por algo profundo, eterno, onipresente mas invisível."

"O que é isso de provar a existência de Deus?"
"Primeiro, Deus é subtil. Através da Teoria do Caos, dos teoremas da Incompletude e do Princípio da Incerteza ficámos a perceber que o Criador ocultou a Sua assinatura, escondeu-se por detrás de um fino véu engenhosamente concebido para O tornar invisível. Isso, como é bom de ver, dificulta seriamente a tarefa de provar a Sua existência."
Traçou o segundo dedo. "Segundo, Deus não é inteligível através da observação. Quer isto dizer que não é possível provar a Sua existência por intermédio de um telescópio ou de um microscópio."
"E por que não?"
"Ora, por vários motivos", retorquiu o físico. "Repare, imagine que o universo é Deus, como defendia Einstein. Como observá-Lo na sua totalidade? mensagens, produz vastos efeitos sociológicos na sociedade, tem dimensão política e cultural, enfim... é uma coisa muito mais vasta do que a mera descrição das suas componentes tecnológicas." Os físicos e os matemáticos olham para o universo (…) apenas veem os átomos e a matéria, as forças e as leis que as regem, e tudo isso, se formos a ver bem, não passa de hardware.  Qual é o programa deste gigantesco computador? O professor Siza concluiu que o universo tem um programa, dispõe de um software, possui uma dimensão que está muito para além da soma das suas componentes. Ou seja, o universo é muito mais do que o hardware que o constitui. É um gigantesco programa de software. O hardware apenas existe para viabilizar esse programa."
"Como um ser humano"
"Exato. Um ser humano é feito de células e tecidos e órgãos e sangue e nervos. Isso é o hardware. Mas o ser humano é muito mais do que isso. É uma estrutura complexa que possui consciência, que ri, que chora, que pensa, que sofre, que canta, que sonha e que deseja. Ou seja, somos muito, muito mais do que a mera soma das partes que nos constituem. O nosso corpo é o hardware por onde passa o software da nossa consciência." Fez um gesto largo com os braços. "Assim é também a realidade mais profunda da existência. O universo é o hardware por onde passa o software de Deus."
"O que nos remete para o problema do infinito", exclamou o físico. "Repare, se o universo é o hardware de Deus, isso coloca várias questões curiosas, já viu? Por exemplo, uma vez que nós, seres humanos, fazemos parte do universo, isso significa que nós somos parte do hardware, não é? Mas, será que somos também, nós próprios, um universo? Será que o universo é alguém imensamente grande, tão grande que não o vemos, tão grande que se torna invisível? Alguém tão grande para nós como tão grandes somos nós para as nossas células? Será que estamos para o universo como os nossos neurônios estão para nós? Será que somos o universo dos neurônios e somos os neurônios de alguém muito maior? Será que o universo é uma entidade orgânica e nós não passamos das suas células minúsculas? Seremos nós o Deus das nossas células e nós as células de Deus?"
"Sabe, nós, os físicos, andamos à procura de partículas fundamentais, mas sempre que as encontramos acabamos por descobrir que elas são, afinal, compostas por partículas mais pequenas. Primeiro pensava-se que o átomo era a partícula fundamental. Depois descobriu-se que o átomo era constituído por partículas mais pequenas, os protões, os neutrões e os eletrões. Julgou-se então que essas é que eram as partículas fundamentais. Mas descobriu-se afinal que os protões e os neutrões são formados por outras micropartículas mais pequenas, os quarks. E há quem pense que os quarks são formados por novas micropartículas ainda mais pequenas e as mais pequenas por outras mais pequenas. O microcosmos é infinitamente pequeno."
"Como o Paradoxo de Zenão"
" "Exato", concordou o físico. "E, pela mesma razão, tudo é multiplicável pelo dobro. Por exemplo, o nosso universo é enorme, não é? Mas as últimas teorias cosmológicas admitem a possibilidade de este ser apenas um entre bilhões de universos. O nosso universo nasceu, está a crescer e, conforme o demonstra a segunda lei da termodinâmica, irá morrer. Ao lado dele existirão muitos outros iguais. É como se o nosso universo não passasse de uma bolha de espuma num oceano imenso, ao lado de imensas outras bolhas de espuma iguais. "Chamam-lhe o meta-universo." "
"Portanto, o universo é então infinito."
"É uma possibilidade. Mas não é a única."
"Existe outra?"
"Existe a possibilidade de o universo ser finito."
"O universo ser finito? Acha isso possível?"
"Ouça, é outra possibilidade."
"Mas como é isso possível? Se o universo for finito, o que há para além do seu limite?"
"A ser finito, não teria limite."
"Como assim? Não entendo..."
"É simples. Fernão de Magalhães começou a navegar para oeste, certo? Navegou, navegou, navegou e, surpresa, veio parar ao ponto de partida." Luís Rocha ergueu as mãos e rodou-as, como se segurasse uma bola. "Ou seja, ele provou que a Terra é finita, mas não tem limite. É possível que o universo também seja assim. Finito, mas sem limites."
"Bem, tudo isto porque estava eu a dizer que a resposta à questão da prova da existência de Deus assenta em três pontos fundamentais.
O primeiro é a constatação de que Deus é sutil e o segundo é a constatação de que não O podemos observar através de um telescópio ou de um microscópio." Ergueu um terceiro dedo. "Mas, apesar de todas as dificuldades, há uma maneira indireta de chegar à prova da existência de Deus."
"Então?"
"Através da busca de dois traços essenciais: a inteligência e a intenção. "Não basta que  a resposta seja afirmativa em relação a um destes pontos. Tem de ser afirmativa em relação aos dois.
"Olhando para a rotação da Terra em torno do Sol, parece-nos a nós evidente que há inteligência no movimento. Mas essa inteligência é intencional ou fortuita? É que, repare, pode ser tudo fruto do mero acaso, não pode? Se o universo for infinitamente grande, é inevitável que, num número infinito de situações diferentes, algumas exibam as características da nossa. Portanto, se a inteligência das coisas for fortuita, não é possível vermos aí, com toda a certeza, a mão de Deus, pois não? Temos também de determinar se há intenção."
"O problema é que o conceito de intenção é muito difícil de concretizar. Qualquer professor aqui da Faculdade de Direito lhe dirá isso. Num processo em tribunal, uma das grandes dificuldades é justamente a de determinar a intenção do arguido quando cometeu determinado ato. O arguido matou uma pessoa, mas matou-a porque quis matar ou isso foi um acidente? O arguido sabe que matar com intenção é mais grave e, em geral, argumenta que matou mas não quis matar, tudo não passou de um terrível azar. A dificuldade é, pois, a de determinar a intenção do ato." Fez um gesto largo com os braços. "O mesmo se passa no universo. Olhando para tudo em nosso redor, podemos constatar que existe grande inteligência na conceção das coisas. Mas essa inteligência é fortuita ou existe uma intenção por detrás de tudo? A haver intenção, qual é essa intenção? E, elemento crucial, existirá alguma maneira de, havendo intenção, demonstrar a sua existência?"
Se encontrarmos no chão um relógio e o analisarmos, logo percebemos que ele foi concebido por um ser inteligente com uma intenção. Ora, se isso é válido para uma coisa tão simples como um mero relógio, por que não seria válido para uma coisa tão imensamente mais inteligente e complexa como é o universo?"
"Justamente. Isso não serve de prova?"
"É um poderoso indício de inteligência e intenção, mas não é prova."
"Então como é que se pode fazer a prova?"
"Foi Einstein quem deu a pista", disse.
"Qual pista?"
(…) o professor Siza costumava dizer que esta biblioteca é a metáfora da assinatura divina no universo." "A assinatura divina no universo?
Não entendo..."
"É uma imagem inspirada nas conversas que ele teve com Einstein." Apontou para as estantes preenchidas por livros. "Imagine que uma criança entra nesta biblioteca e vê estes livros, todos eles redigidos em línguas desconhecidas, a maior parte em latim. A criança sabe que alguém escreveu os livros e sabe que os livros revelam coisas, claro, embora não saiba quem os escreveu nem o que eles contam. Na verdade, a criança nem sequer compreende latim. Suspeita que toda esta biblioteca está organizada segundo uma ordem, mas essa ordem parece-lhe misteriosa." Pousou a palma das mãos no peito. "Nós estamos como essa criança e o universo é como esta biblioteca. O universo contém leis e forças e constantes criadas por alguém, com objetivos misteriosos e segundo uma ordem incompreensível para nós. Compreendemos vagamente as leis, captamos as linhas gerais da ordem que tudo organiza, percebemos superficialmente que as constelações e os átomos se movem de determinada forma. Tal como a criança, desconhecemos os pormenores, apenas formamos uma pálida ideia do propósito de tudo isto. Mas há uma coisa de que temos a certeza: toda esta biblioteca foi organizada com uma intenção. Mesmo que não consigamos ler os livros nem jamais venhamos a conhecer os seus autores, o fato é que estas obras contêm mensagens e a biblioteca está organizada em obediência a uma ordem inteligente. Assim é o universo."
Einstein", disse : «o que realmente me interessa é saber se Deus poderia ter feito o mundo de uma maneira diferente, ou seja, se a necessidade de simplicidade lógica deixa alguma liberdade»."
"Isso é uma pista?"
"Sim. "
"O que Einstein está aqui a colocar é a questão da inevitabilidade de o universo ser como é e a questão do determinismo.  Ou seja, e esta é a pergunta essencial: se as condições de partida fossem diferentes, quão diferente seria o universo?"
"Claro que, naquele tempo, esta era uma questão incrivelmente difícil de responder. Faltavam ainda os modelos matemáticos para lidar com ela, por exemplo. Mas, uma década depois, com o aparecimento da Teoria do Caos, tudo mudou. A Teoria do Caos veio fornecer instrumentos matemáticos muito precisos para lidar com o problema da alteração das condições iniciais de um sistema."
Não estou a perceber. O que entende por condições iniciais?"
"A expressão condições iniciais refere-se ao que aconteceu nos primeiros instantes de criação do universo com a distribuição da energia e da matéria. Mas é preciso também considerar as leis do universo, a organização das diversas forças, os valores das constantes da natureza, tudo, tudo. Olhe, por exemplo, veja o caso das constantes da natureza.
"As constantes da natureza?"
"Sim. Presumo que saiba do que se trata, não?"
"Não."
" As constantes da natureza são quantidades que desempenham um papel fundamental no comportamento da matéria e que, em princípio, apresentam o mesmo valor em qualquer parte do universo e em qualquer momento da sua história. Por exemplo, um átomo de hidrogênio é igual na Terra ou numa longínqua galáxia. Mas, mais do que isso, as constantes da natureza são uma série de valores misteriosos que se encontram na raiz do universo e que lhe conferem muitas das suas atuais características, constituindo uma espécie de código que encerra os segredos da existência."
"E se os valores das constantes da natureza fossem ligeiramente diferentes?"
"O universo está a expandir-se a uma velocidade incrivelmente próxima da linha crítica que separa o universo do Big Freeze do universo do Big Crunch. Já se descobriu que a expansão está em aceleração, o que sugere um futuro de Big Freeze, mas isso não é, nem por sombras, certo. A verdade é que, por incrível que pareça, encontramo-nos na linha divisória entre as duas possibilidades!"
"Considerando a força bruta do Big Bang, é muito natural que a expansão não possa ser controlada, não é? Essa expansão deveria ou não levar de vencida a força de gravidade de toda a matéria. É infinitamente improvável que a expansão e a gravidade estejam equilibradas. E, no entanto, ambas parecem estar muito próximas de se encontrarem equilibradas, se é que não estão mesmo equilibradas. Isto, meu caro, é o jackpot da lotaria. Repare, sendo o Big Bang um acontecimento acidental e descontrolado, a probabilidade de o universo permanecer para sempre num estado caótico, de máxima entropia, seria colossalmente esmagadora. O fato de haver estruturas de baixa entropia é um mistério muito grande, tão grande que alguns físicos dizem tratar-se de um incrível acaso. Se toda a energia libertada pelo Big Bang fosse uma pequeníssima fração mais fraca, a matéria voltaria para trás e esmagar-se-ia num gigantesco buraco negro. Se fosse marginalmente mais forte, a matéria dispersar-se-ia tão depressa que as galáxias nem sequer se chegariam a formar."
"Quando fala numa fração mais fraca ou mais forte, está a falar em quê? Numa diferença de cinco por cento? De dez por cento?
"Não. Estou a falar em frações inacreditavelmente pequenas, trilionesimais."
"Quer isto dizer que bastava a afinação ter falhado um bocadinho de nada e o universo não teria a possibilidade de albergar vida. Recuaria para um monumental buraco negro ou dispersar-se-ia sem formar galáxias.
"Isto equivale a quê? À hipótese de eu ganhar hoje a lotaria? "
"Olhe, isto equivale à hipótese que você tem de atirar uma seta ao acaso para o espaço e ela atravessar todo o cosmos e ir atingir um alvo com um milímetro de diâmetro localizado na galáxia mais próxima."
"E, no entanto, a energia do Big Bang tinha este valor tão incrivelmente preciso, situado neste intervalo tão espantosamente estreito. O mais extraordinário é que foi, de fato, libertada a energia rigorosamente necessária para que o universo se pudesse organizar. Isto é, nem mais nem menos a energia estritamente imprescindível para tal."
(…)" a questão da criação da matéria. Quando ocorreu a grande expansão criadora, não havia matéria. A temperatura era imensamente elevada, tão elevada que nem os átomos se conseguiam formar. O universo era então uma sopa escaldante de partículas e antipartículas, criadas a partir da energia e sempre a aniquilarem-se umas às outras. Essas partículas, os quarks e os antiquarks, são idênticas umas às outras, mas com cargas opostas, e, quando se tocam, explodem e voltam a ser energia. À medida que o universo se ia expandindo, a temperatura ia baixando e os quarks e antiquarks foram formando partículas maiores, chamadas hadrões, mas sempre a aniquilarem-se umas às outras. Criou-se assim a matéria e a antimatéria. Como as quantidades de matéria e de antimatéria eram iguais e ambas se aniquilavam mutuamente, o universo apresentava-se constituído por energia e partículas de existência efêmera e não havia hipóteses de se formar matéria duradoura"
"O que se passou, no entanto, foi que, por uma razão muito misteriosa, a matéria começou a ser produzida numa quantidade minusculamente maior do que a antimatéria. Para cada dez mil milhões de antipartículas, produziam-se dez mil milhões e uma partículas." "Uma diferença mínima, quase insignificante, não é? Mas, olhe, foi suficiente para produzir a matéria. Isto é, dez mil milhões de partículas eram destruídas por dez mil milhões de antipartículas, mas sobrava sempre uma que não era destruída. Foi justamente essa partícula sobrevivente que, juntando-se a outras sobreviventes nas mesmas circunstâncias, formou a matéria.".Se o número de partículas e antipartículas permanecesse exatamente igual, como parece natural, não haveria matéria. "Sem matéria, nós não estávamos aqui
"Outra questão onde o universo requer uma incrível afinação é a sua homogeneidade. A distribuição da densidade da matéria é muito homogênea, mas não é totalmente homogênea. Quando ocorreu o Big Bang, as diferenças de densidade eram incrivelmente pequenas e foram sendo amplificadas ao longo do tempo pela instabilidade gravitacional da matéria. O grau de não uniformidade é extraordinariamente pequeno, na ordem de um para cem mil, exatamente o valor necessário para permitir a estruturação do universo. Nem mais, nem menos. Se fosse marginalmente maior, as galáxias depressa se transformariam em densos aglomerados e formavam-se buracos negros antes de estarem reunidas as condições para a vida. Por outro lado, se o grau de não uniformidade fosse marginalmente mais pequeno, a densidade da matéria seria demasiado fraca e as estrelas não se formariam." Abriu as mãos. "Ou seja, era preciso que a homogeneidade fosse exatamente esta para que a vida fosse possível. "
"A própria existência das estrelas com uma estrutura semelhante à do Sol, adequada à vida, resulta de um novo golpe de sorte." Desenhou uma estrela numa folha limpa. "Repare, a estrutura de uma estrela depende de um equilíbrio delicado no seu interior. Se a irradiação de calor for demasiado forte, a estrela transforma-se numa gigante azul e se for demasiado fraca a estrela torna-se uma anã vermelha. Uma é excessivamente quente e outra excessivamente fria e ambas provavelmente não têm planetas. Mas a maior parte das estrelas, incluindo o Sol, situa-se entre estes dois extremos, e o que é extraordinário é que os valores para além desses extremos são altamente prováveis, mas não ocorreram. Em vez disso, a relação das forças e a relação das massas das partículas dispõem de um valor tal que parecem ter conspirado para que a generalidade das estrelas se situe no estreito espaço entre os dois extremos, assim possibilitando a existência e predominância de estrelas como o Sol. Altere-se marginalmente o valor da gravidade, da força eletromagnética ou da relação de massas entre o eletrão e o protão e nada do que vemos no universo se torna possível."
"Depois de analisar as condições iniciais do universo (…) dedicou a sua atenção às micropartículas. Por exemplo, pôs-se a estudar duas importantes constantes da natureza, justamente esta proporção das massas dos electrões e protões, designada constante Beta, e a força de interação electromagnética, designada constante da estrutura fina, ou Alfa, e alterou-lhes os valores, calculando as consequências de tal alteração.
Sabe o que ele descobriu?"
"Faça-se um pequeno aumento de Beta e as estruturas moleculares ordenadas deixam de ser possíveis, uma vez que é o atual valor de Beta que determina as posições bem definidas e estáveis dos núcleos dos átomos e que obriga os eletrões a moverem-se em posições bem precisas em torno desses núcleos. Se o valor de Beta for marginalmente diferente, os eletrões começam a agitar-se de mais e impossibilitam a realização de processos muito precisos, como a reprodução do ADN. Por outro lado, é o atual valor de Beta que, em ligação com Alfa, torna o centro das estrelas suficientemente quentes para gerarem reações nucleares. Se Beta exceder em 0,005 o valor do quadrado de Alfa, não haverá estrelas. Sem estrelas, não há Sol. Sem Sol, não há Terra nem vida."
"Mas as margens são assim tão estreitas?"
"Estreitíssimas. E isto não é tudo. Se Alfa aumentar em apenas quatro por cento, o carbono não poderá ser produzido nas estrelas. E se aumentar apenas 0,1, não haverá fusão nas estrelas. Sem carbono nem fusão estelar, não haverá vida. Ou seja, para que o universo possa gerar vida, é necessário que o valor da constante da estrutura fina seja exatamente o que é. Nem mais, nem menos." "Outra coisa que analisou foi a força nuclear forte, aquela que provoca as fusões nucleares nas estrelas e nas bombas de hidrogênio. Ele fez os cálculos e descobriu que, se se aumentar a força forte em apenas quatro por cento, isso faria com que, nas fases iniciais após o Big Bang, todo o hidrogénio do universo se queimasse rápido de mais, convertendo-se em hélio . Isso seria um desastre, porque significaria que as estrelas esgotariam depressa o seu combustível e algumas se transformariam em buracos negros antes de existirem condições para a criação de vida. Por outro lado, se se reduzisse a força forte em dez por cento, isso afetaria o núcleo dos átomos de um modo tal que impediria a formação de elementos mais pesados do que o hidrogênio. Ora, sem elementos mais pesados, um dos quais é o carbono, não há vida." Bateu com o indicador naquelas contas. "Ou seja, descobriu que o valor da força forte dispõe de apenas um pequeno intervalo para criar as condições para a vida e, veja só, como que por providencial milagre é justamente nesse estreitíssimo intervalo que a força forte se situa."
"Aliás, a conversão do hidrogênio em hélio, crucial para a vida, é um processo que requer absoluta afinação. A transformação tem de obedecer a uma taxa exata de sete milésimos da sua massa para energia. Se se baixar uma fração, a transformação não ocorre e o universo só tem hidrogênio. Se se aumentar uma fração, o hidrogênio esgota-se rapidamente em todo o universo."
"Agora repare no carbono. Por diversas razões, o carbono é o elemento no qual assenta a vida. Sem carbono, a vida complexa espontânea não é possível, uma vez que só este elemento dispõe de flexibilidade para formar as longas e complexas cadeias necessárias para os processos vitais. Nenhum outro elemento é capaz de o fazer. O problema é que a formação do carbono só é possível devido a um conjunto de circunstâncias extraordinárias." Esfregou o queixo, concentrado na forma como iria explicar o processo. "Para formar o carbono, é preciso que o berílio radioativo absorva um núcleo de hélio. Parece simples, não é? O problema é que o tempo de vida do berílio radioactivo se limita a uma insignificante fração de segundo." Gatafunhou o valor. "Está a ver? O berílio radioativo só dura este instante."
Tomás tentou avaliar quanto tempo seria aquele micronésimo de segundo. "Mas isto não é nada
"Pois é", concordou o físico. "E, no entanto, é justamente neste período incrivelmente curto que o núcleo do berílio radioativo tem de localizar, colidir e absorver um núcleo de hélio, criando assim o carbono. A única forma de isto ser possível num instante tão efémero é o das energias destes núcleos serem exatamente  iguais no momento em que colidem. E, nova surpresa, são mesmo iguais! "Hã? Grande sorte! Se houvesse uma discrepância ligeiríssima, mínima que fosse, não se poderia formar carbono. Mas, por extraordinário que pareça, não existe qualquer discrepância. Graças a um brutal golpe de sorte, a energia dos constituintes nucleares das estrelas situa-se exatamente no ponto adequado, permitindo a fusão."
"É incrível"
"Mas olhe que houve ainda outro espantoso golpe de sorte. É que o tempo de colisão do hélio é ainda mais efémero do que o curtíssimo tempo de vida do berílio radioativo, e isso permite a reação nuclear que produz o carbono. Para além do mais, há o problema do carbono sobreviver à subsequente atividade nuclear dentro da estrela, o que só é possível em condições muito especiais. E, veja só!, graças a uma nova e extraordinária coincidência, essas condições reuniram-se e o carbono não se transforma em oxigênio." Sorriu. "Admito que, para um leigo, isto pareça chinês. Mas garanto-lhe que um físico achará que tudo isto é uma sorte absolutamente inacreditável. São quatro jackpots numa única chave!" A incrível afinação requerida nas diversas forças, na temperatura do universo primordial, na sua taxa de expansão, mas também as extraordinárias coincidências necessárias no nosso próprio planeta. Por exemplo, o problema da inclinação do eixo de um planeta. Devido às ressonâncias entre a rotação dos planetas e o conjunto dos corpos do sistema solar, a Terra deveria ter uma evolução caótica na inclinação do seu eixo de rotação, o que, como é óbvio, impediria a existência de vida. Um hemisfério poderia passar seis meses a tostar ao Sol, sem nenhuma noite, e outros seis meses a gelar à luz das estrelas. Mas o nosso planeta teve uma sorte inacreditável. Sabe qual foi?" "O aparecimento da Lua. A Lua é um objeto tão grande que os seus efeitos gravitacionais moderaram o ângulo de inclinação do nosso planeta, assim viabilizando a vida."
"Caramba, até a Lua!"
"É verdade", concordou o físico. "Sabe, todos os pormenores parecem conspirar para viabilizar a vida na Terra. Olhe, o fato de a Terra possuir níquel e ferro líquido em quantidade suficiente no núcleo para gerar um campo magnético imprescindível para defender a atmosfera das letais partículas emitidas pelo Sol. Isso é uma sorte. Outra extraordinária coincidência é o fato de o carbono ser o elemento sólido mais abundante no espaço térmico em que a água é líquida. A própria órbita da Terra é crucial. Cinco por cento mais próxima do Sol ou quinze por cento mais afastada bastaria para impossibilitar o desenvolvimento de formas complexas de vida." Voltou a colocar a resma dentro da pasta. "Enfim, a lista de coincidências e improbabilidades é aparentemente infindável. "
"Isto quer dizer que não foi apenas a vida que se adaptou ao universo. O próprio universo preparou-se para a vida. De certo modo, como se o universo sempre soubesse que nós vínhamos aí. A nossa mera existência parece depender de uma extraordinária e misteriosa cadeia de coincidências e improbabilidades. As propriedades do universo, tal como estão configuradas, são requisitos imprescindíveis para a existência de vida. Essas propriedades poderiam ser infinitamente diferentes. Todas as alternativas conduziriam a um universo sem vida. Para haver vida, um grande número de parâmetros teria de estar afinado para um valor muito específico e rigoroso. E o que descobrimos nós? Essa afinação existe. Chama-se a isto Princípio Antrópico."
"O Princípio Antrópico significa que o universo está concebido de propósito para criar vida. Essa é a única explicação para o inacreditável rol de coincidências e improbabilidades que nos permitem estar aqui.
"Mas pode ser tudo fruto do acaso, não pode? Quer dizer, é altamente improvável que eu ganhe a loteria, claro. Mas, afinal de contas, a loteria tem de sair a alguém, não tem? A lei das probabilidades diz que sim. "
"É verdade. Só que, neste caso, estamos a falar em múltiplas loterias. Repare, saiu-nos a sorte grande quanto à afinação da expansão do universo, quanto à afinação da temperatura primordial, quanto à afinação da homogeneidade da matéria, quanto à ligeiríssima vantagem da matéria sobre a antimatéria, quanto à afinação da constante da estrutura fina, quanto à afinação dos valores das forças forte, electrofraca e da gravidade, quanto à afinação da taxa de conversão do hidrogênio em hélio, quanto ao delicado processo de formação do carbono, quanto à existência no núcleo da Terra dos metais que criam o campo magnético, quanto à órbita do planeta... enfim, quanto a tudo. Bastava os valores serem marginalmente diferentes num único destes fatores e, puf!, não havia vida. Mas não, eles coincidem todos. É extraordinário, não acha?" Fez um gesto vago com a mão. "Olhe, é um pouco como se eu fosse dar uma volta ao mundo e comprasse um bilhete da lotaria em cada país por onde passasse. Quando mais tarde chegasse a casa, descobria que me tinha saído a sorte grande em todos os bilhetes que comprei. Todos!" Riu-se. "É evidente que poderia ter uma sorte fantástica e sair-me a loteria num desses países. Já seria absolutamente extraordinário, no entanto, se me saísse a lotaria em dois países. Mas, se me saísse a loteria em todos os países, alto lá! Logo se desconfiava, não é? Não é preciso ser-se um grande gênio para perceber que teria de haver algo de anormal a acontecer... uma marosca, sei lá. Com toda a certeza estava aqui montado um esquema qualquer, não acha? Pois foi isso justamente o que aconteceu à vida. Saiu-lhe a sorte grande em todos os parâmetros. Todos!" Ergueu um dedo. "Portanto, só há uma conclusão a tirar: está aqui montado um esquema qualquer. Há marosca no ar."
"O que eu lhe quero dizer, professor Noronha, é que, quanto mais observamos e analisamos o universo, mais concluímos que ele revela as duas características fundamentais inerentes à ação de uma força inteligente e consciente." Ergueu o polegar esquerdo. "Uma é a inteligência com que tudo está concebido." Acrescentou o indicador esquerdo. "Outra é a intenção de planear as coisas para criar vida. O Princípio Antrópico revela-nos que há intenção na conceção da vida. A vida não é um acidente, não é fruto do acaso, não é o produto fortuito de circunstâncias anormais. É o resultado inevitável da mera aplicação das leis da física e dos misteriosos valores das suas constantes." Fez uma pausa, aumentando o efeito dramático das suas palavras. "O universo está concebido para criar vida."
"Como é evidente, o Princípio Antrópico constitui um poderosíssimo indício da existência de Deus. Quer dizer, se tudo está assim tão inacreditavelmente afinado para possibilitar a existência de vida, então é porque o universo foi, de facto, concebido para a criar, não é? Mas mantém-se uma dúvida residual. Ela é muito pequena, absolutamente ínfima, mas permanece lá, como um espinho cravado no pé, um incómodo escolho que nos impede de ter a certeza absoluta." Baixou a voz, quase falando num sussurro. "E se tudo não passar de um monumental acaso? E se estas circunstâncias todas resultarem de um extraordinário jogo fortuito de espantosas coincidências? Ganhamos múltiplas loterias cósmicas, é certo e incontestável, mas, por muito improvável que isso nos pareça, há sempre a minúscula possibilidade de ter sido tudo um gigantesco acidente, não há?"
"A prova final radica no problema do determinismo. Como já disse, Kant escreveu certa vez que há três questões que nunca serão resolvidas: a existência de Deus, a imortalidade e a livre vontade
"O problema da livre vontade é o de saber até que ponto nós somos livres nas nossas decisões. Durante muito tempo pensou-se que éramos, mas as descobertas científicas foram gradualmente limitando o campo da nossa liberdade. Foi-se descobrindo que as nossas decisões, embora pareçam livres, são na verdade condicionadas por um sem-número de fatores. Por exemplo, se eu decido comer, essa decisão foi realmente tomada pela minha consciência ou por uma necessidade biológica do meu corpo? A pouco e pouco começou a perceber-se que as nossas decisões não são verdadeiramente nossas. Tudo o que fazemos corresponde ao que nos impõem as nossas características intrínsecas, como o ADN, a biologia e a química do nosso corpo, para além de outros fatores, em interação dinâmica e complexa com fatores exteriores, como a cultura, a ideologia e todos os múltiplos acontecimentos que ocorrem na nossa vida. Por exemplo, descobriu-se que há pessoas que são tristes, não porque a sua vida seja triste, mas pela simples razão de que o seu corpo não produz seretonina, uma substância que regula o humor. Assim sendo, muitas das ações dessas pessoas deprimidas têm origem nessa sua insuficiência química e não no livre-arbítrio. Está a perceber?
"Confesso que parece-me um pouco chocante. Essa ideia de que não dispomos de livre vontade, de que o livre-arbítrio não passa de uma ilusão. Parece que não passamos de uns meros robôs..."
"Mas olhe que é o que a ciência de certo modo concluiu. Repare, a matemática é determinista. Dois e dois são sempre quatro. A física é a aplicação da matemática no universo, com a matéria e a energia a obedecerem a leis e forças universais. Quando um planeta gira à volta do Sol ou um eletrão à volta do núcleo do átomo, isso não acontece porque lhes apetece, mas porque a isso as leis da física os obrigam. Está claro?" "Sim, tudo isso é evidente." "Agora repare. A matéria tende a organizar-se espontaneamente, em obediência às leis do universo. Essa organização implica uma complexificação, não é? Ora, a partir de um determinado limiar em que os átomos se organizam em elementos, o seu estudo deixa de pertencer ao campo da física e transfere-se para a química. Ou seja, a química é a física complexificada. Quando os químicos se começam a complexificar ainda mais, nascem os seres vivos, que se caracterizam pela sua capacidade de se reproduzirem e pelo seu comportamento teleológico, isto é, por agirem em função de um objetivo: a sobrevivência. O que eu quero dizer com isto é que a biologia é a química complexificada. Quando a biologia se torna muito complexa, emerge a inteligência e a consciência, cujos comportamentos, por vezes, parecem bizarros, não obedecendo aparentemente a nenhuma lei. Mas os psicólogos e os psiquiatras já demonstraram que todos os comportamentos têm uma razão de ser, não ocorrem espontaneamente nem por obra e graça do Espírito Santo. Podemos não nos aperceber das suas causas, mas elas existem. Há até experiências documentadas que mostram que o cérebro toma uma decisão de atuar antes de a consciência se aperceber disso. O cérebro toma a decisão e depois informa a consciência dessa decisão, mas isso é feito com tal sutileza que a consciência passa a acreditar que foi ela que tomou a decisão. Isto significa que a psicologia é a biologia complexificada. Está a seguir o meu raciocínio?"
"Muito bem. O que eu estou a tentar dizer com isto tudo é que, quando se procura a raiz mais simples das coisas, verifica-se que a consciência tem por base a biologia, que tem por base a química, que tem por base a física, que tem por base a matemática. Ora, lembro-lhe mais uma vez que um electrão não vira para a direita ou para a esquerda porque lhe apetece, porque exibe livre vontade, mas porque a isso as leis da física o compelem. O comportamento do eletrão pode ser indeterminável, devido à sua extrema complexidade caótica, mas está determinado." Pôs a mão no peito. "Como nós somos todos feitos de átomos, organizados de uma forma extraordinariamente complexa pelas leis da física, o nosso comportamento é também determinista. Mas, tal como o eletrão, o nosso comportamento é igualmente indeterminável, uma vez que resulta de uma inerente complexidade caótica. Um pouco como o estado do tempo. A meteorologia está determinada mas é indeterminável, devido à complexidade dos fatores e ao problema do infinito, e pequenas alterações nas condições iniciais provocam resultados imprevisíveis a prazo. É a velha história do bater de asas de uma borboleta que pode provocar uma tempestade no outro lado do planeta daqui a um tempo. Também os psiquiatras dizem que um acontecimento na infância pode condicionar o comportamento de um indivíduo na idade adulta, não é? E o que é isso senão o efeito borboleta aplicado à escala humana?"
"O que eu quero com isto dizer é que, embora as nossas decisões pareçam livres, na verdade não são. Muito pelo contrário, todas elas são condicionadas por fatores de cuja influência não temos, na maior parte das vezes, a mínima noção."
"Mas isso é terrível. Significa que não somos donos de nós mesmos. Se já está tudo determinado, para que é que nos vamos preocupar em... uh, sei lá, em olhar para os dois lados quando atravessamos uma rua?"
"Você está a confundir determinismo com fatalismo. De um ponto de vista macrocósmico, tudo está determinado. Mas, do ponto de vista do microcosmos de cada pessoa, nada parece determinado porque ninguém sabe o que vai acontecer a seguir. Há muitos fatores externos que nos obrigam a tomar decisões. Por exemplo, se começa a chover, decidimos abrir o guarda-chuva. Essa decisão foi nossa, embora já estivesse determinada porque, ainda que não o soubéssemos, as leis da física conspiraram para que fosse chover naquele instante e o software incorporado na nossa mente determinou que o guarda-chuva era a resposta adequada àquela situação exterior. Está a perceber? A livre vontade é um conceito do presente. Mas o fato é que não temos possibilidade de alterar o que fizemos no passado, pois não? Está feito. Isso significa que o passado se encontra determinado. Ora, se passado e futuro existem ambos, embora em planos diferentes, o futuro também está determinado."
"O problema mantém-se. Não passamos de marionetes."
"Imagine que você tem gravado o Itália-França da Final do Mundial 2006. Quando o jogo decorre, os jogadores estão a tomar decisões livres, não estão? Pegam na bola e atiram-na para um lado ou para o outro. Só que, ao ver a gravação, sabemos que tudo está determinado. O jogo vai acabar 1-1 e a Itália vai ganhar nos penaltis. Façam os jogadores o que fizerem naquela gravação, o resultado está determinado, nunca o conseguirão alterar. No final do DVD, a Itália ganha. Mais do que isso, todas as ações dos jogadores, que são livres naquele momento, estão já determinadas. Até a cabeçada do Zidane no Materazzi." Sorriu. "Pois a vida é como um jogo gravado. Tomamos decisões livres, mas elas já estão determinadas."
"Como sabe, a ciência descobriu que todos os acontecimentos têm causas e efeitos, sendo que as causas já são efeitos de um acontecimento anterior e os efeitos se tornam causas de acontecimentos seguintes. Levando às últimas consequências o incessante processo das causas e efeitos, o marquês de Laplace determinou, no século XVIII, que o atual estado do universo é efeito do seu estado anterior e causa daquele que se lhe seguirá. Se conhecermos todo o estado presente de toda a matéria, energia e leis, até ao mais ínfimo pormenor, conseguiremos calcular todo o passado e todo o futuro. Para recorrer à expressão utilizada pelo próprio Laplace, o futuro e o passado estariam nesse caso presentes aos nossos olhos. E agora pergunto eu: qual a consequência desta constatação?
"Está tudo determinado."
"Está tudo determinado. De um certo modo, o passado e o futuro existem. Ora, da mesma maneira que não podemos alterar o passado, também não podemos alterar o futuro, uma vez que ambos são a mesma coisa em tempos diferentes. Isto quer dizer que, se o passado está determinado, então o futuro também está determinado. Percebe? Aliás, esta descoberta foi confirmada pelas teorias da Relatividade, cujas equações são deterministas e estabelecem implicitamente que tudo o que aconteceu e acontecerá se encontra inscrito em toda a informação inicial do universo. Lembre-se que espaço e tempo são diferentes manifestações de uma mesma unidade, um pouco como o yin e o yang, de tal modo que Einstein concebeu o conceito de espaço-tempo. Assim, do mesmo modo que Lisboa e Nova Iorque existem, mas não no mesmo espaço, o passado e o futuro existem, mas não no mesmo tempo. De Lisboa não consigo ver Nova Iorque, da mesma maneira que do passado não consigo ver o futuro, embora ambos existam."
"As teorias da Relatividade mostraram, por outro lado, que o tempo decorre de modo diferente em diversos sítios do universo, condicionado pela velocidade da matéria e pela força da gravidade. Os acontecimentos A e B ocorrem em simultâneo num ponto do universo e decorrem desfasadamente noutros lugares, num ponto primeiro o A e depois o B, enquanto num terceiro ponto ocorre primeiro o B e depois o A. Isto quer dizer que, num ponto do universo, o B ainda não ocorreu, mas vai ocorrer. Aconteça o que acontecer, vai ocorrer porque isso está determinado." Inclinou a cabeça, sempre de olhos fixos em Tomás. "E, pergunto-lhe eu agora, quando é que tudo foi determinado?" "Quando?" "Sim, quando?"
"No início, suponho eu."
"Nem mais", exclamou Luís Rocha. "Tudo foi determinado no início, no instante em que o universo se formou. A energia e a matéria foram distribuídas de determinada forma e as leis e os valores das constantes foram concebidos de determinada maneira, e isso determinou logo ali a história que toda aquela matéria e energia teriam daí para a frente. Está a perceber?"
"Sim..."
"E não está a ver a relação que tudo isso tem com o Princípio Antrópico?"
"O que eu quero dizer é que o fato de estar tudo determinado significa que tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá está previsto desde o nascer do tempo. Mesmo esta nossa conversa já estava prevista. É como se nós fôssemos atores num palco colossal, cada um a interpretar o seu papel, em obediência a um monumental guião escrito por um argumentista invisível quando o universo começou." Deixou a ideia assentar. "Está tudo determinado."
"Meu Deus..."
"O universo foi concebido com um engenho tal que denuncia inteligência e com uma afinação tal que denuncia um propósito. A nossa existência não tem a mínima hipótese de ser acidental pelo simples facto de que tudo está determinado desde o início."
"Uns chamam-lhe Deus, outros chamam-lhe Yeovah, outros Allah, outros Brahman, outros Dharmakaya, outros Tao." Colocou a palma da mão ao peito. "Nós, os cientistas, chamamos-lhe universo. Diferentes nomes, diferentes atributos, a mesma essência."

XIV- Sobrevivência da vida no futuro longínquo. Sobrevivência da Civilização
Se Deus existe e concebeu o universo com uma afinação tal que determinou a nossa criação, tal parece indiciar que a nossa existência é o objetivo do universo, não é verdade?"
"É lógico."
"Mas isso não faz sentido, pois não?"
"Acha que não?"
"Faz sentido porque é uma constatação reconfortante. Afinal de contas, a ciência sempre nos disse que nós não passávamos de uma insignificância à escala do universo, absolutamente irrelevantes na imensidão da existência, não é? Havia físicos que até defendiam que a vida pouco mais era do que uma farsa e que a nossa presença não possuía qualquer utilidade."
"Pelos vistos estavam enganados."
"Pois. Considerando que o universo foi incrivelmente afinado para criar vida e que isso não é nenhum acidente porque está determinado desde o início do tempo, sim, tenho de concordar que os meus colegas estavam enganados. E, no entanto, a questão mantém-se: não faz sentido que a nossa existência seja o objetivo do universo."
"Mas por que diz isso?"
"Pela simples razão de que nós aparecemos numa fase relativamente inicial da vida do universo. Se fôssemos o objetivo, apareceríamos no fim, não é? Mas não aparecemos. Aparecemos pouco depois do início. Porquê?"
"Será que Deus estava com pressa em criar-nos?"
"Para quê?  O que eu quero dizer é que este período fértil em vida não passa de um pequeno episódio na história do universo."
"Um pequeno episódio?
"Ouça, a vida na Terra depende da atividade do Sol, não é? Ora bem, o Sol não vai existir até à eternidade. Se fosse um homem, já teria mais de quarenta anos, o que significa que provavelmente já passou mais de metade da sua existência. Todos os dias a nossa estrela está a tornar-se mais luminosa, aquecendo gradualmente o planeta até acabar por destruir toda a biosfera, o que deverá acontecer dentro de mil milhões de anos. Como se isso não bastasse, daqui a quatro ou cinco mil milhões de anos todo o combustível que alimenta a atividade solar irá esgotar-se. O núcleo, num esforço desesperado para manter a produção de energia, deverá encolher-se até que os efeitos quânticos atuem para o estabilizar. Nessa altura, o Sol inchará tanto que se transformará numa estrela gigante vermelha, com a sua superfície a crescer até engolir os planetas interiores. A própria Terra acabará por ser engolida pelo Sol, mergulhando naquela fornalha infernal. E, quando todo o combustível solar for consumido, a pressão interna entrará em colapso e o Sol encolherá até ficar reduzido ao atual tamanho da Terra, arrefecendo como uma anã negra. O mesmo processo ocorrerá nas estrelas que se encontram no céu. Uma a uma, todas incharão e todas morrerão, umas encolhendo até se tornarem anãs, outras explodindo em supernovas."
"Vão nascer novas estrelas. O problema é que já nascem cada vez menos estrelas, porque os elementos que as formam estão a desaparecer, ou seja, o hidrogênio primordial está a esgotar-se e os gases começaram a dissipar-se. O pior é que, daqui a alguns milhares de milhões de anos, deixarão de nascer estrelas. Só haverá funerais galácticos. Com a gradual morte das estrelas, as galáxias vão-se tornando cada vez mais escuras até que, um dia, se apagarão todas e o universo se transformará num imenso cemitério, cheio de buracos negros. Mas mesmo os buracos negros irão desaparecer, com o total regresso da matéria à forma de energia. Numa fase muito adiantada, apenas restará radiação."
"O que levanta um grande problema ao Princípio Antrópico. Se o universo está destinado a morrer dessa forma, qual o objetivo da vida? Por que razão Deus afinou a criação do universo para permitir o nascimento da vida se planejava destruí-la logo a seguir? Qual o propósito de tudo isto?"
"Chama-se o Princípio Antrópico Final e nasce da constatação de que não faz sentido estar tudo organizado de modo a fazer aparecer vida para depois se deixar que ela desapareça dessa maneira. O Princípio Antrópico Final postula que o universo se encontra afinado para provocar o nascimento da vida. Mas não é uma vida qualquer. É a vida inteligente. E, após ter aparecido, a vida inteligente jamais desaparecerá."
"Não foi você que acabou de dizer que a Terra vai ser destruída?"
"Sim, claro. Isso é inevitável."
"Então como é possível que ela nunca desapareça?"
"Teremos de sair da Terra, está visto."
"Sair da Terra? Desculpe lá, mas isto já começa a parecer má ficção científica."
"Acha que sim? E, no entanto, alguns cientistas começam a encarar seriamente esse cenário, sabia?"
A Terra não tem futuro, vai ser destruída."
"E vamos para onde?"
"Vamos para outras estrelas, claro."
"E o que nos adianta isso? Não são as estrelas que também vão desaparecer? Não são as galáxias que também se vão apagar? Não é o universo que também vai morrer? Mesmo que consigamos escapar da Terra, estaremos apenas a adiar o inevitável, não lhe parece? Nessas circunstâncias, como é possível postular que a vida inteligente jamais desaparecerá?"
"O estudo da sobrevivência e do comportamento da vida no futuro longínquo constituiu-se recentemente como um novo ramo da física. Sabe, as investigações em torno desta questão começaram com a publicação em 1979 de um artigo assinado por Freeman Dyson com o título Time witbout end: Physics and Biology in an Open Universe. Dyson esboçou aí um primeiro esquema, muito incompleto, que viria a ser reformulado por outros cientistas que se interessaram pela mesma questão, designadamente Steve Frautschi, o qual publicou um outro texto científico sobre o mesmo assunto na revista Science em 1982. Sucederam-se novos estudos em torno deste problema, todos eles assentes inteiramente nas leis da física e na teoria dos computadores."
"A primeira fase já está a decorrer. Trata-se do desenvolvimento da inteligência artificial. É verdade que a nossa civilização dá ainda os primeiros passos na tecnologia dos computadores, mas a evolução está a ser muito rápida e é possível que, um dia, sejamos capazes de desenvolver tecnologia tão ou mais inteligente do que nós. Aliás, à atual taxa de evolução, os cálculos mostram que os computadores atingirão o nível humano de processamento de informação e capacidade de integração de dados no prazo de um século ou pouco mais. Quando chegar o dia em que atingirem o nosso nível, os computadores adquirirão consciência, conforme, de resto, sugere o teste Turing, não sei se já ouviu falar."
"Ora bem, os engenheiros preveem que, para além de podermos vir a desenvolver computadores tão inteligentes como nós, poderemos também desenvolver robôs que sejam construtores universais. Sabe o que são construtores universais, não sabe?"
"Uh... não."
"Os construtores universais são engenhos que podem construir tudo o que possa ser construído. Por exemplo, uma máquina de uma fábrica de automóveis não é um construtor universal, uma vez que só sabe construir automóveis. Mas os seres humanos são construtores universais, dado que têm a habilidade de construir tudo o que possa ser construído. Ora, os cientistas dão como adquirido que é possível conceber uma máquina que seja um construtor universal. O matemático Von Neumann já mostrou como esses construtores podem ser criados e a NASA diz que é possível fabricá-los em algumas dezenas de anos, desde que haja financiamentos para isso, claro."
"Mas qual a utilidade desses... construtores universais?
"Servem para garantir a sobrevivência da civilização."
" Não se esqueça de que a Terra está condenada a morrer. Dentro de mil milhões de anos, o aumento da atividade solar destruirá toda a biosfera. O Princípio Antrópico Final estabelece que, uma vez tendo aparecido, a inteligência jamais desaparecerá do universo. Assim sendo, a inteligência na Terra não tem alternativa: terá de abandonar o berço e espalhar-se pelas estrelas. Os instrumentos desse processo são os computadores e os construtores universais. Parece inevitável que, algures no futuro, os seres humanos terão de enviar construtores universais computadorizados para as estrelas mais próximas. Esses construtores universais terão instruções específicas para colonizarem os sistemas solares que encontrarem e construírem aí novos construtores universais, os quais, por sua vez, serão enviados para as estrelas seguintes, num processo em crescimento exponencial. Isto principiará naturalmente com a exploração das estrelas que nos são mais próximas, como Próxima Centauri e Alfa Centauri, e estender-se-á gradualmente às estrelas seguintes, designadamente Tau Ceti, Epsilon Eridani, Procyon e Sirius numa segunda fase."
"Isso é possível?"
"Alguns cientistas dizem que sim. O processo levará muito tempo, claro. Uns milhares de anos. Mas, se isso é muito tempo à escala humana, não o é à escala universal."
"E quanto custa uma coisa dessas?
"Os custos são relativamente baixos, sabe? É que basta construir quatro ou cinco destes construtores universais, não é preciso mais. Repare, uma vez chegado a um sistema solar, o construtor universal irá procurar planetas ou asteroides onde poderá extrair os metais e toda a matéria-prima de que necessitar. O robô começará a colonizar esse sistema e a povoá-lo com vida artificial pré-programada por nós ou até com vida humana, uma vez que é possível dar-lhes o nosso código genético para reprodução sempre que as condições encontradas forem adequadas. Para além disso, o robô terá também a missão de fabricar novos construtores universais, que enviará para as estrelas seguintes. A medida que avança, o processo de colonização das estrelas ir-se-á acelerando porque cada vez haverá mais e mais construtores universais. Mesmo que a civilização original desapareça, devido a um qualquer cataclismo, esta civilização continuará a espalhar-se autonomamente pela galáxia, graças aos construtores universais e ao seu programa automático de colonização."
"Mas, afinal, qual o objetivo de tudo isso?"
"Bem, o primeiro objetivo será o de explorar, não é? Queremos saber coisas sobre o universo, um pouco como as explorações que fazemos na Lua e nos planetas do sistema solar. Depois, à medida que a habitabilidade na Terra se tornar mais difícil, a prioridade será encontrar planetas para onde se possa transferir a vida."
"Transferir a vida? Assim como se fosse uma espécie de Arca de Noé galáctica?"
"Isso."
"Ouça lá, não acha que tudo isto assume uns ares assim de ficção científica muito fantasiada?"
"Sim, admito que sim. É normal que, agora, tudo pareça uma fantasia. Mas, quando as coisas se tornarem graves cá na Terra, com o aumento da atividade solar e a degradação da biosfera, garanto-lhe que, nessa altura, o problema vai começar a ser encarado muito a sério, ouviu? O que nos parece hoje ficção científica tornar-se-á amanhã realidade
"Sim, talvez tenha razão."
"Com a proliferação exponencial dos construtores universais, toda a nossa galáxia acabará por ser colonizada. De um pequeno planeta da periferia, a inteligência espalhar-se-á pela Via Láctea."
"E assim a vida escapará à inevitável destruição da Terra."
"Eu não disse isso. Disse que a inteligência se espalhará pela galáxia."
"Não é a mesma coisa?"
"Não necessariamente. A natureza só consegue criar a inteligência através de circunstâncias excecionais envolvendo os átomos de carbono, a cuja complexa organização nós designamos vida. Mas o carbono só é predominante em estado sólido numa estreita faixa térmica. Nós, seres humanos, estamos a desenvolver uma certa forma de vida através de outros átomos, como o silício, por exemplo. O que os construtores universais vão espalhar pela galáxia será a inteligência artificial contida nos chips dos seus computadores. Não é certo que a vida baseada nos átomos de carbono seja capaz de sobreviver a viagens de milhares de anos entre as estrelas. É possível que isso se faça, não digo que não, mas tal está longe de ser certo, está a perceber? O que temos a certeza, no entanto, é que a inteligência artificial será capaz de o fazer."
"Mas o que você me está a dizer é que a vida está condenada a extinguir-se..." "Tudo depende do que se define por vida, claro. A vida baseada no átomo de carbono está condenada a extinguir-se, sobre isso não restam quaisquer dúvidas. Mesmo que se consiga fazer essa tal Arca de Noé galáctica e levar a vida tal como a conhecemos para um planeta de Próxima Centauri, por exemplo, o fato é que, um dia, todas as estrelas vão desaparecer, não é? Ora, sem estrelas, a vida baseada no átomo de carbono não é possível."
"Mas isso não é igualmente válido para a inteligência artificial?"
"Não necessariamente. A inteligência artificial não necessita de estrelas para funcionar. Necessita de fontes de energia, como é evidente, mas essas fontes não têm de ser necessariamente as estrelas. Pode ser a força forte contida no núcleo de um átomo, por exemplo. Repare, a inteligência pode encolher-se para espaços muito pequenos, através do recurso à nanotecnologia, e aí precisará de muito menos energia para se manter em funcionamento. Nesse sentido, e se definirmos a vida como um processo complexo de processamento de informação, a vida continuará. A diferença é que o hardware deixa de ser o corpo biológico e passam a ser os chips. Mas, se formos a ver bem, o que faz a vida não é o hardware, pois não? É o software. Eu posso continuar a existir, não num corpo orgânico feito de carbono, mas num corpo metálico, por exemplo. Se já há pessoas que vivem com pernas e coração artificial, por que não se poderá viver com um corpo todo artificial? Se se transferir toda a minha memória e todos os meus processos cognitivos para um computador e me derem umas câmaras para ver o que se passa em redor e um altifalante para falar, eu continuarei a sentir-me eu. Num corpo diferente, é certo, mas serei eu na mesma. Se formos a ver bem, a minha consciência é uma espécie de programa de computador e nada impede que esse programa continue a existir caso eu consiga criar um hardware adequado onde o inserir."
"Acha que isso é mesmo possível?"
"Claro que é. Repare, esta questão está já a ser estudada por físicos, matemáticos e engenheiros, o que pensa você? E o fato é que eles já concluíram que, por muito extraordinário que tudo isto possa parecer agora, é perfeitamente possível de colocar em prática. Ora, sendo possível, não é difícil de concluir que será colocado em prática." Enfatizou a palavra será. "O postulado do Princípio Antrópico Final assim o exige, para garantir a sobrevivência da inteligência no universo."
"E o que acontecerá quando, mesmo no final, a matéria estiver a desaparecer, convertendo-se em energia?"
"Bem, nós temos aqui duas situações. Ou o universo acaba no Big Freeze ou acaba no Big Crunch. Para já, o universo parece estar a expandir-se mesmo perto do ponto crítico, o que nos impede de ter a certeza sobre qual o seu destino. Mas, apesar de se ter constatado que a expansão do universo está em aceleração, o professor Siza acreditava que os princípios que observamos em toda a natureza apontam para um cenário de Big Crunch."
" Porquê?"
"Por duas razões. Em primeiro lugar, porque a aceleração da expansão do universo tem obrigatoriamente de acabar."
"Como sabe isso?"
"Por uma razão muito simples. Há galáxias que se afastam de nós a noventa e cinco por cento da velocidade da luz. Se a aceleração continuasse para sempre, haveria um momento em que a velocidade de expansão seria superior à velocidade da luz, não é? Ora, isso não pode ser. Portanto, a expansão do universo vai ter de abrandar, não há alternativa."
"Mas isso não significa obrigatoriamente inversão de expansão para retração."
"Pois não", concordou o físico. "Mas significa que a aceleração é uma fase que terá de acabar. Daí à retração é um passo, cuja probabilidade decorre de uma constatação simples. Repare, se há coisa que nós estamos a verificar sempre que analisamos um sistema é que tudo tem um início e um fim. Mais importante ainda, tudo o que nasce acaba por morrer. As plantas nascem e morrem, os animais nascem e morrem, os ecossistemas nascem e morrem, os planetas nascem e morrem, as estrelas nascem e morrem, as galáxias nascem e morrem. Ora, nós sabemos que o espaço e o tempo nasceram, não é? Nasceram no Big Bang. Assim sendo, e seguindo o princípio de que tudo o que nasce acaba por morrer, também o espaço e o tempo terão de morrer. Porém, o Big Freeze estabelece que, tendo o espaço e o tempo nascido, nunca morrerão, o que viola esse princípio universal. Consequentemente, o Big Crunch é o destino mais provável do universo, uma vez que respeita o princípio de que tudo o que nasce acaba por morrer." "
"Então o que irá acontecer?"
"Como já lhe expliquei, os cientistas acreditam que o universo poderá ser esférico, finito mas sem limites. Se nós conseguíssemos viajar sempre numa determinada direção, provavelmente acabaríamos de volta ao ponto de partida."
"Seríamos uma espécie de Fernão de Magalhães cósmicos."
"Exato. Ora, como as teorias da Relatividade mostram que o espaço e o tempo são diferentes manifestações da mesma coisa (…) acreditava que, de certo modo, também o tempo é esférico."
"O tempo é esférico?
"Imagine que o tempo é o planeta Terra e que o Big Bang se situa no pólo Norte. Imagine que há vários navios que se encontram todos juntos no pólo Norte, o ponto do Big Bang. Um chama-se Via Láctea, outro chama-se Andrômeda, outro chama-se Galáxia M87. De repente, os navios põem-se a viajar todos para sul em direções diferentes. O que é que acontece?"
"Começam a afastar-se uns dos outros."
"Exato. Como a Terra é esférica e os navios estão a afastar-se do pólo Norte, isso significa que se estão a distanciar uns dos outros. Os navios afastam-se tanto que, a certa altura, deixam de se ver uns aos outros, não é?"
"Sim."
"O afastamento continua até chegarem ao equador, o ponto de apogeu. Mas, depois do equador, e porque a Terra é esférica, o espaço começa a encolher e os navios começam a aproximar-se uns dos outros. Até que, já perto do pólo Sul, se voltam a avistar. E colidem todos no pólo Sul. O espaço-tempo é esférico. Neste momento, e devido ao Big Bang e à expansão possivelmente esférica do espaço e do tempo, a matéria está a afastar-se. As galáxias vão ficando mais distantes umas das outras, até se distanciarem tanto que deixarão de se ver. Ao mesmo tempo vão morrendo aos poucos, transformando-se em matéria inerte. O frio será generalizado. Mas haverá um momento em que, após o apogeu da expansão, o tempo e o espaço começarão a encolher. Isso fará aumentar a temperatura da mesma maneira que um gás em retração aquece. O encolher do espaço-tempo acabará com uma brutal colisão final no pólo Sul do universo, uma espécie de Big Bang ao contrário. O Big Crunch."
"E é possível a vida sobreviver a isso?"
"A vida biológica, assente no átomo de carbono?" Não. Mas o postulado do Princípio Antrópico Final estabelece que a inteligência sobreviverá ao longo da história do universo."
"Mas como?"
"Espalhando-se pelo universo de tal modo que assumirá o controle de todo o processo."
"Você deve estar a brincar."
"Estou a falar a sério. Muitos físicos acreditam que isto é possível e alguns até já demonstraram como."
"Ouça, você acredita mesmo que a inteligência vinda de uma coisa tão minúscula como a Terra pode assumir o controle de uma coisa tão imensa como o universo?"
"Isso não é tão incrível como pode parecer à primeira vista. Não se esqueça do que diz a Teoria do Caos. Se uma borboleta pode afetar o clima do planeta, por que não poderá a inteligência afetar o universo?"
"Estamos a falar de coisas diferentes..."
"Estaremos?"
" Acho que sim. Apesar de tudo, o universo é muito maior do que a Terra, ou não é?"
"Mas o princípio é o mesmo. Repare, quando a vida apareceu na Terra, há mais de quatro mil milhões de anos, alguma vez alguém diria que aquelas moléculas minúsculas e insignificantes iriam evoluir tanto que acabariam um dia por assumir o controle de todo o planeta? Claro que não. Isso, se fosse dito naquela altura, seria risível. E, no entanto, cá estamos nós a discutir hoje os efeitos da ação humana na Terra. Dizer que a vida tomou o controle do nosso planeta é, nos tempos que correm, uma perfeita banalidade. Ora, se, partindo de umas meras moléculas, ao fim de mais de quatro mil milhões de anos a vida tomou conta da Terra ao ponto de influenciar a sua evolução, o que impede que, daqui a quarenta mil milhões de anos, a inteligência tome conta de toda a galáxia ao ponto de também influenciar a sua evolução?"
"Hmm... estou a perceber..."
"Os mecanismos através dos quais esse controle é exercido são explicados por vários estudos científicos, os principais conduzidos por Tipler e Barrow, e não vale a pena eu entrar aqui em pormenores sobre a física e a matemática que envolve esse processo (…) Ou seja, tendo aparecido no universo, a inteligência jamais desaparecerá. Se, para sobreviver, a inteligência tiver de controlar a matéria e as forças do universo, controlá-las-á."
"E é esse o propósito do universo? Permitir que a inteligência apareça?"
"Não sei se é esse o propósito do universo. Sei, no entanto, que a vida não é o objetivo, mas um passo necessário para permitir o aparecimento da inteligência."
" Diz você que, uma vez tendo aparecido, a inteligência jamais desaparecerá, não é?"
"Sim, é o que prevê o Princípio Antrópico Final."
"Mas como poderá a inteligência sobreviver ao Big Crunch? Como poderá ela sobreviver ao fim do universo?"
"A resposta a essa pergunta, meu caro, está inserida na última cifra deixada por Einstein."
"A que está no manuscrito?"
"Sim. É essa fórmula que revela o endgame do universo."

XV-Epílogo

A fórmula de Deus.
"Faça-se luz!"
"É esta a prova bíblica da existência de Deus. Faça-se luz!"
"Desculpe, mas isso não faz qualquer sentido. Como é que esta expressão prova a existência de Deus?"
"A expressão em si não prova a existência de Deus. Ela tem de ser interpretada no contexto das descobertas feitas no campo da ciência, está a perceber? É essa a verdadeira razão pela qual Einstein não quis divulgar o seu manuscrito. Ele sabia que este enunciado bíblico não chegava, era necessária confirmação científica. Essa confirmação já surgiu. Entende? Essa confirmação já surgiu e mostra que a Bíblia, por mais incrível que pareça, encerra verdades científicas profundas. E é nesse sentido que a expressão faça-se luz! prova a existência de Deus."
"Desculpe, mas continuo sem ver essa prova. Explique lá isso melhor."
"A Bíblia diz que o universo começou com uma explosão de luz, não é verdade? Deus disse: faça-se luz! E a luz fez-se."
"Sim."
"Einstein intuiu que este enunciado bíblico era verdadeiro. Anos depois da sua morte, a descoberta da radiação cósmica de fundo veio provar que a hipótese do Big Bang era correta. O universo nasceu de fato de uma espécie de explosão inicial, o que significa que afinal a Bíblia tinha razão: tudo começou quando a luz se fez."
"Sim."
"A questão que se coloca agora é a de determinar quem é a entidade que obrigou a luz a fazer-se."
"Está a falar de Deus..."
"Chame-lhe Deus se quiser, o nome não interessa. O que interessa é o seguinte: o universo começou com o Big Bang e vai acabar com o Big Freeze ou com o Big Crunch. Einstein suspeitava que será com o Big Crunch. Agora preste atenção a isto. A revelação do Princípio Antrópico, associada à descoberta de que tudo está determinado desde o início dos tempos, demonstra que sempre houve uma intenção de criar a humanidade. O mistério é saber porquê. Por que razão se criou a humanidade? Qual o seu desígnio? Por que raio andamos aqui? Por que motivo fomos criados?"
"Mistérios insondáveis..."
"Talvez não sejam tão insondáveis quanto isso. Einstein concluiu que a humanidade não é o endgame do universo, mas um instrumento para se alcançar o endgame."
"Um instrumento? Não estou a entender." "Repare na história do universo. A energia gera matéria, a matéria gera vida, a vida gera inteligência." Pausa. "E a inteligência? O que vai ela gerar?"
"Não faço a menor ideia."
"Ao identificar o faça-se luz! com a fórmula divina, Einstein foi o primeiro a responder essa pergunta."
" E o que concluiu ele?"
"Deus."
"Como?"
"A inteligência gera Deus."
"Não sei se estou a acompanhar o seu raciocínio..."
"A humanidade foi criada para desenvolver uma inteligência ainda mais sofisticada do que a biológica. A inteligência artificial. Os computadores. Daqui a centenas de anos, os computadores serão mais inteligentes do que o homem e, dentro de milhões de anos, estarão habilitados a escapar às alterações cósmicas que ditarão o fim da vida biológica. Os seres vivos baseados no átomo de carbono não serão viáveis daqui a muitos milhões de anos, quando as condições cósmicas se alterarem, mas os seres vivos baseados noutros átomos poderão sê-lo. São os computadores. Eles vão espalhar-se pelos quatro cantos do universo e, colocados em rede daqui a milhares de milhões de anos, tornar-se-ão uma única entidade, omnisciente e omnipresente. Nascerá o grande computador universal. O problema é que a sua sobrevivência será ameaçada pelo Big Crunch, não é? O grande computador universal ver-se-á então colocado perante este problema: como escapar ao fim do universo? A resposta vai emergir de forma terrível." Fez uma pausa. "Não há escapatória, o fim é inexorável."
"Então acaba-se tudo."
"Não exatamente. Há uma maneira de o grande computador universal garantir que voltará a existir."
"Qual?",
"O grande computador universal terá de controlar ao pormenor a forma como o Big Crunch irá ocorrer. Terá de controlar tudo segundo uma fórmula que lhe permita recriar o mesmo universo depois do Big Crunch, de modo a que tudo possa voltar a existir. Tudo, incluindo ele próprio."
"Recriar tudo?"
"Sim. O grande computador universal vai desaparecer com o Big Crunch, mas, entretanto, conceberá uma fórmula que lhe permitirá reaparecer no novo universo. Essa fórmula implicará uma distribuição da energia com um rigor e afinação tais que, evoluindo depois de modo determinista segundo leis e constantes com valores devidamente definidos, permitirá que reapareça no novo universo a matéria, depois a vida e finalmente a inteligência, aplicando assim de novo o Princípio Antrópico."
"E que fórmula será essa?"
"Não sabemos, é algo de tão complexo que só uma superinteligência a poderá conceber. Mas a fórmula vai existir e a sua concepção está metaforicamente inscrita na Bíblia."
"Faça-se luz!"
"Nem mais. Faça-se luz!" Inclinou a cabeça. "A fórmula de Deus."
"Espere um momento.Você está a insinuar que Deus é um computador?"
"Toda a inteligência é computadorizada. Isso foi uma coisa que eu aprendi com os físicos e os matemáticos." Bateu com o dedo na testa. "Inteligência é computação. Os seres humanos, por exemplo, são uma espécie de computadores biológicos. Uma formiga é um computador biológico simples, nós somos mais complexos. Só isso."
"Essa definição parece-me um pouco forte..."
"Ouça, se isso o incomoda não lhe chamemos grande computador universal, está bem? Chamemos-lhe... sei lá, chamemos-lhe... uh... inteligência criadora, grande arquiteto, entidade superior, o que você quiser. Não interessa o nome. O que interessa é que é essa inteligência que está na raiz de tudo."
"Estou a ver."
"Einstein concluiu que o universo existe para criar a inteligência que irá gerar o próximo universo. É esse o software do universo, é esse o endgame da existência. Faça-se luz! é a metáfora bíblica para a fórmula da criação do universo, a fórmula que o grande computador universal irá enunciar quando ocorrer o Big Crunch, a fórmula que provocará um novo Big Bang e tudo irá recriar. Tudo, incluindo Deus. O objetivo último do universo é recriar Deus e nós não passamos de um instrumento desse ato."
Olhou para o rascunho que o criptanalista segurava com intensidade entre os dedos e compreendeu enfim o derradeiro segredo de Einstein — a revelação da existência de Deus, do propósito do universo, do desígnio da humanidade.
"É estranho como durante tanto tempo a humanidade em geral intuiu a verdade intrínseca por detrás do universo. Já reparou nisso?"
"O que quer você dizer?"
"Antes de morrer, o meu pai contou-me que os hindus consideram que tudo é cíclico. O universo nasce, vive, morre, entra na não-existência e volta a nascer, num ciclo infinito, num eterno retorno a que chamam a noite e o dia de Brahman. A história hindu da criação do mundo é a do ato pelo qual Deus se torna o mundo, o qual se torna Deus."
"Ele recitou-me também um interessante aforismo de Lao Tzu, um poema taoísta que encerra o segredo do universo:
"No fim do silêncio está a resposta,
No fim dos nossos dias está a morte.
No fim da nossa vida, um novo início."

Big Crunh… novo livro!

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Monday, December 31, 2012 - 11:50

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