Apologia das coisas bizarras

Apologia das coisas bizarras

Devo um afável agradecimento a Dali e ao melómano amigo que me ajuda e obriga a repensar esta coisa magnífica, melomaníaca e dramática, que é escrever militantes bizarrices e compor toponímias em mapas gerais e cadastrais já conhecidos e mapeados interiormente por outros, para parecerem agora e doravante paisagens líquidas e diferentes, anómalas das normais apesar de geradas de uma mesma geratriz exponencial, eu mesmo .
Iniciei hoje, agora mesmo às dez da manhã em ponto, depois de ter ingerido o habitual, trivial e frugal pequeno almoço composto apenas de cereais, leite e mel, abri o computador, na internet, um estratégico tutorial de aulas experimentais sobre escrita criativa, privilegiei a inspiração, aliás o capítulo primeiro, o número “uno”, antes do “brainstorming” dos detalhes, da minúcia, a magia do inusitado das situações excêntricas que podem incutir, induzir mudança numa receita tradicional e alterar o gosto do insonso caldo verde comum que é o meu registo formatado, numa tentativa “gourmet” de fazer sorvete de cereja e banana, em vez da habitual e costumeira “Sericaia” conventual do Alentejo com ameixa no topo e doce ou adjetivação em excesso.
Nunca fui um natural arquiteto das palavras, inato como gostaria de ser, ou ter sido, como alguns outros, aspiro e respiro de uma intuição acelerada e de uma maneira bizarra, escrevo aquilo que não se pode comparar em competência e perfeição, a um tocador de harpa celestial, imortal como um Armstrong daqueles que me purificam e inspiram a ser como eles foram, nas palavras que nunca haverei de dizer ou proferir, digo-o por sua justiça e não com justificada justificação.
Geralmente surgem-me deles ideias jovens, equilibradas, sugerem-me muitas vezes coisas novas, ideias extravagantes, como quando estou correndo ou tomando banho, imprevistas e do nada, ocorrem-me por exemplo num fragmento de céu, num movimento de ramos, nalguma qualquer árvore da floresta, devolvendo ao vento a plenitude, nos gestos mais simples que a natureza consegue traduzir e produzir em nós, algo mais que simples sentimentos, um replicar de sinos, no meu caso , na minha pele , transformo-os em falas, flutuo, argumento com a própria consciência das flautas o facto e esqueço, o cansaço é uma forma de substancia benigna que me acompanha quando penso, no meio do esforço, da corrida no final do dia, fala mais forte quando todos os outros sentidos emudecem no corpo, ausentam-se deixando-me apenas algumas qualidades de ser humano funcional, assim como uma extensão da alma, uma antena ao deus pã, que não rejeita a captação dos sons mais estranhos, da plastia mais diversa na copa das arvores, na clareira das fábulas ou na água morna escorrendo pelo corpo quando tomo duche, nas extremidades nervosas do corpo, nos dedos das mãos, na revibração do planeta, quando quase morro de hipoxia e tento pôr em ordem as lembranças do ouvido, os sons da floresta, a plastia dos momentos a sós comigo mesmo.
Um amigo de alguma data, nestas coisa de escrita, afirma num magnífico texto, que adora genuinamente todos aqueles suficientemente pacientes para o lerem ainda, estou eu inda em dívida para com ele e com outros, pois o meu contributo é escasso e todavia mais fraco, frágil e eclipsado por grande parte ou na totalidade por eles mesmos, os que leio e donde retiro os “movimentos” e momentos com que me “saro” aos poucos, de qualquer barulho externo, qualquer “encalho”, de forma a parecer enigmático, geométrico e equilibrado, magnífico ou apenas atraente, diferente e não uma cópia condenada, condensada e apenas, daqueles que alcançam como eles, nas estrelas, o brilho, a subtileza altruísta das coisas belas, etéreas, singulares e plenas neste, “blue marble, dwarf planet Earth ”.
Jamais pretendi ser no que digo, o fidalgo, o debutante embrião, nem a aproximação ao irrepreensível, ao real, mais o abstrato abstracionista, o observacionista grisalho, o absoluto remate de um dos arredores mais sinápticos das artes, uma gargalhada simpática do homem da lua, não ocupa espaço terreno nem oculta totalmente o astro, vibram a zona da língua, os beiços, próximos à minha boca e é assim que me exprimo, quase como um bocejo em conclusão do que digo, um gracejo, um boneco animado o que é suposto eu afirmar, contruir por vocábulos sem encarte, afinco ou volúpia, arte de abolicionista célico, sensível à verdade absoluta do belo e à que importa.
Há a insinuada sensação de não existimos de verdade, nem termos a personalidade que pensamos e com que nascemos, quando decorre o acto ímpio e criativo e é suposto continuarmos a ter, possuir, e é lactente, não sendo esquizofrenia nem febre, é de facto consciência eólica na extensão periférica do espírito, nas pás dos moinhos de vento, nós os “Don Quijotes” investindo das planícies em riste, de lança e espada, o Dali de Fibonacci.
O nosso trono é o mundo, estou sentado no trono do mundo, não há dúvida, quando repensamos a natureza da esfera terrestre, é um universo completo, um ovo multicomplexo, novo e excêntrico que geramos, contruímos a partir deste tão antigo, arcaico à superfície, lugar que a luz toca, renova, quanto internamente, onde os mistérios são tão ocultos da realidade quanto que para quem ouve, os profetas videntes, aqueles que nossa voz roça, passa por farol, a luz do impulso, serve a nossa insurgente alma para guiar ao que importa, o espírito das gentes, ao frémito, ao toque nítido, absoluto, quem sabe à maior aspiração terrena, sermos todos realmente profetas do mundo real, reis de tudo quanto existe e do esforço para obter e ganhar, seja a arte absoluta de que falo, absolutamente arte pura, a que fala de nós para nós outros e o que importa, a apologia das coisas vivas e das bizarras coisas da vida eterna, senão houver outra mais longa que ela, aqui ou na Terra das coisas severas, o tempo.

Jorge Santos (28 Janeiro 2021)

https://namastibet.wordpress.com

http://namastibetpoems.blogspot.com

Submited by

Saturday, February 6, 2021 - 20:29

Poesia :

Your rating: None (1 vote)

Joel

Joel's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 2 weeks 3 days ago
Joined: 12/20/2009
Posts:
Points: 42009

Comments

Joel's picture

obrigado pela leitura

obrigado pela leitura

Add comment

Login to post comments

other contents of Joel

Topic Title Replies Views Last Postsort icon Language
Poesia/General Voltam não. 0 2.225 02/05/2014 - 20:30 Portuguese
Poesia/General Talvez o sonho do mar seja o meu pensamento. 0 3.008 02/04/2014 - 17:11 Portuguese
Poesia/General Inda que longe pareça. 0 3.452 02/01/2014 - 09:13 Portuguese
Poesia/General O dia em que decidi morrer. 0 3.863 01/28/2014 - 18:18 Portuguese
Poesia/General Curtos dedos 0 2.550 01/27/2014 - 18:58 Portuguese
Poesia/General Imprevisivel 0 2.564 01/24/2014 - 10:03 Portuguese
Poesia/General Noção de tudo ser menor que nada 0 2.320 01/23/2014 - 17:14 Portuguese
Poesia/General Estátuas de cal-viva. 0 2.337 01/21/2014 - 16:52 Portuguese
Poesia/General Poeta acerca 0 2.340 01/14/2014 - 17:38 Portuguese
Poesia/General O ruído da rua... 3 2.387 12/04/2013 - 21:08 Portuguese
Poesia/General Como um pensamento que te s'crevo... 0 2.272 11/22/2013 - 16:27 Portuguese
Poesia/General Daqui até ao fim é um pulo 0 2.161 11/20/2013 - 15:48 Portuguese
Poesia/General Às outras coisas que de mim conheço... 0 2.366 11/20/2013 - 15:46 Portuguese
Poesia/General Nem os olhos m'alembram... 3 3.070 11/19/2013 - 17:14 Portuguese
Poesia/General Diáfana Profissão... 0 5.713 11/19/2013 - 15:47 Portuguese
Poesia/General Não paro,não escolho e não leio... 0 3.942 11/19/2013 - 15:46 Portuguese
Prosas/Others O regressO 0 3.013 11/18/2013 - 10:09 Portuguese
Prosas/Others Mad'In China... 0 3.733 11/18/2013 - 10:08 Portuguese
Poesia/General Lágrimas de Pedra... 0 2.753 11/18/2013 - 10:06 Portuguese
Poesia/General Pleno de sonhos 0 1.763 11/18/2013 - 10:04 Portuguese
Poesia/General Deus,que é feito de ti... 0 2.389 11/18/2013 - 10:03 Portuguese
Poesia/General Sei que um demente não pode ser levado a sério... 0 4.736 11/15/2013 - 15:51 Portuguese
Poesia/General A casa dos sonhos 0 2.716 11/15/2013 - 15:50 Portuguese
Poesia/General E já nem certo estou do meu pensamento. 0 3.297 11/15/2013 - 15:49 Portuguese
Poesia/General Como se fosse do céu... seu dono 0 2.731 11/13/2013 - 12:23 Portuguese