ELOGIOS XX
20
Ao publico, em nome da actriz Claudina Rosa Botelho
(Recitado no dia do seu beneficio, no anno de 1805)
ACTRIZ — Claudina Rosa Botelho.
ACTOR — Victor Prophyrio de Borja.
ACTOR
Os campos da Virtude estão desertos;
Não vê, não descortina o pensamento
De Lybia os areaes tão sós, tão tristes !
Ao menos os leões ali campêam.
Honram co'a majestade a Natureza,
E na coma lhe ondêa o régio brio;
Ao menos ante os sóes, que lá flammejam,
De raio assolador, de raio infesto
Ostenta escamas de ouro a serpe enorme,
Multiplica os aneis, é mil, e é uma:
Isto mesmo, este horror, esta fereza
No quadro do universo é formosura.
Oh campos da Virtude, estereis campos,
Dos serenos mortaes delicia outr'hora !
Mudou-se o gosto seu, de vós se temem;
Tal do Caucaso bruto, ou bruto Atlante
(Invasores do céo, crespos de rochas)
Recúa o passageiro, e pasma, e foge !
«Volveste ao lar de Jove em rosea nuvem,
Tu, mestra das acções, dos bens origem,
D'alma, do coração lei viva, e sancta:
Este globo, oh Moral, desamparaste !
Com azas de relampago, seguindo
Teu fulgurante adejo, a prole tua
Dos astros muito além pousou comtigo :»
O azedo misanthropo assim vozêa,
E céva o negro humor, o humor bravio
Nas scenas immoraes, que a terra off'rece.
Enrugado censor, não mais carregues
O pezado sobr'olho ! Em honra á patria
Dos sabios, dos heróes, perdôa ao mundo:
Dos sabios, dos heróes a patria é Lysia;
Não fugiu para Jove o cõro amavel,
Acolheu-se de Lysia ao seio intacto:
Flôres ali desparze, ali perfumes,
Que o halito de um deus de si vaporam.
Alveja o divinal, o ethereo enxame;
Filtrado nectar seu, qual dôce orvalho,
Cáe sobre as almas, e a Moral florece.
Não olhe a mente ao longe alto heroismo
No luso, marcio peito, a quem regala
Férreo costume de lidar co'a morte;
Não veja torrear no pego immenso
O immenso Adamastor, procellas todo,
Que zela carrancudo as virgens ondas;
Mas depõe, mas submette aos fados nossos
A furia gigantêa, acceza em raios:
De assombros immortaes, de acções que vivem
Na idéa, o coração não se honra agora.
Guerreiras, e pacificas virtudes
(Mixto com que os mortaes se tornam deuses)
São de Lysia o caracter portentoso:
Deu leis co'a mansidão, co'a força espantos,
E a mansidão gentil vê como exerce
Comtigo, hoje entre tantas distinguida
Do publico favor, do patrio affecto;
Olha a Beneficencia, o dom formoso
Dos céos tão filho, e nos mortaes tão raro,
Como te anima, te prospera, e c'rôa:
Ah! Cumpre que ao dever ternura unindo,
Mimosa gratidão te adorne os labios;
Falia: sôe o dever, sôe a ternura.
ACTRIZ
Tropel de sensações, moral tumulto,
Oh patria, oh dôce patria, me assaltêa !
De affectos na torrente alma soçobra,
E só dá phrase nua á boca inerte.
Dizer que és mãe de heróes, que és mãe de justos,
Que o genio enlouras, que o saber laurêas;
Que ao merito commum, tremente e frouxo,
O susto despes, a energia infundes:
Que outra por teu favor me creio, ou sinto,
E que aspiro com elle a dar-me á gloria;
Que á vasta, majestosa, olympia estancia
Onde entre os Fados a Memoria é nume,
E onde os sellos impõe da eternidade
A titulos humanos, já divinos,
Do gran livro immortal nas folhas de ouro;
Que lá, co'a intrepidez do enthusiasmo
Por milagre da patria eu sonho erguer-me:
Isto já se escutou de gratas vozes,
Isto a meu coração talvez não basta.
Exhaure a phantasia os seus thesouros,
E áquem do teu louvor desejos ficam.
Dotes brilhantes, sociaes virtudes,
Aos ternos filhos seus de Lysia emanam,
Com practica sublime, aureo costume:
Sou terna filha sua, e da piedosa,
Da benefica mãe, que a prole amima,
Dotes, virtudes em silencio adoro.
ACTOR
Cumpriu-se alto dever, e a patria annúe
Ao nobre affecto com sorriso ameno.
ACTRIZ
Se aos sentimentos meus annue a patria,
Outra gloria, outro fado aos céos não rogo.
ACTOR
Fervam-nos sempre n'alma eguaes extremos.
AMBOS
O que a Lysia se deve a Lysia dêmos.
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 1796 reads
other contents of Bocage
Topic | Title | Replies | Views |
Last Post![]() |
Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LVII | 0 | 1.480 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LVIII | 0 | 2.909 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LIX | 0 | 1.130 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LX | 0 | 1.239 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXI | 0 | 2.218 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXXV | 0 | 1.320 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXXVI | 0 | 1.670 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXXVII | 0 | 1.788 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXXVIII | 0 | 1.228 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXXIX | 0 | 1.568 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XL | 0 | 1.095 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLI | 0 | 2.290 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLII | 0 | 3.442 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLIII | 0 | 1.048 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLIV | 0 | 1.988 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLV | 0 | 1.514 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLVI | 0 | 1.726 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLVII | 0 | 750 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XLVIII | 0 | 1.695 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXII | 0 | 1.221 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXIII | 0 | 1.276 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXIV | 0 | 1.309 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXV | 0 | 1.296 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXVI | 0 | 918 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS XXVII | 0 | 904 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese |
Add comment