FASTOS DAS METAMORPHOSES XIII
Midas convertendo tudo em ouro
(Traduzido do Livro XI)
Não contente Lyêo de ter vingado
A morte acerba do Apollineo vate,
Até dos campos barbaros se ausenta:
Como sequito melhor dirige os passos
A vêr do seu Tmolo as fartas vides,
E do Pactólo as margens, bem que ainda
Não tivesse o crystal mudado em ouro,
Nem co'as arêas suscitasse invejas.
Usada turba, satyros, bacchantes,
Folgavam junto ao deus, mas não Sileno:
Por phrygios montanhezes foi colhido,
Dos annos, e liquores titubante,
E preso em laços de travadas flôres,
A Midas, a seu rei o apresentaram.
Este do thracio Orpheu, do grego Eumolpo
Outr'hora as orgias recebido havia.
Dos sacrifícios conhecendo o socio,
Vendo o mestre de Bromio, logo ordena
Do hospede á vinda geniaes festejos:
Dez dias, noutes dez a solemnisa.
Phosphoro já dos astros a cohorte
Pela undecima vez afugentara:
Risonho parte o rei aos Lydios campos,
Sileno restitue ao moço alumno.
Do achado preceptor Lenêo gostoso,
De qualquer dom a escolha off'rece a Midas.
Grato o premio lhe foi, mas foi-lhe inutil,
Porque elle, usando mal do grande arbitrio,
«Numen (lhe respondeu) manda que tudo,
Que tudo o que eu tocar se torne em ouro.»
Ao rogo annue o deus, porém sentindo
Que para dom melhor não fosse o rogo.
Contente o phrygio vae do mal que leva,
Quer da promessa exp'rimentar o effeito,
Quer palpar quanto vê. Quasi sem crer-se,
O braço estende a uma arvore não alta,
Verde ramo lhe extráe, e é ouro o ramo:
Do chão ergue uma pedra; a pedra é ouro:
Roça um terrão, e ao tacto portentoso
Fica o negro terrão lustrosa massa.
Louras espigas n'um punhado arranca:
Eil-o ja convertido em aurea messe;
Um pomo tem na mão, colhido apenas
Parece das Hespéridas um mimo.
Se acaso os dedos põe nas altas portas,
As portas de improviso estão brilhantes:
Agua em que lava as mãos, das mãos caíndo,
E tal que a Dânae seduzir podera.
Tudo mudado em ouro imaginando,
No peito a custo as esperanças cabem.
Os servos lhe aprestaram lauta meza,
Mas de Ceres aos dons se a dextra move,
Enrijam-lhe na dextra os dons de Céres;
Se avido applica ao dente as iguarias,
Lustram-lhe as iguarias entre os dentes;
Une o liquor do nume, auctor do assombro
Com agua crystalina, á boca os ergue:
Da boca se deslizam pingos de ouro.
Attonito do mal terrivel, novo,
O opulento, o infeliz fugir deseja
Das riquezas fataes, detesta o mesmo
Que ha pouco appeteceu. Nenhuns manjares
Podem matar-lhe a precisão que o mata:
Árida sede tórra-lhe a garganta;
O ouro mal cubicado é seu tormento,
E' seu justo castigo. Aos céos alçando
As mãos luzentes, os luzentes braços:
«Perdoa, gran Lenêo, pequei, perdoa,
Commove-te de mim (lhe diz) e afasta
D'um misero este damno especioso.»
Os deuses são benignos. Baccho ao triste,
Que péza a culpa, que a maldiz, que a chora,
A promessa retráe, e o dom funesto.
«Mal para que não fique a ti ligado
Mas, que julgaste um bem (lhe adverte o nume)
Vae ao rio visinho á grande Sardes.
Pelo cume da serra, ao lado opposto
Áquelle d'onde as aguas escorregam
Caminha até chegar onde ellas nascem.
Na parte em que ferver mais ampla a fonte
Mergulha, lava o corpo, e lava o crime.»
Na apontada corrente o rei se banha,
Aurífera virtude as aguas tinge,
Passa do corpo de repente ao rio.
No espraiado liquor participando
Do germe, que dourou a antiga vêa,
E' fama que inda agora amarellejam
Com mádidos terrões aquelles campos.
Submited by
Poesia Consagrada :
- Login to post comments
- 3927 reads
other contents of Bocage
Topic | Title | Replies | Views | Last Post | Language | |
---|---|---|---|---|---|---|
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXVII | 0 | 984 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXVIII | 0 | 654 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXX | 0 | 1.780 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXI | 0 | 664 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXII | 0 | 659 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXIII | 0 | 895 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXIV | 0 | 655 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXIV | 0 | 643 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXIX | 0 | 603 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXV | 0 | 599 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXVI | 0 | 1.260 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXVII | 0 | 533 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXVIII | 0 | 708 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXX | 0 | 710 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXI | 0 | 495 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXII | 0 | 397 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXIII | 0 | 696 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXIV | 0 | 602 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXIX | 0 | 1.058 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXV | 0 | 556 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXVI | 0 | 519 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXVII | 0 | 715 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS LXXXVIII | 0 | 405 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS V | 0 | 714 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese | |
Poesia Consagrada/General | EPIGRAMMAS VI | 0 | 845 | 11/19/2010 - 16:55 | Portuguese |
Add comment