William Shakespeare : O Mercador de Veneza – Ato II - Cena VI

Cena VI

(O mesmo. Entram Graciano e Salarino, de máscaras.)

Graciano
Esta é a sacada sob a qual Lourenço disse que nos postássemos.

Salarino
Já é tarde.

Graciano
Seria de admirar qualquer atraso por parte dele, pois os namorados chegam sempre antes da hora.

Salarino
Oh! porque os laços de um novo amor mais apertados deixem. Voam as pombas de Vênus vinte vezes mais depressa do que eles sempre o fazem para guardar intacto o juramento.

Graciano
Em tudo é o mesmo. Quem sai de um banquete com o apetite que, ao sentar-se, tinha? Qual é o cavalo que a tediosa pista de volta mede com o ardor tão vivo que ao partir revelava? Sempre pomos mais entusiasmo no alcançar as coisas, do que mesmo em gozá-las. Tal qual jovem estúrdio e perdulário se assemelha o barco embandeirado, quando zarpa de seu porto natal, acariciado pela brisa impudente. E como volta tal qual o perdulário, as velas rotas, gastos os flancos pelas intempéries, falto de tudo, exausto, arruinado pela brisa impudente!

Salarino
Aí vem Lourenço; reataremos depois nossa conversa.

(Entra Lourenço.)

Lourenço
Caros amigos, desculpai o atraso; mas não fui eu a causa de esperardes-me, senão tão só negócios. Quando ao rapto de mulheres também vos decidirdes, esperarei por vós do mesmo modo. Aproximai-vos mais; aqui demora meu pai judeu. Olá! Há gente dentro!

(Jessica aparece na janela, vestida de pajem.)

Jéssica
Quem sois? Falai-me, para meu governo, embora eu jure que conheço a voz.

Lourenço
Lourenço é teu amor.

Jéssica
Lourenço, certo; é meu amor, de fato. Pois, a quem amo tanto? E quem certeza, senão vós, pode ter de que sou vossa?

Lourenço
Teu coração e o céu isso confirmam.

Jéssica
Tomai esta caixinha; vale a pena. Por sorte a noite é escura e não me vedes, pois tenho acanhamento de meus trajos. Contudo, o amor é cego, e os namorados nunca vêem as tolices impagáveis que eles próprios praticam, que, se o vissem, até mesmo Amor ficara enrubescido, por me ver transformado agora em pajem.

Lourenço
Descei, porque ides ser meu porta-tochas.

Jéssica
Como! É preciso, então, que eu ilumine minha própria vergonha? Ela já se acha por demais devassada. Isso, querido, é trabalhar às claras, e eu preciso resguardar-me na sombra.

Lourenço
Já te encontras na sombra, meu amor, com essa bela fantasia de pajem. Mas, vem logo;não demores; a noite escura já se esgueira prestes, e em casa de Bassânio nos aguardam.

Jéssica
Vou fechar bem as portas e dourar-me com mais alguns ducados. Desço logo.

(Retira-se da janela.)

Graciano
Mas, pelos céus! Não é judia; é deusa.

Lourenço
Podeis amaldiçoar-me, mas dedico-lhe, realmente, grande amor. Pelo que posso ajuizar, vejo que ela é muito sábia. Formosa ela é, se olhos fiéis possuo; fiel ela é, como o confirma agora. Sendo assim, pois, fiel, sábia e formosa, na alma constante hei de trazê-la sempre.

(Entra Jessica.)

Já chegaste? Senhores, para a frente, que já está à nossa espera muita gente.

(Sai com Jessica e Salarino.)

(Entra Antônio.)

Antônio
Quem está aí?

Graciano
Signior Antônio!

Antônio
Ora, Graciano! Os outros onde estão? Já são nove horas; todos os amigos estão à vossa espera. Não teremos mascarada esta noite. O vento sopra; Bassânio foi, à pressa, para bordo. Mandei vinte pessoas procurar-vos.

Graciano
Nada me causará mais alegria do que viajar antes que seja dia.

(Saem.)

Submited by

Thursday, May 7, 2009 - 22:54

Poesia Consagrada :

No votes yet

Shakespeare

Shakespeare's picture
Offline
Title: Membro
Last seen: 13 years 23 weeks ago
Joined: 10/14/2008
Posts:
Points: 410

Add comment

Login to post comments

other contents of Shakespeare

Topic Titlesort icon Replies Views Last Post Language
Poesia Consagrada/Song A Fairy Song 0 2.008 07/12/2011 - 00:44 English
Poesia Consagrada/General A Lover's Complaint 0 2.415 07/12/2011 - 00:49 English
Poesia Consagrada/General A Madrigal 0 1.820 07/12/2011 - 00:50 English
Poesia Consagrada/General All the World's a Stage 0 1.856 07/12/2011 - 00:51 English
Poesia Consagrada/General Aubade 0 2.059 07/12/2011 - 00:52 English
Poesia Consagrada/General Blow, Blow, Thou Winter Wind 0 1.492 07/12/2011 - 00:53 English
Poesia Consagrada/General Bridal Song 0 1.524 07/12/2011 - 00:56 English
Poesia Consagrada/General Carpe Diem 0 1.235 07/12/2011 - 00:57 English
Poesia Consagrada/General Dirge 0 1.747 07/12/2011 - 00:58 English
Poesia Consagrada/General Dirge of the Three Queens 0 2.168 07/12/2011 - 01:00 English
Poesia Consagrada/General Fairy Land i 0 1.489 07/12/2011 - 01:06 English
Poesia Consagrada/General Fairy Land ii 0 1.614 07/12/2011 - 01:06 English
Poesia Consagrada/General Fairy Land iii 0 1.750 07/12/2011 - 01:07 English
Poesia Consagrada/General Fairy Land v 0 1.471 07/12/2011 - 01:08 English
Poesia Consagrada/General Fear No More 0 1.381 07/12/2011 - 01:10 English
Poesia Consagrada/General Fidele 0 1.483 07/12/2011 - 01:11 English
Poesia Consagrada/General from Venus and Adonis 0 2.543 07/12/2011 - 01:13 English
Poesia Consagrada/General From you have I been absent in the spring... (Sonnet 98) 0 2.037 07/12/2011 - 01:14 English
Poesia Consagrada/General Full Fathom Five 0 2.576 07/12/2011 - 01:17 English
Poesia Consagrada/General Hark! Hark! The Lark 0 2.098 07/12/2011 - 01:20 English
Poesia Consagrada/General How Like A Winter Hath My Absence Been 0 2.535 07/12/2011 - 01:24 English
Poesia Consagrada/General It was a Lover and his Lass 0 1.906 07/12/2011 - 01:25 English
Poesia Consagrada/General Juliet's Soliloquy 0 1.751 07/12/2011 - 01:25 English
Poesia Consagrada/Love Love 0 2.047 07/12/2011 - 01:26 English
Poesia Consagrada/General My mistress' eyes are nothing like the sun (Sonnet 130) 0 2.259 07/12/2011 - 01:27 English